23.3.11

Os cegos de Brügel

O Governo está morto. Só existe já o primeiro-ministro e nem ele existe, subsiste. Começou com o teleponto e com o teleponto termina. O resto é pior que pode acontecer a um Governo: ninguém acredita neles, nem os que deles se servem.
Manipulando estatísticas como um prestidigitador com lenços, para os responsáveis pelas finanças e pela economia os números de ontem não são os de hoje e ninguém sabe quais vão ser os de amanhã.
Caia ou não caia com o PEC, o Governo parece já a cena dos cegos do Brügel. O Presidente da República faz de cego quando não pode fazer de surdo. Para ele Sócrates não deve ser morto politicamente sim frito em fogo brando. Tudo isto e tudo o mais é jogo politiqueiro. Votar sim ou não, adiar a morte ou prolongar o estertor, esperar pelo Conselho Europeu ou pela ganância da agiotagem externa, tanto conta.
O País assiste para já espavorido, amanhã revoltado, a um espectáculo deprimente..
As oposições possíveis não conseguem reunir a confiança de que se precisa. Ninguém sabe quem é Passos Coelho, nem quanto vale, nem o que sabe, quase se ignora o que pensa. Para além da boa figura e da boa fatiota pouco mais há.
Lamento esta descrença. Ela vale pouco por ser minha, vale tudo por ser a de centenas de milhares de portugueses, os que não votaram, os que se arrependem do voto, os que ainda votam no que há com medo do que venha.
O sistema partidário português não oferece soluções. A democracia, prisioneira que está deste sistema, deixou de ser solução. A alternativa é ou uma ditadura ou uma revolução.
Combati o regime anterior, sofri na pele os efeitos disso. Não foi para esta miséria que se fez o 25 de Abril.

19.3.11

O cascagrossismo

Esta gente bem compra fatos caros e de fino corte, muda de óculos para parecerem letrados e por isso inteligentes. Não adianta.
Os partidos bem se esforçam por ter carne fresca, ainda que desconhecida, gente bonita para que os que trocam pelo corpo se lhes rendam na hora da urna.
O sistema político, que está nas últimas, bem tenta fingir que tem consigo os melhores, os mais aptos, aqueles em quem se pode confiar.
Mas não há nada a fazer quando lhes foge o pé para a chinela. Mostram então quanto tudo é postiço, fingido, quando o cascagrossismo ainda é o que as suas mentes produz, mesmo quando as suas poses disfarçam.
Passos Coelho saiu-se hoje com uma digna de tasca: «Portugal está com as calças na mão!». Vem numa entrevista ao Correio da Manhã e pode ler-se aqui
É a boçalidade às escâncaras, a alarvice verbal feita política. A canalha, achará graça ao chiste de baixo coturno. Os que exigiriam mais calam-se. São os que já não contam por não quererem saber.
Lugares onde se esperava haver contenção verbal tornaram-se locais de mau porte. Portugal afunda-se na vulgaridade, no plebeísmo; já não está de calças na mão, sim de rabo ao léu e sem cuecas...

12.3.11

Viva quem vive!

Ter vivido o tempo suficiente para ter assistido ao transformar-se em revolta a inquietação, mesmo quando ainda ingénua, da juventude. E ei-los na rua.
Ter vivido o tempo suficiente para ter purgado o pecado original de termos educado, mesmo quando iludidos, uma geração de apatia, consumismo, indiferença. Porque fomos nós.
Ter vivido o tempo suficiente para ter sabido conviver com a ideia de que, inconformistas na juventude, os enganámos, adaptando-nos, mesmo quando pesarosos, ao insuportável, gerando democraticamente os tiranetes que nos dominam. E somos o pesadelo do péssimo exemplo.
Ter vivido o tempo suficiente para termos visto a geração que tornámos rasca e à rasca a desenrascar-se nas ruas da manifestação. E nós com eles.
Ter vivido o tempo suficiente para serem eles, inflamados ainda só de protesto, o motor do sonho, a alavanca da mudança, a revolução que vem no coração do homem antes de se propagar ao âmago da sociedade onde vive.
A todos quantos são jovens, a todos quantos viveram o tempo suficiente para não terem envelhecido com tantos anos, viva!
Portugal ressurge do chão.  Viva, pois! Viva!

