29.7.07

Malditos sejam!

No dia 28 de Dezembro de 1908 Manuel Laranjeira escreveu no jornal «O Norte» um artigo a que chamou «Mocidade Idealista». C omeçava, em estilo de parábola bíblica, «naquele tempo as gerações académicas eram profundamente revolucionárias» e ao aproximar-se do fim desse inflamado texto concluía que «naquele tempo a víscera revolucionária era o coração; agora, para uma fracção de briosa mocidade, pelo menos, começa a ser o estômago».
Lê-se estas palavras e vê-se desfilar ante a nossa mente o cortejo actual dos «corrompidos pela vida» que as «quadrilhas parasitárias que medram na política nacional» [de novo Laranjeira] arregimentam para as suas ambições sem causas.
É a legião estrangeira dos que fogem, manhosos, como se do pesadelo negro do seu passado, e cuidam, astutos, do sonho dourado do seu futuro. Não tendo morrido por um ideal alheio, aprenderam a viver por uma conveniência, a sua.
«Naquele tempo faziam-se romagens ao túmulo dos vencidos, agora fazem-se excursões aos arraiais dos vencedores», diz o médico de Espinho, companheiro de Guerra Junqueiro.
A mocidade académica, a mocidade idealista, passou e passa de Don Quixote a Sancho Pança. De novo Laranjeira: «E só assim se compreende que tantos, tendo sido revolucionários com as gerações da sua mocidade, ao começarem a chapinhar na lama da vida, renegassem essas nobres rapaziadas, estéreis como utopias de loucos, como quixotescas sentimentalidades».
Sim renegam, com orgulho, luzidios de contentamento, ante o aplauso cúmplice de outros tantos anónimos e abúlicos pequeno-burgueses e outros maltezes. Paquidermes complacentes, sujam com a sua boca as sagradas palavras do inconformismo, profanando-as, ode heróica de uma geração em que não estavam por engano mas só para enganar os outros. Malditos sejam!

21.7.07

De camarada a sócia

Não parece bem julgar pessoas, salvo quanto ao que elas simbolizam. Já escrevi aqui sobre o que penso de Zita Seabra, naquilo em que nela me impressiona ao ter estado uma vida no PCP e no dia seguinte no PSD. Mais! Ter dormido uma vida na camarata dura das ideias do marxismo-leninismo e folgar hoje no fofo colchão de penas da suite das conveniências burguesas.
Foi, por isso, que me violentei, para ler até ao fim a entrevista que Zita Seabra deu ao jornal «Sol». Texto fantástico, revelador, daqueles em que o leitor sente vergonha pelo entrevistado, há nele um passo revelador.
Pergunta a entrevistadora à ex-comunista e actual sócia de Manuel Dias Loureiro: «Como ingressa no PSD?». Responde a entrevistada: «Em plena liberdade, o primeiro-ministro Cavaco Silva convida-me para o Instituto de Cinema, e eu aproximo-me do PSD».
Mas será preciso ler-se mais para se compreender tudo?
Zita Seabra é feia! Muito feia mesmo!

15.7.07

Abstémios

A democracia é um modo de formar maiorias e legitima-se através delas. Com uma abstenção eleitoral superior a 60% os sinais de legitimação democrática começam a tornar-se preocupantes, sobretudo quando os votos se pulverizam. Claro que todos falam nisso como se de um fenómeno da ciência política se tratasse, mas ninguém quer extrair daí os efeitos ao nível da prática política de que se trata.
O modelo político actual é assim: uma minoria dos activistas governa a ampla maioria dos indiferentes. Nesta lógica, os abstencionistas, mesmo quando radicais de língua e alternativos de feitio, não são contra o sistema, eles são, o sistema, na sua melhor expressão. Nunca se embebedam de espírito cívico, porque são abstémios de civilidade.

12.7.07

O portuga de cócoras!

