Conto-a como ma contaram hoje, pela fonte autêntica, que me ressalvou que o António Alçada Baptista já a havia relatado mas omitido a origem.
Discutiam-se em animada tertúlia os méritos científicos do professor Egas Moniz, o nosso primeiro Prémio Nobel. Em causa a lobotomia, cirurgia de ablação de um dos lobos cerebrais, tida então como método adequado para doenças do foro neurológico.
Animada a contenda verbal, esgrimiam-se antagónicos argumentos por e contra o laureado, apodado por uns de «génio» e de «criminoso» [não menos!] por um dos intervenientes na disputa.
Como em todas as discussões, e como se o colectivo dos altercantes precisasse de tomar fôlego, fez-se silêncio, um denso silêncio. «Os brasileiros dizem que passou um anjo», explicou-me o meu interlocutor, querendo encontrar melhor expressão para essa pausa prenunciadora de novo alento na refrega, pois naquele exaltado estado das paixões argumentativas, tréguas era algo a nem pensar.
«Foi então que ele entrou em cena», continuou, e eu colado ao telefone a ouvir, expectante, a história e a tentar adivinhar-lhe o percurso. «Era um homem simples, tinha vindo para Lisboa sem meios nem esperanças e lá lhe arranjaram emprego como empregado de sapataria, o meu pai», prosseguiu. «Só que, aplicado e cumpridor, melhorou de vida, e acabou numa zona chic onde, por via dos sapatos, acabou por conhecer gente muito acima da sua cultura e pouca instrução».
Tinha estado calado, modesto, o silêncio como ponto de honra da sua modéstia intelectual, incapaz de intervir sobre aquela discussão que esventrava a Ciência, a Filosofia, a Moral, a Política. «Mas não se conteve. Chegados àquele ponto sobre quem era, afinal, o professor Egas Moniz, ousou falar, porque, afinal, de todos eles, era ele quem o conhecia».
Ante a possibilidade adivinhada da sua fala, susteve-se ainda mais o areópago. Já não era a tensão voltaica da electrizante contenda anterior, eram agora os nervos retesados à espera do que dali sairia que poderia, ao limite, dar vitória a um dos campos adversários. «Conheci-o sim senhor ao professor Egas Moniz!». «Conheci-o, pois, calçava número 39».
Grande pai!
Eis, nesta história, uma lição de moral: se todos falassem do que sabem, Portugal era mais fácil.