2.9.06

Adeus, Indy

Acabou «O Independente». Quando surgiu, dizia-se que a redacção era metade a Universidade Católica e metade recrutada no «Frágil», uma boîte in da Lisboa nocturna. Azougado, foi um jornal que pôs a malta nova a ler jornais, coisa nunca antes vista ou alguma vez imaginável. A geração do «eu quero o joystick, que se lixe a politik» tinha à sexta-feira a sua rave em tablóide! Aquilo era o «Blitz» em notícias!
Depois, foi aquele estilo fresco e inovador do Miguel Esteves Cardoso, a escrita do paradoxo, o gozo permanente sobre o nosso ridículo quotidiano. Acusado pelos velhos da esquerda de fascista e acusado pelas tias da direita de traidor, antes de se tornar adulto e de ter escrito um livro a dizê-lo, ele deu um ar de frescura a um país tipograficamente envelhecido, descobrindo «a causa das coisas». O Miguel engordou, envelheceu, conformou-se consigo, e acabou.
Apareceu então uma segunda série, com um jovem Paulo Portas, esforçado batalhador, fixado na ideia irrealizável de bater as vendas do «Expresso», o jornal que todos compram, mesmo já sem saber para quê. O cavaquismo no poder e Cunha Rodrigues no anti-poder deram a fórmula do sucesso. Se vinha em «O Independente», estava no DIAP. Se não ainda não estava no DIAP, estava para estar! Um a um, caíam ministros e choviam processos. Nesses tempos gloriosos, passava-se metade do tempo na redacção a outra metade nos tribunais a responder por difamações. Imagino que houve dias em que o jornal foi fechado nos corredores dos «juízos correcionais». Só que o Paulo, lei fatal da vida, envelheceu também, ganhou os tiques dos adultos, quis ser político, ministro, essas coisas que dão reumatismo mental. Vimo-lo comer a sopa onde vomitara, gaspacho sem graça, refeição tristonha.
Eis, enfim, o vazio. Coube a Inês Serra Lopes, tentar manter heroicamente o jornal. Já não era possível. Salvo o «Diário da República», um jornal tem de ter uma linha editorial. Para sobreviveram, há os que, picantes, apostam nas glândulas mamárias na primeira página, outros, louvaminhas, nos sucessos do Governo. O Indy tinha envelhecido e com isso entrara no caminho do saiba morrer já que viver não soube. Ontem ao ver aquela edição de luto, a última, senti uma tristeza na alma. No dia em que morre um jornal, é menos uma voz. Eu sei que às vezes dá raiva lê-los, mas antes isso que não os ter.