25.5.09

O aforrador nato

Já não ia a Tróia há tanto tempo que Tróia me pareceu uma novidade. O ferry era verde e grande e a cabine do piloto parecia uma ampla sala de jantar. E havia em Tróia edifícios magníficos como em Singapura e nunca estive em Singapura ou no Dubai, digo eu que nunca estive no Dubai.
Ameaçava chuviscar, mas o haver uma marina é um raio de sol a iluminar-nos por dentro em dia de passeio, dando ânsias de alto mar. O que não vi em Tróia foram pessoas, salvo um casal que se escapulia por um canto do cenário, a caminho da terra de ninguém da sua invisibilidade. Além disso, os edifícios magníficos estavam vazios, como cabeças sem ideias.
Como era sábado e por estar em Tróia e não haver em Tróia muito para fazer, optei por comprar um qualquer jornal, porque vi ali em Tróia, um quiosque vistoso no meio do daquela triste solidão. Não sei o que me deu para perguntar, talvez estarem-se a acabar as notas de banco: há por aqui multibanco? «Não senhor», respondeu o sonolento empregado. «Aqui, não há nenhum». E banco, arrisquei? «Isso ainda menos», retorquiu, iluminando-me o espírito.
Naquele universo de nada, afinal, entre a beleza urbana e a quietude marítima, ainda sobrava o espaço do ainda menos, forma de estar perto de coisa nenhuma. Umas horas depois arroz de polvo e vinho branco ocupavam-se de mim, preenchendo a sensação de ausência.
Uma sesta repôs a crença e a fé, como num sonho. «Não faz mal, antigamente também não havia e éramos todos felizes. Menos se gasta!».