25.9.10

A vida simplificada

Vejo numa personagem de um romance de Vergílio Ferreira aquilo que deve estar na cabeça de muita gente que faz com sejamos o País que somos: «os que chegam a constituir uma elite efectiva, devem assegurar às massas inferiores a felicidade na aproximação dos irracionais, mantendo-lhes a vida simplificada».

21.9.10

A Censurável Censura

Este texto ilustrou uma exposição que se realizou em Faro, no Pátio de Letras, no dia 25 de Abril, a propósito da Censura Prévia. Expostos livros de um notável livreiro da cidade e um homem bom, Duarte Infante.

Por um lado o controlo do espírito, por outro a engenharia das almas. A censura ao pensamento garrotava a liberdade de expressão, asfixiava a criação. O 25 de Abril trouxe, enfim, a liberdade
Em Portugal a mordaça tem uma longa tradição.
Quando, a 5 de Abril de 1768, o Marquês de Pombal centralizou no Estado o sistema de controlo ao conteúdo dos livros abria-se a época moderna na repressão do espírito. Criou-se a Real Mesa Censória, confiada a Frei Manuel do Cenáculo, para «livros e papéis perniciosos». Veja-se.
A Igreja perdia o poder de censura que até então gozava o chamado Santo Ofício da Inquisição e que o seu Index Librorum Prohibitoru , de obras vedadas à impressão ou à venda, saído do Concílio de Trento, bem expressava. Esclarecedor.
A liberdade de imprensa só seria proclamada com a Constituição de 1822, mas duraria apenas até 1924. Restabelecida com a Carta Constitucional de 1826, cairia de novo para não mais vigorar até à República. Quer por leis, quer por actos administrativos, quer por vias de facto, o exame prévio e a apreensão de livros proibidos continuariam. Com a ditadura de João Franco o governo monárquico encarniça-se na luta contra a propaganda adversa, congregando um juiz para o efeito, o célebre Veiga, que dirigia o Juízo de Instrução Criminal.
A liberdade republicana, que a Constituição de 1910 legalizaria, teria também duração efémera pois logo em 1912, por lei, «dezenas de jornais não republicanos, especialmente monárquicos e católicos, mas também sindicalistas e anarquistas, foram encerrados e os seus proprietários presos e deportados».
O advento do governo de Sidónio Pais, em 1917, daria base legal ao afinamento do sistema censório, a entrada de Portugal na I Guerra justificaria mais apertado controlo aos livros e demais publicações.
O Estado Novo restabeleceu o exame prévio em Setembro de 1926. A Constituição de 1933 abria a porta à legitimação de uma “política do espírito”, que uma apertada vigilância às publicações controlava, impedindo a divulgação do contrário à Situação. Um Decreto de Abril de 1933 sujeitava a censura prévia as publicações que «versem assuntos de carácter político e social». Os próprios livreiros eram intimados a controlarem o que vendiam, sob pena de pesadas multas. A PIDE e outras polícias frequentemente efectuavam apreensões nas livrarias e tipografias. Pode ver-se.
Após a morte de Salazar e com a liberalização do regime, em 1972, sob o governo de Marcelo Caetano, pouco mudaria salvo alguma abertura de critério, mesmo assim hesitante. O lápis azul dos censores à imprensa mantinha-se no mundo editorial. A Direcção dos Serviços de Censura e seu Gabinete de Leitura Especializada, A Direcção-Geral de Segurança e os Tribunais Plenários, encarregavam-se da evolução na continuidade. Naturalmente.
Haverá hoje quem se lembre do que é não ter a liberdade de escrever nem a possibilidade de poder ler?

Como se fazia a Censura aos livros? O Regime que o 25 de Abril depôs usou todos os instrumentos. Serviços públicos, polícias, auto-vigilância por parte dos livreiros, dos tipógrafos, dos escritores, dos próprios leitores


Primeiro a criação dos Serviços de Censura que com Marcelo Caetano se passou a chamar eufemísticamente de Exame Prévio.
Depois a atribuição do julgamento dos crimes de imprensa a um tribunal especial o famigerado Tribunal Plenário, sito na Boa-Hora, onde eram julgados os crimes contra a segurança do Estado. Ilustrativo.
Além disso, um sistema de auto-policiamento pelo qual as tipografias e os próprios livreiros arriscavam pesadas multas e o próprio encerramento no caso de permitirem que viessem à luz livros proibidos e inconvenientes para os padrões de moralidade oficial e para a subsistência do próprio regime político.
Quantos livros proibidos foram vendidos «por baixo do balcão» a leitores em quem se poderia confiar? Quantas tipografias clandestinas? Sabe-e lá.
Em 1934 a Direcção Geral de Censura à Imprensa enviava uma circular aos livreiros apelando a que fossem «colaboradores preciosos» da Censura, a bem da «valorização moral da Nação».
Em 1972 o Ministro do Interior, Gonçalves Rapazote dava instruções à Direcção-Geral de Segurança (ex-PIDE) para «organizar um plano de visitas» a tipografias que se dedicam à impressão de «livros suspeitos – pornográficos ou subversivos» e que fosse informado os Grémios das Artes Gráficas e dos Editores e Livreiros «da acção de repressão que vai ser desencadeada contra os responsáveis pela impressão, distribuição ou venda de publicações pornográficas ou subversivas». A política não mudava.
Enfim, uma prática de intimidação e de provocação, junto dos escritores e dos próprios leitores.
Quantas vezes se forravam os livros mais perigosos a papel pardo para não se verem as capas? Erro o medo de ler.
A Sociedade Portuguesa de Escritores foi extinta em 1965 pelo Governo e assaltada e desmantelada por elementos ligados à PIDE e à Legião, depois de atribuição de um prémio ao escritor angolano Luandino Vieira. Veja-se.
Um escritor católico, conservador, Alçada Baptista, escreveu no seu livro Conversas com Marcelo Caetano, de quem era amigo, acerca do Exame Prévio: «é um poderoso elemento de redução de mim próprio (…) e que vai ao ponto de sentir inibições quanto se trataria de aplaudir os poderes nas coisas que mereceriam o meu aplauso, ou de criticar a oposição naquilo que mereceria a minha crítica»
Hoje, que estamos em democracia e na sociedade digital, a Censura acabou ou sofisticou-se?