30.10.07

Poucos serão os escolhidos

O Presidente da República diz que se recusa a intervir na questão das escolhas para o Conselho de Estado. Acto de prudência e distância. Por ele já tem as suas escolhas feitas, a de Manuel Dias Loureiro, por exemplo.

25.10.07

Pinto Monteiro e a verdade

Aquilo em que muitos viram uma ligeireza do PGR numa matéria que o PR considerou «delicada», foi recuperado como se tivesse sido um acto intencional praticado de caso pensado para gerar um «alerta» sobre a questão das escutas telefónicas. Daí a AR convoca o PGR para lhe pedir explicações sobre o assunto.
O momento é exemplar.
Pinto Monteiro é juiz conselheiro, desempenha funções num dos lugares de vértice da Justiça portuguesa.
Exige-se-lhe probidade, honestidade, e não duvidamos que tenha tais qualidades em altíssimo grau.
Por isso, quando se sentar ante os políticos deputados, para se explicar, deve marcar a diferença começando por clarificar: ou aquela do ruídos no telemóvel lhe «saíu», ao baixar as guardas da atenção ante a amabilidade dos entrevistadores, ou é, como prontamente disseram alguns dos exegetas do seu pensamento, algo que disse pensando no que dizia e nas consequências desejadas do dizer.
Não há outra via: a verdade está diante dele, como um espelho ante a sua imagem! Se fosse mais um dos muitos políticos, Pinto Monteiro teria várias formas de dar a volta ao dito, ao sentar-se entre os deputados. Esperamos que não o seja e diga o que foi tal como é!
Entrar em sofismas argumentativos e justificativos iria torná-lo igual ao que não desejará ser.

23.10.07

O SIS e a escutas

«Em Portugal, só a Polícia Judiciária por ordem dos juízes e os serviços de informações podem fazer escutas legais». Disse-o o professor Marcelo Rebelo de Sousa, num momento de comentador. Ou é verdade e é grave, ou é engano, e é grave. Em qualquer caso, não tem importância.

21.10.07

Ruídos estranhos

O Dr. Pinto Monteiro ouve ruídos estranhos no telefone e não está seguro de que não tenha o telefone sob escuta.
Claro que o Dr. Pinto Monteiro podia queixar-se ao PGR e pedir-lhe providências. Mas será que ele acredita que o PGR tem força e poder para conseguir evitar que lhe ponham o telefone sob escuta?
Fiquei com a ideia, ao ouvir falar na entrevista que deu a um semanário, que não acredita muito e receará que a sua queixa possa ficar à mercê de algum barão, duque ou marquês do Palácio de Palmela, onde, segundo nos disse, ainda impera a ordem feudal.

20.10.07

João, vamos fazer um jornal

«(...) João Coito era um conservador, eu fui-me tornando um radical. João Coito era um católico, eu senti-me abandonado por Deus. João Coito escrevia maravilhosamente, eu ainda ando a aprender a escrever.
João Coito era meu amigo e eu, amigo João Coito, estou triste desde o dia em que o perdi: uma tristeza feita de saudades, nascida na revolta ante o inevitável.
Eis a vida. Um dia encontramo-nos neste processo em que a Vida faz brotar vida nova das vidas que se foram.
Talvez possamos fazer um jornal: será o João o meu Director, dê-me então uma coluna, voltamos ao duro combate pela decência social, contra o vira-casaquismo, pelo esmero de maneiras na vida pública, por uma república de homens-bons» (...) .
Escrevi, para que saia na próxima 3ª feira no jornal «O Diabo», de que foi regular colunista, depois de uma vida no «Diário de Notícias», este momento de tardia homenagem, um artigo de que aqui fica um excerto, «À Esquina da Memória».

19.10.07

Rule Britannia

O caso Maddie é um assunto criminal sujeito às autoridades judiciárias, envolvendo cidadãos privados ingleses. Só que como são pessoas muito bem relacionadas com o primeiro-ministro britânico, este permitiu-se falar ao primeiro-ministro português, que é actualmente o presidente da União Europeia, sobre o assunto e ambos consentiram que isso fosse conhecido publicamente, com grande ênfase, não vá o recado passar despercebido.
Dizem que a conversa foi só para se certificarem que as polícias dos dois países estão a cooperar bem.
Claro que há todos aqueles casos dos anónimos e dos malquistos em que a justiça portuguesa está a receber uma cooperação péssima das justiças de outros países. Mas disso não cuidam os primeiro-ministros.
Quanto às senhoras autoridades judiciárias e policiais portuguesas estão muito caladas, como calados estão todos os que encontram em muito menos a sombra de intromissões governamentais em tudo.
O exemplo está dado! Se houvesse uma bandeira para o Estado de Direito, deviam hasteá-la hoje a meia-haste.

15.10.07

A guerra em vão

O Joaquim Furtado fez em televisão uma série de episódios que vão rasgar feridas que estão ainda mal saradas na pele dos portugueses. Trata-se da guerra, a do Ultramar, a colonial, a de libertação, a guerra. Uma guerra em que ele procurou não glorificar um dos campos contendores, o que corre o risco de desagradar a todos, aos que sentem merecer em troca do sofrimento os louros de uma medalha, para que tudo não haja sido em vão.