21.2.11

Acredite o Palácio de Palmela

A degradação de um sistema nasce com os actos e com as palavras. Quando se desempenham cargos de responsabilidade cada palavra conta, porque é um exemplo, porque é uma sinal de autoridade.
Uma «boca» num café proferida por um anónimo de nada vale. O quer que eu diga aqui conta pouco. Porque aquele fala quantas vezes com muitíssimo menos informação do que desejo de auditório, porque eu falo por mim apenas e neste momento nada represento, por melhor informado que estivesse e não estou.
Ouvir o Procurador-Geral da República dizer que o segredo de justiça é «uma fraude» e que «não há nenhum poder para controlar isso», dói. Porque supunha-se que a defesa do segredo de justiça coubesse ao Ministério Público de que ele é o vértice. Porque se acreditava que, a conviver com fraudes, ele tivesse a coragem de se demitir do cargo e do poder criminal geral e voltar para o seu lugar de juiz onde exercia o poder civil específico.
Mas ouvi-lo dizer que em Portugal «os políticos continuam a tentar resolver as questões políticas através de processos judiciais» espanta. Não porque seja ou não mentira, mas pelo que significa de suspeita indeterminada quanto aos juízes que o tolerem e de dúvida quanto a saber de que processos falará ele afinal, sem os nomear.
O poder em Portugal esfrangalhou-se. Aos responsáveis exigia-se rigor, concisão, autoridade. Hoje quantos falam com a generalização de conversa de tasca, com a loquacidade de coldrilheiros, com a incapacidade de amanuenses sujeitos a ocultas obediências. A lepra da verborreia demagógica está a tornar a Justiça numa gafaria. Um a um caem-lhe os membros.
Estamos num País em declínio onde ninguém manda, ninguém quer obedecer.
Ouvir o Procurador-Geral falar assim como o Dr. Alberto João Jardim, com o mesmo tom e sem o mesmo dom, custa e enraivece! A mim e a muitos dos que têm de suportar este discurso de vacuidades e de demissão que a nada conduz, e que é, afinal, a conversa do populismo.
Acredite o Palácio de Palmela que a rendição dos poderosos abre as portas à insurreição dos fracos, assim um caudilho os comande. O primeiro sinal de anemia do mando é sentir-se nele a tentação da vulgaridade.
Não tenho esperança que algo mude mas ao menos que não piore. Para mal já basta assim.

3.2.11

Miguel Urbano e o Santa Maria

Porque decorriam cinquenta anos sobre o assalto ao paquete "Santa Maria" e isso significou um momento histórico decisivo na História do anterior Regime, marcando o início do seu descrédito na cena internacional - como o mostrou o auxílio americano e brasileiro às negociações que culminaram com a devolução do navio à Armada brasileira e por esta a Portugal, com o concomitante apoucamento da posição de Salazar em todo o caso - organizei, com a colaboração da Livraria Barata, um evento para o qual convidei o Camilo Mortágua que integrarara o DRIL, o comando luso-espanhol que levou a cabo a proeza e em cujo livro de memórias faz referência ao seu envolvimento no feito.
A casa que nos recebeu aproveitou e procedeu à apresentação de um livro que traduzi, o relato do acontecimento escrito por Jorge Sotomaior, um galego que integrou a direcção do DRIL e cuja narrativa conflituava directamente com a de Henrique Galvão, também líder do DRIL.
Pretendi também convidar o Miguel Urbano Rodrigues que esteve a bordo do navio enquanto jornalista, assistindo à parte terminal das negociações. Declinou o convite.
Pensei que mantivesse essa nossa conversa sob reserva, embora não fosse confidencial. Trouxe-a, porém, para o conhecimento público, talvez porque eu anunciei no evento, a seu pedido, a sua recusa. Pode ler-se aqui.
Gostava que ficasse claro que tive pena que o Miguel Urbano recusasse. Não me convenceu o facto de me referir que tanto a versão do Galvão, como a do Sotomaior como a do Camilo não correspondiam à verdade, porque se a verdade era a que ele sabia então mais uma razão para estar no evento pois tínhamos direito a essa "verdade". Disse-lho então mas ele insistiu em recusar presença.
Numa só coisa ficou mágoa: quando ele me disse e repete que o livro do Sotomaior não deveria ter escrito e muito menos traduzido. Discordo com todas as forças da minha alma de homem livre. Todos os livros, todas as versões dos acontecimentos têm o seu lugar. A liberdade quando nasce é para todos, mesmo para os que não dizem a nossa "verdade", mesmo para os que dizem o que se vem a saber não ser "verdade". Só pela pluralidade e pelo contraditório se alcançam as certezas possíveis.
Lamento que o Miguel Urbano pense isto quanto ao livro ter sido escrito e traduzido. Ele lamentará seguramente ter estado envolvido na aventura do "Santa Maria". O problemas das culpas que temos a expiar não se esconjura queimando na fogueira os demónios que nos atormentam.
Respeito-o. Ele deve respeitar o esforço a que meti ombros para dar a conhecer este outro lado dos acontecimentos. Ainda bem que o Sotomaior escreveu o livro, oxalá todos os lados da questão possam dar azo a muitos livros. Que surja um livro escrito pelo lado daqueles que cumpriram o seu dever não alinhando com o comando assaltante, do ângulo do piloto que foi morto a tiro, na perspectiva dos vários passageiros, que nem todos viram o facto como um cruzeiro de luxo com uma aventura revolucionária não prevista no programa, na óptica do problema jurídico-internacional que embaraçou o Estado Português, livros que mostrem as infiltrações da Seguridad espanhola e por via dela da Pide no DRIL, livros sobre a ligação cubana, livros sobre as conexões da CIA, livros que mostrem tudo o que houver para mostrar.
O livro de memórias do Miguel Urbano é fundamental, todos os livros são fundamentais. Viva a «Santa Liberdade», assim foi crismado o navio, consumada a "Operação Dulcineia"!