«Com muitas estrelas», a Antena 2 noticiava hoje de manhã que «Os Maias» de Eça de Queirós vão à cena, numa adaptação para teatro em Londres. Entrevistado o produtor, um português que reside na capital inglesa desde há vários anos, lá acedeu a dizer, visivelmente enfastiado, o nome de alguns dos actores. E, instado a dizer qualque coisinha mais ante tal momento de orgulho pátrio, explicou que a peça irá chamar-se «Lisbon», porque os produtores ingleses explicaram que as pessoas têm muita dificuldade em pronunciar palavras como «Os Maias» e que, por isso, não compram bilhetes, sobretudo agora «porque os adquirem através da Internet».
Santa subserviência pacóvia ante o estrangeiro, não há dúvida! Francamente, ao ouvir isto, ainda meio ensonado, pensei, ruminando com os meus botões, se já agoram não vão colocar no cartaz que se trata de uma obra-prima de um «ibérico» chamado Isa de Kyros, para que os «bifes» consigam, desdenhosos e impantes, entender do que se trata, sobretudo através da Internet!

11.7.07

O sentido do voto

Eu não faço campanha por ou contra qualquer das candidaturas à Câmara Municipal de Lisboa. Talvez por isso não deixei de sorrir ao ter lido na imprensa de hoje aquele apontamento de reportagem em que um munícipe se dirige a um candidato que o vem convencer ao voto na sua candidatura e lhe diz, defensivamente: «nós vamos votar em si, não precisamos das suas explicações».
Há nisto algo de duplamente irónico: por um lado, no que manifesta de apoio ao candidato para que ele não perca tempo a catequisar prosélitos; noutra dimensão, a de se poupar o votante a uma situação em que, ouvidas as explicações, ainda se decidir alerar o sentido do voto. É que há candidaturas que é melhor nem se explicarem muito! Basta mostrar a cara e dizer um vota em mim que depois perceberás porquê.

10.7.07

A bailarina

Comprei a biografia da Zita Seabra e tenciono lê-la, tendo vagar. Vim aqui só confessar um preconceito de irritação em relação à personagem, por reputar incompreensível que alguém, de um instante para o outro, se passe do PCP para o PSD.
Ao folhear a folha dos agradecimentos vem lá um ao José Carlos Espada que a teria iniciado no apreço ao Winston Chuchill.
Ora, não é por eu ter no meu gabinete de advogado, sabe-se lá porquê, não o busto do João das Regras, mas sim uma foto do Primeiro Lord do Almirantado, com aquela cara de velho bulldog com que a História o acolheu, mas a referência deu-me que pensar.
Como se sabe, a conservadora Grã-Bretanha aliou-se à comunista União Soviética, para combater a Alemanha nazi. Acontece que os comunistas russos, antes dessa aliança, tinham-se aliado a Hitler, através do infame pacto Molotov-Ribentropp. Por essa altura, em 1940, Álvaro Cunhal escrevia no jornal O Diabo, então um jornal pró-comunista, «mas haverá na verdade alguma diferença entre a Alemanha do sr. Hitler e a França do sr. Daladier ou mesmo a Inglaterra do sr. Chamberlain?».
Tudo visto, bate tudo certo. Percebi, pelo folhear distraído do livro de «memórias», que na juventude Zita Seabra quis ser bailarina. Parece que o terá conseguido.

8.7.07

Escutas: palavra de escuteiro!

Ontem estive num jantar onde o meu interlocutor me dizia que leu num jornal um historiador a explicar que o Hermano Saraiva cometia erros históricos graves nestas memórias que vem publicando para nossa ilustração e gáudio de alguns. O advogado e historiador, não será o da boa-memória, mas aproxima-se, pelo menos, e sobretudo há momentos do que escreve que fazem sorrir o espírito, forma de lavar a alma, suja que está neste país de escândalos. Sorri-me, de facto, quando ele deu conta, há uns números atrás dessas memórias auto-encomiásticas, como foi difícil conviver com a mudança de nome da organização de escuteiros, que passou de «Corpo Nacional de Scouts», para «Corpo Nacional de Escutas». Compreendo. Na altura a ideia de um corpo destinado a escutar a vida alheia tinha má fama. Hoje, na democracia, considera-se o escutar as pessoas durante milhares de horas, um elemento essencial de investigação criminal, fundamental mesmo para o Estado de Direito. O problema é se, como diz o povo, «quem escuta de si ouve». Nesse dia é melhor ouvir e calar.
Ontem estive num jantar. Hoje vou passear ao Alto do Duque, apanhar ar e falar sozinho, que as paredes têm ouvidos.

