27.12.08

Em palpos de aranha

Já era tarde mas ainda consegui ler antes de dormir aquele conto magnífico do Machado de Assis - e que arte difícil é dizer tanto num conto - que se chama A Sereníssima República. Já o tinha lido, varrera-se-me da memória. Foram os sublinhados que me fizeram recordar que jab andou por aqui e num livro que tem contos que outro livro, antológico, republica, em melhor papel e mais cuidada tipografia. Mas que importa! Li e voltei a ler!
O conto tem um arranque desconcertante, o de um homem que, por saber que um sábio inglês havia descoberto «a linguagem fónica dos insectos» - aqui começa o riso - , resolveu tornar pública, nas colunas de um jornal, a sua magnífica descoberta, a do «idioma aracneida», uma língua de aranhas que estava «gramaticando» - ah! a beleza em risota destes gerúndios ... - para uso das academias. Gozação total!
Só que, começando assim, tão prometedoramente e parodiando tudo, como ao citar uma inventada monografia de Büchner sobre «a vida psíquica dos animais» - são risadas sobre risadas ante um mundo tão surreal - , o conto dá de súbito uma guinada e entra na parte em que se organiza, em analogia com a república de Veneza, um regime governamental para as aranhas.
O leitor leva uma barrigada - olhem para esta palavra «barrigada», ela mesmo uma cólica em gargalhada! - quando Assis apresenta os partidos dessa comunidade das araneomórficas tecelãs de fios de seda. É que, como elas são geómetras - atente-se na estética ds teias, na simetria dos seus alinhados filamentos, na precisão matemática da moldura - nos partidos de governo é a geometria quem divide e separa.
Ideia genial! Na política das aranhas «uns entendem que as aranhas devem fazer as teias com fios rectos; é o partido rectilíneo; - outros pensam, ao contrário, que que as teias devem ser trabalhadas com fios curvos, - é o partido curvilíneo. Há ainda um terceiro partido, misto e central, com este postulado: as teias devem ser urdidas de fios rectos e com fios curvos; é o partido recto-curvilíneo».
Achámos a melhor designação para os do bloco central que entre nós ainda discutem se são mesmo socialistas, se sociais-democratas, ou um bocadinho das duas e afinal coisa nenhuma disso. São os recto-curvilíneos!