17.8.13

O ouro e o ferro


Relativamente longe que estava, o écran da televisão fazia-me chegar, sexta-feira, as imagens do noticiário das treze ao fundo do café onde almoçava. Hipnótica a mensagem ia ocupando o espaço do que deveria ser um momento de paz, mesmo quando se come fora de casa, ainda que num pronto a comer. Mas é esta um das suas leis de funcionamento, a invasão. A segunda é a do nivelamento. À mesma hora, na mais apinhada zona urbana ao mais recôndito lar aldeão, deixou de haver diferença. A gritaria de som, a estridência da imagem tornam tudo um inferno de vazio parecendo ser o paraíso do preenchimento.
Indiferentes, os demais circunstantes mastigavam, agravando o ruído com o terem de falar mais alto. Além, uma criança carpia em gritaria o cansaço e a desambientação. A torrente noticiosa sempre em torno do mesmo alargava-se. Os incêndios pareciam  já o mesmo incêndio, o fogo eterno que consome e devasta e já arde sem se ver, a carnificina no Egipto poderia ser a mesma do Líbano. Já ninguém quer saber. A excepção veio quando a legenda «A mulher mais rica de Espanha morreu», noticiando o desaparecimento da criadora da Zara.
«Xii, chefe», interrompeu o empregado o seu errático serviço de mesas. «Era a mulher mais rica...». Ficou assim noticiado, com aquela novidade, o que tentava ser uma informação necrológica. Poder-se-ia ter dado destaque ao facto de ter começado como costureira, trabalhando a partir de casa num negócio humilde, ou sobre o modo como compatibilizou negócio e filantropia. Não. Assim não se atingiriam os humildes como aquele empregado de mesa. Nem o seu patrão. Nem os dois. O ouro seduz, não o ferro de onde pode provir.

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Fonte da foto: aqui