27.5.10

Volta D. João VI

Em Novembro de 1807, D. João VI transferiu-se para o Brasil, evitando ser aprisionado com toda a família real e o governo. Salvou a independência de Portugal. Lá criou o Banco do Brasil em 1808. Agora é José Sócrates que vai, de mão estendida, tentar a ajuda do capital. A História repete-se sempre duas vezes, a primeira como tragédia a segunda como comédia. Disse-o Karl Marx.

21.5.10

A hora do não

Foi preciso isto bater no fundo por razões externas e por motivos internos para, enfim, a demagogia e o irrealismo deixarem de imperar, impunes.
O demagogo que nos governa susteve enfim o discurso do oásis, cantata dos inconscientes, homilia dos trapalhões. Os governados que a sua retórica engana perceberam agora que os calotes são para pagar e o crédito ao consumo não é um saco sem fundo.
À agiotagem nacional, que foi enforcando consumistas locais, sucede a agiotagem internacional, que sabe afundar Estados e os compra depois de os arruinar.
Os bancos vivem horas nocturnas pavorosas para se refinanciarem. Compra-se dinheiro a qualquer preço. O fecho das Bolsas é um estertor e uma agonia.
Até o Governador do Banco de Portugal que ora nos mostrava luz ora escuridão, no pisca-pisca das estatísticas convenientes, parece, enfim, preocupado com tudo menos com o seu futuro.
De Berlim chega o alarme e Berlim é a locomotiva europeia: a Europa está em perigo.
Vem aí mais uma vaga de futebol. É a última esperança do Governo. As televisões que sirvam esse anestésico embebedando o País, dia e noite.
O líder da oposição, que parecia estar no sim com o Governo, diz agora que está totalmente no não.
Vendedores de mentiras, os políticos começam a ter medo. Um dia destes são socados na rua, fartos todos nós de palhaçadas.

20.5.10

A saloia resolução

Um Parlamento de provincianismos e de espírito de campanário eis o que se revela hoje no Diário da República: «A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo a manutenção do Serviço de Finanças de Viseu 2 em actividade».
Claro que se calhar o Serviço de Finanças de Viseu 2 faz muita falta, tanta quanta a estação de Coimbra B ou o ramal do Entroncamento.
Mas um Parlamento que se imiscui nos meandros miúdos da Administração é bem a mostra de uma representação nacional que se degrada ao específico quando há tanto no geral ao abandono.
A imagem do deputado inerte e inútil que uma vez por ano, com o hemiciclo às moscas e os seus próprios colegas de bancada distraídos, perora sobre os regionalismos da região que o levou ao poiso ainda se compreendia: era a gratidão do eleito face aos eleitores. Agora com os deputados escolhidos pelas sedes partidárias, os localismos meras câmaras de ressonância de interesses políticos e outros mais do que centralizados, porque pregará pelo chafariz, pelo hospital ou pelo tribunal?
No fundo continuamos a ser isto. Um país de arrivismos. Viseu sabe que tudo se decide em Lisboa. Como não é no Terreiro do Paço que se logra efeito, mete-se a cunha no Largo das Cortes. Viseu 2 e as suas finanças terão de continuar. Já agora, porquê, já que isso não no-lo explica a saloia resolução? 

PS. Estudei em Viseu, sou filho e neto de provincianos. Cheguei à capital do Império com dezassete anos. Nasci na remota Angola. Sei, porém, o que é ser-se pacóvio. É isto mesmo: o Parlamento, a mais alta representação da democracia sufragada, depois da chefia do Estado, pensar a este nível. Quando o País se afunda financeiramente resolve-se ali sobre as Finanças de Viseu 2.

18.5.10

O triolismo político

O Presidente da República tentou a lógica: para os homosexuais legalizarem as suas uniões não é preciso chamar-se a tal «casamento». Se as palavras ainda tiverem uma semântica neste mundo de verbosidade oca, seja. Com a mesma lógica então o partido que se diz chamar socialista tem de mudar urgentemente o nome que usurpa.
O Presidente da República tentou a pedagogia: os partidos na Assembleia da República bem poderiam ter tentado encontrar um consenso nesta matéria. Pois poderiam, se não fossem partidos e o tema não fosse dos que parte e que Belém não se iluda.
O Presidente da Republica tentou a dignidade: em nome da grave crise financeira que é o que ela é, promulgou a lei para unir os portugueses. De união se trata, de facto, sexual e pessoal.
Ora valha-me Deus. Para encontrar argumento Cavaco Silva escusava de se encostar à crise. Bastava dizer que se rendeu às conveniências, todos percebíamos e já ninguém se importava.
Ante a possibilidade enfim do casamento gay José Sócrates está feliz: a sua união nacional com o PSD é agora um jogo a três com Belém na mesma cama.

