Penso que a questão se resume assim: houve um tempo em que, por sermos ainda tão pouco ante a vida então escassamente vivida, em que havia muito mais a unir do que a separar. Mas já então se notava a diferença entre nós.
Houve um tempo em que, porque a juventude traz confiança e ilusão, minimizávamos o que nos dividia, ampliando o que nos irmanava. Sobretudo ante o que tínhamos como sendo uma causa comum.
O tempo, esse outro tempo que foi esgotando, porém, dispersou-nos, o espaço que se nos abriu como mundo, deu-nos, entretanto, a uns oportunidades a outros negações. E fomos formando ideias sobre o mundo, crenças sobre a transcendência, expedientes para a vida prática. Diferenciá-mo-nos.
Nos momentos em que nos encontrávamos, ou nos eventos comemorativos, comensais, celebrávamos o ritual nostálgico dos tempos idos. Fingíamos, por não pensar muito nisso, que os dias da arriscada luta por um mundo novo, até por um homem novo, a luta também para que fossemos eternamente novos, ainda se mantinha na ordem do dia.
A verdade, porém, insofismável, é haver agora já tanta diferença entre cada de nós: os arranjos e as conveniências, as derrotas e os sucessos, os cortejos de histórias miseráveis e de vidas de miséria tinham-nos tornado outros.
Foi assim com os cadetes do 28 de Maio, com os capitães de Abril, com os da crise académica. Foi assim com os heróis da Rotunda, com os bravos da praia do Mindelo.
A nostalgia é a ânsia de purificação, o acordar ante o pesadelo do real lembra o pulsar do sonho arrebatador. No labirinto nocturno da madrugada são gerações cujo quotidiano é uma moral íntima que os acusa de traição.
Inexoravelmente a vida mata em muitos o ideal. Por isso renasce ciclicamente a geração da ousadia e do atrevimento que a substitui.
Poucos resistem ao que foram sem serem uma caricatura de si.
Toleramos vergonhosamente o insuportável limitando-nos a um murmúrio, no mais desistentes.
Não vem isto por eu ser melhor do que os outros, não partilhar das mesmas fragilidades, não estar aquém do que eram os meus vinte anos.
Digo e por isso escrevo o que vejo ainda fazer pulsar, triste embora, o coração de muitos que ousam acreditar que não foi em vão. E por saber que a vida dá em cada dia uma oportunidade de redenção.
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Origem da foto: aqui