Cavaco Silva provocou os reformados ao queixar-se da sua reforma. Além disso Cavaco Silva ofendeu o cargo ao pronunciar-se nos termos em que o fez. A dignidade de um Presidente é incompatível com isto.
De todo o lado chovem críticas, gozo, achincalho mesmo.
Um dos últimos cargos políticos a ser respeitado é agora vaiado e apupado. O que restava da respeitabilidade democrática é agora objecto de chiste, chacota, ridicularização, troça. Pelos jornais, pelos blogs, é um fartote.
Há, porém, uma tragédia humana que os factos mostram, os da política ocultam e o País nem se preocupa, embriagado que está a fazer dele o Rei Momo da República: é que o Presidente mais do que estar velho, já não está em condições pessoais para o exercício do cargo.
Deveria ter havido a sensatez que o terem aconselhado a não se candidatar à Presidência, mas ante o que surgiu então como alternativa, se não fosse ele era Mário Soares, cujos amigos empurraram, canalhamente, para uma nova e serôdia tentativa de voltar, vingativo, a Belém.
O que está a suceder era adivinhável. Cavaco deveria ter voltado para a Travessa do Possolo.
Só que Aníbal Cavaco Silva tinha gente que gostava de o ter da Presidência, gente que precisava dele na Presidência, gente que, funesto engano, pensava que este Cavaco era o mesmo da primeira eleição.
Hoje o Presidente é um homem só, muitos dos seus amigos caíram nas teias da lei, outros foram saindo à formiga. No vazio do poder é dramático restar-lhe apenas a mulher. Ninguém mais.
A obsessão do «e depois o que é que eu como?», avareza típica da velhice a diminuir-se estampou-se agora neste seu gesto. Antes eram só inanidades ocasionais, sintomáticas.
Os regimes à beira do fim dão estes sinais. Américo Deus Rodrigues Thomaz, reiterando, esclerótico, discursos infantis e António de Oliveira Salazar, já sem saber, alucinado, que não estava em funções, mostraram que o Estado Novo ia cair de velho, estatelando-se na rua.
Eis o que me custa horrores a dizer. Porque falo de um ser humano de quem passei a não gostar.
Tudo isto é lamentável e gravemente sério. Mas tentem esquecer porque é apenas um episódio de algo que não podemos evitar. E haja piedade, se não pelo Presidente, ao menos por aquilo que vai suceder a este pobre Portugal.