O pequeno portunhês

Finalmente o sol, o calor, a esperança de primavera! No íntimo a incerteza porque amanhã pode de repente chover, um sismo pode mandar Lisboa ao chão, as praças financeiras podem atirar Portugal para o lixo.
Optimista mesmo quando patético, casquinando subserviente um castelhano de rir só o primeiro-ministro. Ele é o sempre em pé!
Já se percebeu que o centro da soberania se joga em Bruxelas, o centro dos interesses em Madrid, o futuro disto tudo em Berlim.
José Sócrates escolheu uma vez mais o palco ibérico para o seu número de confiança. Atrapalhados também financeiramente, os espanhóis têm sobre nós esta particular vantagem: a arrogância de nos tratarem como província.
José Sócrates na capital da Ibéria alinha em conformidade: comporta-se como um provinciano, tentando ter graça, uma graça servil, com o seu portunhol. Ora coño!

13.5.10

A côngrua forçada

Estava na tropa em Mafra. Enfiaram-nos nuns helicópetros para voos pelas imediações. Ambiente de euforia. Quando se aterrou, a malta ainda exaltada de entusiasmo, leram as especialidades. Muitas significavam embarque para a frente de combate. Calhou-me armas pesadas de infantaria. Com o país em ambiente de Papa o Governo anunciou o pacote para a crise. Armas pesadas de infantaria também. Vem aí Nambuangongo.
No fundo é uma espécie de côngrua eclesiástica forçada. Já o cânone 1260 do Código de Direito Canónico reza: «a Igreja tem o direito originário de exigir dos fiéis o que é necessário para os seus fins próprios». Leu bem? Exigir! No Estado é parecido, com a diferença: mesmo os não devotos pagam!

10.5.10

Caçada real, caçada legal

Para um reforma se vender é preciso haver algo que os jornais comprem. Normalmente um nome e uma frase citável. Para isso o Governo tem hoje as suas agências de comunicação, que o vendem como notícia nos media.
O Governo quer simplificar o processo legislativo. E para isso inventou-se um nome: Simplegis. E para tal inventou-se uma frase: «Governo quer acabar, por ano, com 300 leis».
A ideia do nome percebe-se: é uma variante do Simplex, nome que já terá entrado no ouvido e nada como uma marca conhecida para dar credibilidade ao produto. A ideia das 300 leis entende-se: é que nada como um número para dar a imagem de que a coisa é séria e até já há contas para o demonstrar.
Ao ler isto lembrei-me quando estive no grupo de ligação luso-chinês. Como com a Declaração Conjunta sobre a questão de Macau a parte chinesa tinha garantido à parte portuguesa que seriam respeitados durante cinquenta anos os usos e costumes do território, quer dizer as leis que os portugueses tinham aprovado para Macau, a delegação chinesa, com cínica candura, pedia aos diplomatas portugueses que lhe entregassem a lista das leis em vigor.
«A lista?». Claro que não há uma lista das leis em vigor, porque no Ocidente com as revogações implícitas e as derrogações nunca se sabe bem o que vigora nem quando.
«Não têm uma lista», perguntavam os cínicos sínicos.
«Quer-se dizer...», balbuciavam os tugas, embaraçados...
Vem agora o Simplegis. À razão de 300 por ano, dentro de um século tá tudo revogado. A Nação poderá repousar, pois viu-se livre do Estado. Talvez então a Pátria se salve. Sem lei nem rei.




1.5.10

Uma economia humana

Uma economia que cresce gerando lucros sem pleno emprego não pode ser legítima, em função de nenhum critério de humanidade. Seja este o patamar comum de revolta para um dia 1º de Maio, que una mesmo os que, não provindo do marxismo, se revêm numa qualquer concepção que tome o homem como a medida e o fim de todas as coisas.

28.4.10

E que tal mudarem de nome?

«Juros da dívida portuguesa já superam os dos gregos quando pediram ajuda», reza o Público, em título. Com o novo líder do PSD a seu lado o primeiro-ministro «antecipa 'cortes' nas prestações sociais» esclarece o DN. Eis o bloco central a resolver a crise dos ricos com o ataque aos pobres. Chama-se a isto um governo socialista apoiado por uma oposição social-democrata. Como se nota, claro!