14.10.07

Assobios em Fátima

Houve quem se abismasse porque os peregrinos de Fátima, cansados de esperar pelo momento de poderem entrar na nova basílica, apuparam e assobiaram. Ao domingo é assim no futebol, qual dia será assim na Santíssima Missa. Na Cova da Iria foi apenas a zona do meio entre a reverência devida a um Santuário e a feira pagã dos pagadores de promessas, mercadejando com Deus favores em troca de oferendas. O culto de massas tem destas: quem promete milagres vende impaciências.
Uma coisa é a fé pura, a crença na salvação, a esperança numa vida melhor, a redenção pelo sacrifício. Outra é a massificação de um lugar, a ocupação do templo, o divino espiritual à mercê da boçalidade do profano.

13.10.07

Adeus, amigos

Levantei-me tarde, porque mais do que precisar, senti que merecia dormir. Acabei agora de almoçar, o meu garoto mais novo a partilhar comigo o gosto de não gostarmos de alface a não ser sem tempero, a adorarmos carne assada fatiada mas fria, a promessa do irmos daqui a pouco dar uma volta pelo jardim aqui em frente, e passarmos pela loja do chinês, em busca de frascos para o armário da nossa despensa.
Sentei-me a folhear jornais que compro para os olhar em diagonal, o mundo que me interessa reduzido a muito pouco.
Foi então que tudo aconteceu. Atónito, vejo numa página a fotografia do Fausto Correia e a do João Coito. Mortos. Mortos como o Raúl Durão que conhecia pior. Não sabia, ninguém me disse, não li, sufocado de trabalho, soterrado de obrigações.
Uma densa tristeza povoa-me a alma. Por segundos vi-me ali, morto também, velando-lhes o corpo ido, mais mortos do que é possível morrer-se.
Conheci ambos. Do Fausto recebia sempre uma palavra todas as vezes que lhe escrevia, sempre que era uma ocasião. Maçon, conhecemo-nos independentemente disso, socialista, admirava-o mesmo quando eu já renegava o partido que do socialismo usurpa hoje o nome. Via nele a arte de viver este mundo, disponível para todos os mundos possíveis, a bonomia feita acção, a Coimbra boémia, sedutora como miragem.
Do João Coito recebi sempre uma palavra de estima, de apreço, de admiração, mesmo quando soube que lhe era difícil manifestá-la. Católico, consevador, ensinou-me o que é escrever, o que é saber carregar a fundo sobre o injusto e o indesejável, com elegância, boas maneiras e requintada educação. Combinámos jantar, o convite mantinha-se, adiava-se, lembrava-me disso cada vez que a minha mãe me telefonava, orgulhosa, a dizer «José António, o João Coito, falou outra vez bem de ti».
Vou sair. Talvez o jardim, a loja do chinês, os frascos para a minha despensa, me ajudem por uma horas à ilusão que é estar-se ainda vivo, perdido o momento de escrever ao Fausto, de telefonar ao João, adeus amigos, que isto de se estar triste é uma coisa que não mereceis. Adeus, adeus.

5.10.07

O dia do nada

Ainda a comemoração do 5 de Outubro: soube agora que o primeiro-ministro chegou tarde ao acto, já o Presidente da República discursava, a nova direcção do PSD não sabia do convite, nem sabia que tinha de lá ir. São na aparência falhas de protocolo, são na verdade, a imagem da degradação a que chegou o cerimonial público. São as condecorações à dúzia, o cumprir oficial das efemérides. À falta da adesão popular, eis os militares, as forças militarizadas, os sapadores bombeiros, qual corpo de baile. Os discursos têm menos a ver com o que se comemora, são momentos para os políticos darem recados uns aos outros através da comunicação social. Foi assim com o 28 de Maio, está a ser com o 25 de Abril, com o 10 de Junho. Um destes dias, inaugura-se o dia do nada, o zero absoluto dos que com nada se importam.

Uma praça vazia

Ao ver, vazio, o Largo do Município, as altas figuras do Estado com um ar de enfado neste dia feriado, o Presidente da República a discursar, hirto, para um corpo de GNR's, arregimentados para o efeito, vi a que ponto estamos em matéria de fervor republicano.
A rematar o seu «directo», a SIC Notícias deu-nos o caricato: o Chefe de Governo, enfim aliviado da pose comemorativa, a brincar, como se com um pendericalho, com a medalha da Cidade de Lisboa que António Costa trazia ao peito. Riam, todos, prazenteiros, com o fetiche, excepto Jaime Gama, que aprendeu a substituir o riso por um esgar.
Acho que se os monárquicos tivessem organizado uma romagem para evocarem o regicídio eram capazes de ir mais mobilizados e em maior número.
A República deixou de ser comemorável, por uma razão: ninguém se apercebe hoje que ela existe, tal como todos ignoram que o senhor de barbicha que a anunciou se chama, entre os Relvas, Miguel Relvas. O «devorismo» tornou-nos semelhantes ao agonizar da Monarquia.

1.10.07

Sexo na cidade

Eu mal vejo televisão, não por pedanteria, mas por ter pouco tempo e preferir ler, quando posso. Sou como aqueles fumadores passivos, vejo a televisão que estão a ver nos sítios onde estou, a maioria das vezes como ruído de fundo.
Outro dia foi-me impossível não notar. Umas senhoras falavam do sabor do esperma dos homens com quem tinham estado.
Era uma série de renome, ao que me apercebi, que traz as mulheres pelo beicinho, e que muitos homens não perdem.
Eis os serões nocturnos, a televisão no pico de audiência, a verdadeira hora de ponta.
Hoje de manhã ouvi na rádio que o Governo quer fomentar a natalidade. Não há pois esperma a desperdiçar. A televisão, nisso, a continuar assim, não ajuda os superiores interesses do país.