12.4.09

Deus lhe pague

Estamos defendidos, eu sei, com o «não tenho» definitivo, qual o «já dei» desculpabilizante. A simples pergunta dubitativa «mas é mesmo para uma sopa?» afasta-os aos mendigos homens, quantos novos, mesmo alguns velhos, sobretudo aos de indumentária duvidosa, barba crescida e mesmo às rastejantes romenas elas e os filhos eternamente adormecidos em súplica lancinante mas de fraco rendimento. A esses basta o silêncio, fingindo não entender o gesto por causa da diferença linguística.
Claro que hoje era domingo de Páscoa e eu tinha concluído que o Pingo Doce estava fechado e nem o Lidl estava aberto sequer e talvez nem fosse pelos raids da ASAE mas por se comemorar a Ressurreição. E estava sol, um sol que nem o vento afugentara. E ela seguia digna o seu caminho como se indiferente à rua vazia, o porte tão altivo quanto lhe consentia a necessidade. Dei por si quando, segundos depois de cruzarmos, já os seus olhos fora do alcance do meu olhar, me perguntou se eu tinha cinquenta cêntimos para um garoto. Dei-lhe o euro que tinha, acanhado por fazê-lo. Ficou o murmúrio de um «Deus lhe pague» a afastar-nos eu a caminho de minha casa. Não sei onde haverá hoje um café aberto nestes quarteirões vazios. No gesto de dar julguei-a uma velha avó para quem o mês é mais comprido do que a sua pensão, tantas que há por aqui, a modéstia acanhada de vergonha. Agora que escrevo isto sinto que talvez tenha pouco mais do que a minha idade.