Nunca ficou tão claro que o que chamamos «notícias» são alegações tornadas públicas por haver este ou aquele outro interesse em que sejam reveladas.
Lembram-se [ou já esqueceram na voragem do tempo] aquela exaltada história sobre a influência da maçonaria na vida pública portuguesa, com nomes à direita e à esquerda, alguns nomes apenas diga-se? Lembram-se que a coisa atingiu nas mentes sensíveis dos leitores um paroxismo tal que parecia que os "filhos da viúva" dominavam o mundo e, por decorrência, este cantinho da Europa, em que as chagas de Cristo foram heráldica da primitiva bandeira afonsina?
E lembram-se que tudo isso vinha a propósito do "super-espião"?
E lembram-se que bastou certos nomes terem vindo ao de cima como pertencentes à "pedreiragem", para uma certa reportagem de televisão ter vindo mostrar que, como em tudo, havia os maus maçons e os bons maçons quase a roçar a frase do Padre Américo de que não há «maus rapazes» e o tema morreu ao raiar da aurora?
Notaram agora uma nova arremetida por causa de uma rede alegadamente ligada a branqueamento de capitais que moverá milhões e envolverá gregos e troianos? E notaram que bastou um certo semanário acusar a administração de um seu concorrente de também estar envolvida na teia para que este, sob protesto de inocência, recolhesse a quartéis as revelações que vinha fazendo considerando-as - ó salto mortal - prejudiciais às investigações criminais em curso?
Repararam que depois do psicodrama sobre a compra da TVI por uma certa empresa, que abriu telejornais e encheu páginas de periódicos e meteu inclusivamente comissão parlamentar, agora é a interligação dessa empresa com um ministro e o mesmo "super-espião" e com tudo o mais que seja?
E deram conta que os maçons continuam, a empresa prossegue, o ministro subsiste e o "super-espião" resiste, agora em vias de abrir a panela dos "segredos de Estado" que conhecerá?
É este o panorama. Com estes factos ou com centenas de outros. É só ir à Hemeroteca e ler. E ver quantos, cavaleiros andantes da denúncia, da delação, da intriga, aí estão. Como aí estão os factos denunciados, delatados e intrigados.
É o mundo da moral relativa e da ineficácia da razão, o mundo do espectáculo sobre a sordidez.
O problema das notícias, hoje, não é elas serem ou não verdadeiras, é elas serem interesseiras: sabe-se o que convém que seja sabido. Mesmo que não seja assim é, na frase risonha de Alexandre O'Neill, «o mundo em forma de assim».
O palerma do leitor, que antigamente comprava dois jornais para comparar entre o Diário de Notícias e o Diário de Lisboa, entre O Jornal e o Tempo, e tirar do que lia a média da verosimilhança do que poderia ter sucedido, agora pode comprá-los todos que fica na descrença total e com uma só convicção: tudo tem a ver com tudo, a podridão é total. E se "zapar" na TV...zarpa!
A degradação moral de um País não se alcança quando os cidadãos não acreditam nos jornais, sim quando acreditam neles à medida do que querem acreditar. É, por isso mesmo, que surge o negócio de "fazer notícias". Porque as pessoas já não têm convicção em coisa alguma, porque mentira e a verdade tornaram-se desinteressantes ante este mundo de conveniências prováveis.
Por isso os partidos da área do poder mudam de liderança como quem muda de casaca para poderem livrar-se das culpas passadas e tornarem acusadores das culpas presentes dos que estão no governo.
Nos seus tempos juvenis do jornal "Expresso", o hoje comentador obrigatório sobre tudo quanto é possível e através dele passa a ser real, Marcelo Rebelo de Sousa, naquele estilo azougado que sempre o diminui face ao que poderia alcançar ante a sua irrequieta inteligência, criava os chamados "factos políticos". Eis o que tem sucedido, connosco a assistirmos.
No meio disto a verdade passou a nem valer um desmentido quanto mais um processo. No dia seguinte já ninguém quer saber.
Que me lembre não tenho como hábito escrever sobre factos da vida corrente. Nem isto tem a ver com as situações que aqui cito. Sobre essas sei lá como são ou como se tornarão. Sei apenas que no meio do caos mediático em que se tornaram, tudo se transmutou como quando o circo desce à cidade, a lógica do espectáculo o «é entrar meus senhores, é entrar, que hoje há palhaços!». O nosso gozo é vê-los cair do trapézio.