27.4.10

Esta noite o País está só

O País levou esta tarde um abanão financeiro tão forte quanto um sismo. A cotação do Estado português foi degradada para níveis próximos do alerta total. A cotação de cinco maiores bancos degradada foi em consequência.
Discutível que seja, a verdade é que os responsáveis internacionais convergem na ideia de que Portugal se aproxima da banca rota.
O triunfo das finanças sobre a economia, a geração de riqueza virtual e como tal especulativa, o ilimitado crédito, a demagogia governamental, a generalização do materialismo consumista, eis a receita explosiva.
Esta noite o primeiro-ministro, se tivesse o sentido da responsabilidade tinha aparecido na TV a dar a cara. Não esteve. Ele sabe que já não incute qualquer confiança. O demagógico e irresponsável discurso do optimismo balofo deu isto. Ele sabe que a aparecer seria motivo de desconfiança. Por isso esconde-se. O Presidente da República calado está. O País esta noite está sozinho a assistir à chegada do desastre. Portugal está à deriva.

26.4.10

Mente-se por medo

Nos círculos do poder murmura-se que o País atravessa uma situação altamente perigosa. O Presidente da República fala em «dúvidas quanto ao futuro do País». A possibilidade de Portugal abrir falência é afirmada já na praça pública internacional, na boca de responsáveis ligados à finança internacional. De há muito que se sabia. Medina Carreira tem-se farto de o dizer. Acusam-no de pessimista. É mais fácil fingir que se está bem ante a vergonha de se estar péssimo. Os Estados como as pessoas. Mentem.

24.4.10

Amanhã é o dia 25 de Abril

Comemora-se amanhã mais um 25 de Abril. Cada um comemora o seu. Muitos dos que estavam pesarosos e apreensivos nesse dia em 1974 comemorarão agora os seus actuais dias de contentamento e bem-estar porque, vistas as coisas, nada lhes aconteceu durante ou tudo se recuperou depois. Estão bem na vida ao lado dos novos ricos que a Revolução fabricou e que o sector público sustenta.
Ao Alentejo dos latifundiários sucede o Alentejo dos mesmos latifundiários, mais os montes e suas piscinas dos citadinos burguesas exibicionistas.
A questão são os que se alegraram naquela pálida madrugada, os que acreditaram e afinal se iludiram. Os que foram enganados. Os que erraram no caminho.
Morre-se hoje de tristeza em Portugal.
Tristeza pela paródia em que a democracia se tornou, prisioneira dos partidos que se entrincheiraram no Governo, estes ao seviço de interesses questionáveis. Tristeza pela bancarrota que se aproxima. Tristeza pelo baixo nível da classe dirigente. Tristeza pelo banditismo, pela insegurança, pela rapina. Tristeza porque o Estado está à mercê de negociatas. Tristeza porque estão no poder pessoas a quem nenhuma empresa inteligente daria emprego. Tristeza pelo aviltamento da autoridade nas ruas, nas famílias, nas escolas.
Tristeza porque nunca o povo consumiu tanta alarvice nunca a cultura tão sustentada. Tristeza quando se liga a televisão, tristeza quando se ouvem conversas de rua.
Tristeza porque já ninguém quer saber de coisa alguma, todos acham que todos aldrabam, todos querem o quinhão que conseguem os aldrabões.
Tristeza pelas fábricas falidas, pelo comércio arruinado, pelas famílias endividadas até às orelhas, a viverem do crédito e do calote.
Comemora-se amanhã o dia 25 de Abril. Cada um comemora o seu.
Das catacumbas da portugalidade haverá seguramente os que pensam na agonia que tudo isto lhes causa e se perguntam como se fabricam bombas. Ante a miséria da Pátria o País tem direito à revolta, à Nação exige-se-lhe a Revolução. Está em causa a sobrevivência de Portugal.
Somos o mais velho país da Europa povoado por gente que perdeu o respeito ao que isso significa, liderado por gente que nem sabe quanto isso vale.
Amanhã, dia 25 de Abril, quantos já não comemoram publicamente o que foi, prepararam clandestinamente o que há que ser.

