28.11.10

O baixo preço

O capitalismo ocidental enriqueceu à conta da exploração cruel da produção asiática e africana, acumulando com os seus salários de fome. Hoje vêm dali os novos senhores, quantos cleptocratas, que tudo compram. Mas por maior que seja a fome em Portugal a deles é sempre maior: é a fome das populações por alimento, a fome de uns quantos dirigentes por lucro fácil. O nosso baixo custo é o seu alto preço.

19.11.10

Ajoelhar, que é o Rei!

Quando há uns anos fiz parte do grupo de ligação luso-chinês, até ser corrido pelo ministro Jaime Gama que achou que outro devia aquecer o lugar, aliás gratuito, tivemos uma reunião em Pequim e um passeio à Manchúria. Do programa fazia parte acordar cedo, sermos metidos numas carrinhas e fazermos uma viagem a um lago, onde desfrutaríamos a vista não fosse estar uum tal nevoeiro que seria lógico aparecer o Loch Ness em vez do tigre da Manchúria.
Á saída do Hotel dei como uma cena extraordinária: uma fila gigantesca de automóveis cujos pachorrentos condutores aguardavam há horas na faixa esquerrda que Suas Excelência - nós - passássemos na faixa direita. Nem um sinal de impaciência, antes a asiática resignação marcava aqueles rostos inexpressivos.
Quando regressámos à noite, a cidade dormitava, as ruas desertas, os batedores que marcavam a dianteira ligaram as sirenes atroando os ares com um insuportável chinfrim.
Porquê? Porque o poder marca a sua presença assim. Imagino que nos tempos antigos a soldadesca da guarda entraria na casa dos habitantes e os varreria a varapau só para se lembrarem entre nódoas negras e ossos partidos que vinha lá o Mandarim.
Aqui no chamado Ocidente como hoje estamos mais brandos pára o trânsito e fecham-se as ruas a ponto tal que quando Suas Excelências passam por cima do chão as toupeiras humanas que frequentam o metro ficam inibidos de usar esse rastejante meio de transporte subterrâneo.
Tudo isto cheira menos a medidas de segurança mais a opressão e arrogância. Como somos o submundo, falidos e pedintes, submetemo-nos, à chinesa, para nos irmos preparando porque vem aí a China. Haja pois no rosto de cada um sorriso sínico.

6.11.10

O famélico garnizé

O Senhor Deng-Xiao-Ping explicou um dia à Senhora Tatcher que Macau e Hong-Kong eram duas galinhas que punham ovos de ouro e os chineses gostavam de ovos. Ora sucedia que as galinhas punham ovos de ouro sendo apascentadas de modo capitalista e colonialista. E os chineses continentais não sabiam tal modo de apascentar tais galinhas. Por isso, elas haveriam de ficar durante cinquenta anos entregues ao cuidado dos capitalistas e colonialistas portugueses e ingleses que vinham delas tratando.
Vigoraria assim na China o princípio «um país dois sistemas».
E porquê cinquenta anos? Porque era o tempo de que a China precisava para alcançar as metas de crescimento ocidentais.
Ei-los, pois, agora, os chineses, a comprarem tudo quanto há, incluindo o que em Portugal mais há: a dívida.
Gorda que está, a galinha compra o próprio dono do galinheiro, o famélico garnizé.

A tenda dos tintins

Espantam-se? Mas que geração é esta que está hoje no poder e no mando no sector público, mesmo onde eram dispensáveis, e no sector privado onde conseguiram tornar-se úteis porque necessários? Aquela que gerámos, cobaias na instrução do propedêutico e do serviço cívico e do unificado, fruto na educação dos nossos complexos de progenitores liberais e permissivos. A que aprendeu a arregimentar-se nos partidos como forma de fazer carreira, os partidos a que demos existência, entregando-lhes primeiro o Estado, depois o País. Os consumistas, egoístas, aqueles que não passam os apontamentos das aulas aos colegas para que eles não lhes passem à frente na classificação. Os que se colam aos pais e deles vivem, incapazes de deitar a mão ao esforço do sustento próprio. O fruto da desagregação dos nossos lares. Aqueles para quem o último mestrado corresponde o primeiro desemprego. 
Somos, enquanto País, a mistura complexa de cinquenta anos de ditadura de Estado que caiu de podre e de vinte e cinco de socialismo de Estado que se desmoronou. À lógica do funcionalismo somámos a do clientelismo.  
Falido e desacreditado esse Estado, damos connosco a boiar no charco liberal da desregulação, no pântano do mercado e suas monstruosas criaturas: a economia sufocada pelas finanças, a produção ao serviço da dívida.
A República Popular da China compra a dívida externa de Portugal, porque a Nação dos Portugueses se tornou numa tenda de tintins. O Fundo Monetário Internacional pode tomar conta disto, porque tal como os que vão aos Casinos de Macau, na roleta do mercado de capitais, estamos nas mãos das casas de penhores. As seitas encarregam-se do resto.