26.12.06

A doença e a cura

Experimentem ficar doentes e vão ver se não é assim. Há uma tipologia social de reacções a essa situação. A primeira é o «isso é uma gripe». A segunda o «anda tudo por aí com isso». Há uma variante que é o «apanhei eu uma coisa dessas há duas semanas». Ao falarem de si dirão que «está adoentado» ou numa versão mais suave que «está constipado». No fundo tudo isto se resume ao não querer saber, normalmente acompanhado, para fim de conversa, do «tens que ir mas é ao médico». Há um dia em que um sujeito finalmente vai e sai de lá com uma «virose», porque «sabe, anda tudo por aí com isso», aliás eu próprio «apanhei uma coisa dessas há duas semanas». Experimentem ficar doentes porque, a não morrerem, vão sentir logo no acto súbitas melhoras.

24.12.06

Ex-votos

Andamos nesta quadra a desejar indiscriminadamente uns aos outros um Bom Ano e ao mesmo tempo a desejar que certas coisas más não aconteçam. Ora para sermos verdadeiros em relação a certas pessoas deveríamos desejar-lhes então descaradamente um ano mau.
Mas nesta quadra, porque é Natal, nós somos bons, mesmo para com os maus: gostaríamos que houvesse o bem, sem ter de haver o mal.
Por isso, mesmo ante o maior velhaco, que sabemos andar a tramar o pior, lá vai um Bom Natal e um Feliz Ano Novo. A resposta que merecíamos era: muito obrigado, mas não exageremos!

23.12.06

É amanhã

Foi ao ler o jornal que me apercebi que, afinal, a consoada é só amanhã. A minha velhota corria o risco de eu lhe aparecer em casa hoje, para a levar a jantar fora, por ser Natal. É isto que dá a dimensão desolada da velhice, o ficar-se à mercê das datas obrigatórias e do ter de ser festivo, da lembrança ocasional de todos os outros. Assim, adiou-se por um dia o sentirem-se os afectos em torno de uma refeição, que é o que acontece quando secaram já com o tempo todas as outras formas de nos expressarmos.

10.12.06

Perdidos e achados

Pois lá segui sexta ao anoitecer para o Algarve no tal comboio com bilhete comprado «não on line», nem no multibanco. Deixei-o, em Loulé e nele um livro que estava a consultar para finalizar uma narrativa que terá de estar entregue na tipografia na próxima segunda-feira, ou seja, ó nervos!, amanhã.
Logo que, umas horas depois, dei pela sua falta, tentei tudo para o encontrar . Como a composição terminava a sua marcha em Faro, vá de ligar para a estação. Na lista telefónica não vinha. Mas a CP tem um «call centre». Dali deram um número. Ligado o dito, veio de lá uma voz a perguntar quem é que tinha dado tal número e a informação que o comboio já tinha sido «limpo». Ante este dado, e sugerindo-se que, feita a limpeza, o livro teria sido seguramente encontrado por alguém, o ensonado funcionário ferroviário não se deu por vencido. Que sim, mas que o livro «acabaria por» seguir para Lisboa. Pois, mas como fazia muita falta e talvez ainda estivesse por ali, sugeriu-se, que tal tentarem encontrá-lo? Entrou-se então no entaramelado de uma conversa de chanfrados, que terminou no «ligue amanhã a partir das nove». Pelas nove ligou-se, para se saber, que ninguém reclamava quanto ao número ser errado, mas para receber a informação, aliás preciosa, de que as mulheres da limpeza daquele comboio só entravam às quatro. Liguei às quatro. Disseram-me então que o serviço estava fechado.
Voltei no dia seguinte a Lisboa, onde estou este domingo, entre a gripe e o desejo de a ter, revendo provas, o livro por acabar.
Já decidi que hoje não vou à CP, com medo que me digam que os serviços competentes só abrem na segunda-feira; mas ao mesmo tempo, estou receoso que, se for só segunda, me respondam que o livro voltou para Loulé e o melhor é mesmo voltar a ligar para o «call centre».
Algum leitor benévolo pode dar uma ajudinha, nem que seja a informar onde é que se arranja um bom pau, daqueles com que os vedores até água encontram no meio das pedras?
É que entre perdidos e achados, eu, se não acho o livro, ainda me perco!

8.12.06

No comboio descendente

A CP permite que se comprem os bilhetes de comboio através do multibanco. A CP permite que se comprem os bilhetes de comboio através da Net. Mas a CP não permite que uma coisa nem outra funcionem. Hoje acabei numa bilheteira de manhã, para comprar um bilhete para o comboio das 17:20. À minha frente uma rapariga explicava que tinha pedido bilhete de regresso para domingo e lhe estavam a vender um para segunda-feira. Resposta do funcionário, ar de cansado, gravata desgoilada, barba por fazer: para isso é que é mais prático comprar-se directamente «on line». Pois claro!

5.12.06

Uma questão de órgãos

O DN de hoje traz como manchete que «Portugal é campeão europeu de cortes na função pública». Mais abaixo o título é «juízes perdem liberdade para integrar órgãos do futebol». Belo fecho de edição!
Tudo junto, a notícia dos «cortes» e a notícia dos «órgãos» dá para o leitor distraído concluir um gritado «Já sei! O Governo o que decidiu foi atirar-se aos juízes e cortar-lhes os órgãos!». O que, se calhar, é o que há para noticiar...
Falta só dizer que a imagem da capa do dito periódico da Avenida é a de uma Justiça que, por falar em órgãos os tem, aos peitorais, bastante proeminentes. Valha-nos isso: Justiça que seja, patriótica ao menos!