22.4.10

Comissões para lamentar

Quando os deputados que integram uma comissão parlamentar de inquérito se permitem expressar publicamente o seu pensamento sobre o que há para decidir antes de a comissão iniciar funções e mal a mesma deu os primeiros passos, quando citam para justificar as posições que tomam o pensamento da bancada parlamentar de onde são oriundos, sem distância nem resguardo, quando fazem apartes e se permitem piadas de mau tom e pior timbre, pergunto: acham que é assim que se honra a norma segundo a qual «as comissões parlamentares de inquérito gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados»?
Imagine-se um cidadão ante uma autoridade judicial que se permitisse tais liberdades! Tais anúncios prévios do que pensa quem o insta e decidirá, tal manifestações de quanto o inquiridor e decisor é porta-voz de pensamento alheio! Tais graçolas entre eles e com todos os demais...
Tentando ter dos tribunais os tiques, as comissões parlamentares de inquérito permitem-se intimar magistrados para serem ouvidos, requisitam cópias de processos criminais num tu-cá-tu-lá com o poder judiciário legítimo, invocando a lei. Terão para isso a autoridade formal e mais alguma. Falta-lhe a legitimação substancial, a da isenção e da independência, até a das boas maneiras.
Eis o que penso como cidadão e como jurista. Razão de ciência: o que tenho visto em directo e ao vivo!
Sejamos claros: é o mundo da verdade conveniente, um meio que permite desacreditar os tribunais.

11.4.10

Ânsia de martírio

No apontamento que publicou no número da Nova Águia dedicado a Teixeira de Pascoaes, um advogado que procurou asilo na escrita, Jesué Pinharanda Gomes diz, a propósito da Ordem dos Frades Menores, vulgo Franciscanos: que depois de se terem instalado em Portugal em 1217, em Alenquer e Guimarães e dois anos depois em Lisboa e Coimbra, «os frades apostados na missionação em Marrocos, onde foram martirizados (1220) este martírio prestigiando a Ordem».
Ficou-me esta expressão «este martírio prestigiando a Ordem».
Se atentarmos bens, quer nas pessoas colectivas, quer nas individuais, a ânsia de martírio é amiúde uma forma mascarada do desejo de apreço, uma forma de realização da honra. Assim como há quem não suporte ser amado há quem não conviva consigo sem sentir-se detestado.
Nasce daí aquela forma inamistosa de ser, em solilóquio de catacumba ou em vociferante guerrear.
O dia da imolação é o dia da exaltação!

10.4.10

A doçura do dever

«Há homens que parecem sempre prontos a comandar uma frota e a cortar uma perna; há outros que só fazem quando a obrigação das situações se converte num prazer». A frase é de Agustina Bessa-Luís. Resume a doçura agónica dos deveres. O herói é quantas as vezes um autómato a inexorabilidade a sua única fonte de contentamento.

6.4.10

A lei corrupta

Tenho sempre medo de comentar notícias de jonais. É que temos muita imprensa do «diz-se». E depois fica a responsabiliadde do comentário e a irresponsabilidade do que se comentou.
A ser verdade o que diz-se por aí o PS quer obrigar os juízes e procuradores a declararem rendimentos antes e depois do início de funções. Alega que isso é para combater a corrupção. Ora é patente que uma tal medida não visa combater corrupção alguma, sim rebaixar os que combatem a corrupção.
É uma medida de vingança política não de legitimidade jurídica.
Não que os juízes em democracia estejam acima de suspeita.Ninguém está.
A questão é outra. É que se for assim vamos a isto. Que todos declarem: políticos e não políticos, tudo quanto mexe em dinheiro ou em poder, na vida pública ou privada, militares, empresários, padres e infiéis, meninas da vida para o caso de traficarem influência no segredo das alcovas, garotos de programa para o caso de amaciarem os canais do poder.
Sejamos claros: a razão que levou o Estado a legislar no sentido de obrigar os políticos a entregarem declarações de riqueza foi a evidência que se tornava grave suspeita a de haver uns cidadãos que chegavam à vida pública com uma mão atrás e outra à frente e em breve trecho estavam milionários.
Foi uma lei para afastar uma suspeita que estava criada, uma lei defensiva que os políticos aprovaram para si próprios para que pelo cruzamento de dois papéis se lhes passasse carta de seriedade.
Ora que suspeitas há quanto a juízes que justifiquem esta lei? Digam-me quantos foram condenados, quantos acusados, quantos investigados? Nenhumas que eu saiba.
Vergonha pois e falta de pudor. A lei contra a corrupção dos magistrados é a lei de uma democracia corrupta. Nada como os viciosos para não acreditarem na virtude.

Uma notícia de...

