É um daqueles edifícios em vidro, material caríssimo, que mostram aos voyeurs a intimidade dos que neles trabalham, edifícios de janelas que não se podem abrir porque são todos eles janelas, que exigem ar condicionado permanente, no Verão e no Inverno, edifícios que reflectem a luz do Sol tornando-se estufas, que impedem o ar de circular e com ele a purificação do ambiente.
Edifícios que são devassa permanente, que não dão um momento de pausa sem pose porque se está exposto como na montra, edifícios que são incubadoras de gérmenes, torres idênticas na sua verticalidade vítrea, edifícios de uma modernidade onerosa, insalubre, estupidez social armada em inteligência arquitectónica.
Edifícios cuja limpeza, porque todos vidro e em vidro, se faz a partir do exterior, empregados de escovilhão e balde e mangueira, trabalhando a elevadas alturas, em risco permanente de caírem, à mercê de uma tontura, uma vertigem, uma indisposição.
Foi num desses edifícios que eu vi, do alto do sexto andar, de arnês como manda a Lei, mas solto, a arrastar-se atrás deles, dois trabalhadores limpando o que a chuva sujara, em risco de caírem e soprava vento.
Dirigi-me à segurança do edifício e disseram-me que não era com eles. Vindo o chefe completou que passaria «por lá». Até eu sair não tinha ido. Aliás os trabalhadores são privados.
O Estado, que ocupa o edifício, ali julga e condena todos quantos tenham trabalhadores que, sem segurança, sofram um acidente, com severidade quando morram.
O mesmo Estado coabita, porém, com a insegurança que condena. Numa primeira impressão passará «por lá», depois, em caso de tragédia, faz-se um inquérito para se saber das causas do acidente.
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Fonte da foto: aqui
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