25.7.10

A Sinarquia

Claro que quando em 30 de Novembro de 1807 o general francês Andoche Junot ocupou Lisboa, consumando a primeira invasão francesa e uma deputação de maçons lhe foi apresentar cumprimentos, e no ano seguinte uma delegação oficial do Grande Oriente o foi saudar, por ele ser «irmão» também e aventalado e com pretensões ao Grão-Mestrado da que passaria a ser, extinta a Casa de Bragança, o ex-reino de Portugal, a associação da pedreiragem passou por um dos seus piores momentos em termos de respeitabilidade e de integridade.
Não foi menor o aperto quando em 1935 o Presidente da Assembleia Nacional, o professor de Direito José Alberto dos Reis, ele também "filho da viúva" viu o hemiciclo aprovar a lei José Cabral dita contra as «associações secretas» mas que visava reduzir à inactividade os sob os auspícios do Grande Arquitecto do Universo se reuniam em loja. Lei que o ex-maçon Presidente da República Óscar Fragoso Carmona promulgou.
Foram estes entre outros momentos que se reviveram ontem acaloradamente em Faro até pelas uma e meia da manhã quando da apresentação do livro do Luís de Matos. Houve quem clamasse que já estava tudo nos Protocolos de Sião. A ideia do autor é a de uma Maçonaria Invisível que assegure o governo do Mundo. Chama-lhe Sinarquia. Não no sentido de uma cavalaria espiritual redentora. Espécie, sim, do Governo dos mais sábios. O problema é se dá em ser o governo dos mais espertos. Disso já temos. Obrigado.

20.7.10

A vergonhosa homenagem

Nasci em Angola. Sai da terra onde nasci quando começou a guerra que levaria à independência do País. Nunca me senti "menino branco" em terra africana. Não sou negro de raça. Compreendi as razões da revolta local por ter visto em miúdo dísticos no cinema a dizerem «probida a entrada a indígenas», quando vi os tais «indígenas» a levarem palmatoadas - como se crianças fossem em escolas de educação violenta - dadas por cipaios à porta da Administração do Concelho. Compreendi a contra violência quando me chegavam ecos de brancos serrados ao meio e com os olhos arrancados que livros como "Sangue no Capim" nos traziam como memória. Percebi tudo quando vi o poder branco a cair de podre com a chegada dos belgas, espavoridos, a Malanje, vindos em fuga em carripanas com tudo o que podiam trazer, sobretudo a própria pele. Deixei de entender quando ouvia de noite a metralhadora no quartel e me falavam entre dentes na vala comum, quando me explicavam que a PIDE e militares interrogavam negros arrancando-lhes as unhas com um alicate. Entendia ainda quando percebi que para o meu pai, aos sessenta anos, era já Angola e não Viseu a sua terra. Compreendi, enfim, muita coisa quando soube, ao estudar, que os EUA e a URSS tinham partilhado Portugal e as suas colónias e caiu como um tordo Vasco Gonçalves e os cubanos largaram Angola, a geo-estratégia imperial a ditar a sorte das Pátrias alheias.
Assisti ao Conselho de Ministros que aprovou a independência de Angola, ouvi a seráfica explicação do general Costa Gomes, «crachat de ouro» de PIDE, agora Presidente da República da democracia, perorando, frio, em prol do reconhecimento do governo do MPLA, e corajosa intervenção de Salgado Zenha em defesa da dignidade de Portugal, ele que estivera preso com Agostinho Neto em Caxias.
Choca-me que Aníbal Cavaco Silva tenha ido a Angola prestar vassalagem. Por mais alto que falem os interesses, por mais esperanças que tenhamos que os caloteiros angolanos nos paguem, por mais País que o dinheiros dos plutocratas angolanos esteja a comprar.
Ofende-me que tenha ido prestar homenagem a Agostinho Neto quando o Estado que Agostinho Neto inaugurou ainda não teve para connosco a decência do reconhecimento.
Ante os escombros de uma Nação à mercê da miséria e da rapina, haja a decência de exaltar o que os portugueses fizeram por Angola. Colonizadores, colonialistas, negreiros, miscigenámo-nos, amámos aquela terra, demos-lhe o que nunca teve o que ainda não conseguiu ter. Haja vergonha, pois!

18.7.10

A velha bicicleta

Passeava no Jardim da Estrela. Pedalava uma velha bicicleta. Empinado na "burra", os olhos como faróis olhava um ponto situado num qualquer infinito em frente a si. Ia a escrever um ponto abstracto, mas aquele era concreto, se bem que imperscrutável. Perseguia-o zaranguitando pelas ruelas arborizadas. Na frente do biciclo um rádio, sanfona roufenha, verbena a pilhas, roncava umas irreconhecíveis musicatas.  
Perseguidor do sossego, imaginei-o uma força do Destino contra a minha pessoa, os outros indiferentes, vindo das retretes da vida dejecta para a folhagem morna desta tarde modorrenta.
Depois percebi. No dorso da camisola laranja anunciava uma tasca de caracóis. Caracóis com baba, dos que sabem a urina e cheiram a desolação. Um mundo publicitário volteava em torno de mim, infernal, em soltura ofensiva, caracoleante.