Houve tempos em que era luxo. Davam champanhe. Brindes. Saquinhos e maletas com etiquetas da companhias. Uma pessoa que viajava de avião sentia-se importante. Mesmo na turística. As hospedeiras eram lindas, os comandantes aprumados.
Agora uma pessoa é descalçada antes de entrar, a comida é uma lata, os joelhos encostados à boca, um halo a gado, lúgubre, a desregulação aérea a meter medo.
A notícia entretanto chegou: «A Ryanair está a trabalhar com a Boeing, para equipar a sua frota de aviões 737-800 com casas de banho activadas com uma moeda de €1 / £1».
Claro que tudo na vida tem uma razão: «Daniel Carvalho, director de comunicação da Ryanair, refere ao LowCostPortugal que a medida visa desencorajar o uso de casa de banho de forma a adicionar uma a duas filas, cerca de seis a 12 lugares. Para tal, tem de se passar a utilizar menos o WC».
A regra é esta: fezes por passageiros. Um admirável mundo novo vem aí. Que ... de mundo!




O País e a Nação

Portugal é um País que sai caro à Nação. A frase, genial, é do Ruben A. no seu magnífico romance Kaos. O escritor morreu entristecido com muita coisa. Perseguido pelo regime anterior não se conseguiu identificar com o que saíu do 25 de Abril. Teve de se vexar a pedir e humilhar-se ao ver negar.
A sua escrita é magnífica de riso e extraordinária de dor. Fizeram-no efémero Director-Geral por equívoco, ele fundou o jornal «Expresso» por brincadeira.
A diferença entre País e Nação há muitos à esquerda que não a conhecem, julgando que só há classes sociais. Mas também há disso à direita, julgando os místicos da ordem que há uma Pátria acima da Nação e convindo aos pragmáticos dos negócios que venham quaisquer apátridas trabalhar para o País, seja qual for a sua Nação.
Depois há os patriotas quando joga a selecção nacional de futebol e os nacionalistas quando o Santander compra o Totta. Ah! E o Zé-Macho, personagem crucial do romance que se pergunta ante a ideia da luta de classes se vão à luta a terceira e a quarta classes da primária. Coisas que já não há, claro. Tudo cai, a Pátria, a Nação, o País, por esta ordem. Um dia estamos todos na Eurolândia, excepto os que fugiram para a mata porque a luta continua.

3.4.10

Os dias miseráveis

Ligue-se a televisão e veja-se a carga feroz de violência que é despejada no écran. Saia-se à rua e sinta-se o descontrolo nervoso que anda por aí à solta em cada incidente de trânsito. Leiam-se jornais e veja-se como são cometidos hoje os crimes, a reiteração, a brutalidade. Seja-se professor e sinta-se o medo de dar aulas, receio de sair da escola sozinho. Tenha-se idade avançada ou menor idade e viva-se a dúvida sobre se será seguro fazer-se à rua, sentar-se num jardim.
Tudo é o mesmo. Miúdos matam virtualmente em jogos em que o assassino é herói, impune, imortal. Um dia pega-se numa faca, e a morte deixou de custar. É só um frio na espinha num primeiro instante, depois a alegria infinita de ter acertado.
Estamos a ser uma sociedade de bandidos. Os que o permitem julgam-se decentes na sua cobardia. Depois somos impiedosos intervaladamente. A tolerância para com tudo traduz-se na  impiedade para com alguns. É esse o desespero dos que ainda restam. A sua decência é uma dor de alma e um espectáculo triste.
A crucificação é uma forma de gozar a longa agonia, prolongando a dor e a volúpia de quem a causa.

2.4.10

A misericórdia e a esperança

Censora, acusadora, justiceira, guardiã da inocência, a Igreja que queimou vivos quantos prevaricaram, que excomungou os que divorciaran e anatemizou os que ousaram duvidar, a mesma Igreja cai hoje de joelhos aos pés da cruz.
Pede perdão mais do que a Deus, pede misericórdia à memória dos que condenou. A pompa abate-se, inútil, o báculo abate-se, bengala de trôpego banido.
Eu leio: «Por isso os apóstolos trancaram as portas com medo. Nada estava concluído apesar de Jesus dizer que “tudo está consumado”. Apenas estranhos como o Centurião e Nicode-mos trabalhavam na sombra a convicção de que ali não estava o fim. Um dos ladrões também, mas tinha partido. Um silêncio descrente se apoderou de todos, inclusive dos que desconfiavam dos guardas do túmulo que poderiam deixar escapar, por roubo, o corpo desse Nazareno que veio roubar a tranquilidade à cidade ocupada onde pouco acontecia. Outra vez fora adiada a vinda do Messias». É o editorial do Padre António Rego, da Agência Ecclesia, a fonte de notícias da Igreja Católica em Portugal.
Infinita seja a misericórdia e a esperança. Se não houver Deus, é o reino de Satanás em plena glória e esplendor.