13.10.07

Adeus, amigos

Levantei-me tarde, porque mais do que precisar, senti que merecia dormir. Acabei agora de almoçar, o meu garoto mais novo a partilhar comigo o gosto de não gostarmos de alface a não ser sem tempero, a adorarmos carne assada fatiada mas fria, a promessa do irmos daqui a pouco dar uma volta pelo jardim aqui em frente, e passarmos pela loja do chinês, em busca de frascos para o armário da nossa despensa.
Sentei-me a folhear jornais que compro para os olhar em diagonal, o mundo que me interessa reduzido a muito pouco.
Foi então que tudo aconteceu. Atónito, vejo numa página a fotografia do Fausto Correia e a do João Coito. Mortos. Mortos como o Raúl Durão que conhecia pior. Não sabia, ninguém me disse, não li, sufocado de trabalho, soterrado de obrigações.
Uma densa tristeza povoa-me a alma. Por segundos vi-me ali, morto também, velando-lhes o corpo ido, mais mortos do que é possível morrer-se.
Conheci ambos. Do Fausto recebia sempre uma palavra todas as vezes que lhe escrevia, sempre que era uma ocasião. Maçon, conhecemo-nos independentemente disso, socialista, admirava-o mesmo quando eu já renegava o partido que do socialismo usurpa hoje o nome. Via nele a arte de viver este mundo, disponível para todos os mundos possíveis, a bonomia feita acção, a Coimbra boémia, sedutora como miragem.
Do João Coito recebi sempre uma palavra de estima, de apreço, de admiração, mesmo quando soube que lhe era difícil manifestá-la. Católico, consevador, ensinou-me o que é escrever, o que é saber carregar a fundo sobre o injusto e o indesejável, com elegância, boas maneiras e requintada educação. Combinámos jantar, o convite mantinha-se, adiava-se, lembrava-me disso cada vez que a minha mãe me telefonava, orgulhosa, a dizer «José António, o João Coito, falou outra vez bem de ti».
Vou sair. Talvez o jardim, a loja do chinês, os frascos para a minha despensa, me ajudem por uma horas à ilusão que é estar-se ainda vivo, perdido o momento de escrever ao Fausto, de telefonar ao João, adeus amigos, que isto de se estar triste é uma coisa que não mereceis. Adeus, adeus.