4.7.07

Acabou-se o papel!

Em 23 de Maio fiz ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social um pedido de um simples papel onde se dissessem que eu nada devo à dita. Isto porque, para um ente público me pagar um trabalho que eu fiz, quer saber se sou ou não caloteiro à SS.
Ora o tempo vem passando, eu já telefonei, mandei saber, pedi a quem pudesse pedir a quem pudesse pedir e nada: continuo sem papel.
Ora como o Estado não me diz se eu devo, o mesmo Estado não paga.
Claro que isto tudo é uma refinadíssima sem-vergonha, com os governantes a virem para a TV com as demagogias dos «simplexes» e de outros «prá-frentexes» a enganarem parvos e a criarem o mercado das ilusões eleitoralistas.
Eu sei que não sou só eu a ter que aturar isto tudo. Uma chusma de gado obediente como eu, lá está na bicha do conformismo, a maioria com medo de refilar, não vá a SS retaliar.
Por isso, com vossa licença, aproveito este espaço público para lançar um pedido de alvíssaras: a quem souber se eu devo ou não à Segurança Social, agradeço o favor de me mandar papel. Qualquer coisinha serve, mesmo em papel picotado. Pode mesmo dizer que «até agora não deve», «não deve, mas ainda pode vir a dever» ou até «é estranho de facto, mas realmente após porfiadas buscas, conclui-se que não deve». Desde que dê para eu entrar na outra bicha, que á a daqueles a quem o Estado não paga ou paga às pingas, já dá!

Os chefes e os índios

Há coisas fantásticas no que prende a atenção dos media. Um jornal diário de hoje noticiou o absentismo na Câmara Municipal de Lisboa. Primeiro, o leitor mais distraído fica com a ideia de que só aquela edilidade, só nas Câmaras Municipais é que os funcionários se baldam, quando o não pôr lá os cotos é pecha nacional em muitos serviços. Mas o mais curioso é o título da notícia: Chefias da Câmara de Lisboa faltam quase tanto ao trabalho como subordinados. Uma pessoa lê e pensa: mas porquê noticiar isto assim? Porque os chefes deveriam faltar menos, para darem o exemplo? Só pode ser ser, claro! Mas então se eles são chefes, e pagam-lhes para mandar trabalhar, não me digam que ainda por cima têm de estar lá? Qualquer dia ainda exigem que tenham de estar e trabalhar! E depois, queixam-se do desemprego!! A obrigarem os empregados e os chefes a trabalharem, onde é que há lugar para os outros, os que estão desempregados?

1.7.07

A política da ETAR

Há na política uma vertente de impostura farçolas através da qual se tenta seduzir o eleitorado. Pensei nisso este domingo da manhã, ao ler uma frase do «Álbum de Memórias» do José Hermano Saraiva onde ele dizia que «a verdade política é uma verdade fiduciária. É como uma nota de banco: diz que vale ouro, mas é inconvertível». E pensei por me ter vindo à mente uma imagem que outro dia passou pela imprensa da senhora arquitecta Helena Roseta a despejar caixotes do lixo.
Digam-me que não é um insulto à inteligência esta de colocar uma repimpada burguesa a fingir-se sofrida trabalhadora com um fotógrafo atrás para registar a mascarada.
Digam-me que não é uma ofensa à miséria dos que como trabalho têm aquele o aparecer por um instante de uma noite, o tempo de um «flash», uma excelentíssima senhora Dona, que no momento seguinte retoma o seu estatuto, o seu guarda-roupa, a sua pose, o seu bom cheiro.
Digam-me que isto não é da democracia o lixo! Digam-me que esta «fábrica de maiorias» [de novo o controverso Saraiva], com a sua central de branqueamento da mentira e propaganda não está a precisar de saneamento básico urgente!
Digam-me que, na hora do «olha o passarinho» para a caça ao voto, a frase do Oliveira Salazar, quando inaugurou o SNI «em política o que parece é» não lhes vem mesmo a matar.
P. S. Para que se entenda: não estou na política, não faço política, não vivo da política. Vou apenas votar. Sou é cidadão, dos que põem o lixo à porta e nunca encontrou nenhum político a recolhê-lo. Só isso.