7.9.06

A travessia no deserto

Uma pessoa abre os jornais e só vê candidatos e pré-candidatos. Ainda os titulares dos cargos estão em funções e já se perfilam os seus ansiosos sucessores. Por todo o lado surge gente «disponível», como dizem, em trottoir, os mais atrevidos, «que não excluem a hipótese», como anunciam, com manha, os mais maliciosos, «que não abdicam do direito a», como se enfeitam, a dar ares de cidadania, os mais refinados. Uma coisa é certa. Antigamente ainda se faziam rogados, punham ar compungido e mão no peito, a simular o sacrifício, a mostrarem-se a contra-gosto. Hoje está na cara que estão todos mortinhos pelos lugares. Mais; organizam-se em grupos, em torno de um papel, que é para esquecer, chamado programa, que é uma forma de salvarem o mundo com palavras e combinas intestinas sobre quem vai ficar com o quê, que é uma forma do ninguém arreda pé. Uma pessoa como eu abre os jornais e sente-se o ser mais livre da terra, por não ser, não pensar em ser, não querer ser, candidato a nada! E não venham que não se diz desta água não beberei que eu sou mesmo camelo suficiente para morrer à sede.