27.1.11

Heróis aos pontapés

O problema de Portugal é não se poder fazer a Revolução pelo voto. E, no entanto, a Revolução está na ordem do dia, esconsa nas mansardas de muitos que aparentam estar conformes. O conservadorismo parece instalado no coração e nos intestinos dos portugueses. É o reaccionarismo astucioso dos que enchem a barriga, defendendo o prédio e a banca, o conformismo apático dos que estão de barriga vazia com medo de passarem mais fome. Todos esses pertencem à Legião do «deixa lá».
As eleições podiam ser momentos de mudança radical, mas os interesses que se transformam em boletins eleitorais são sempre os mesmos, mesmo com outras caras, cada vez mais com caras mais anónimas. Vota-se ordeiramente em todo o País, mesmo quando se vota pouco.
Vocifera-se, isso sim, raivosamente nos intervalos da ida à urna, mas é na urna funerária do voto que a revolta se enterra com flores murchas no primeiro dia das novas legislaturas.
Tornamo-nos acomodatícios, plebicistando o que detestamos porque aprendemos a viver à conta disso. Na Ditadura vendia-se a liberdade na democracia aluga-se a consciência.
O problema de Portugal é que a Revolução é possível. Com Machado dos Santos sozinho na Rotunda, Gomes da Costa a caminho de Lisboa, Salgueiro da Maia cercando o Quartel do Carmo. Uma faísca e o povo explode.
O problema de Portugal é que um dia perdemos a vergonha de sermos tratados como europeus de segunda e exigimos ser tratados como portugueses de primeira.
A vida nacional é gerida por funcionários em Bruxelas e por empregados do Poder em Lisboa: os de lá decidem o quê os daqui o como. A estes juntam-se os credores, seus patrões finais.
Depois é a tristeza, o deânimo e o desespero que nos torna os cantores do fado vadio e os ouvintes da sua melopeia deprimente. Os portugueses sofrem pelos amores funestos e pela alegria breve.
Claro que ainda há o futebol que é a nossa forma de sermos heróis aos pontapés. A todas as horas em todos os dias, boquiabertos de imbecilidade, até ao dia em que alguém invadirá o relvado.

25.1.11

Fomos nós!

Que idade têm aqueles de quem a minha geração fez cobaias das experiências pedagógicas dos propedêuticos e dos cívicos, das passagens administrativas e do entrar-se nas faculdades sem positivas e com facilitismos, os dos 12º anos dados de borla e todo o cortejo de "borlas" e de "copianços"? Aqueles que são veterinários porque o lobby médico impôs o numerus clausus e com ele os cubanos e eslavos que fazem hoje a medicina que é negada aos nossos nacionais? Os que trabalham nos "call centres" e nas caixas de supermercados com mestrados inúteis, a "geração canguru" que vive na dependência e no cravanço, infantilizada mas por lei maior e capaz de votar e validar políticos e políticas? Os que cursaram universidades a estudarem por fotocópias e apontamentos sem nunca terem lido um livro?
Por onde anda a «geração rasca», insolente e mal comportada, que abaixava as calças e mostrava o rabo nas manifestações públicas, como se a coragem hoje fosse não dar a cara mas as nádegas? Por onde os frutos do consumismo, que atulhámos com tudo o que nos extorquiram, chantageando os nossos complexos de culpa? Onde os do «que se lixe a politik que eu quero o joystick?». Onde? Onde?
São esses que estão no mando, no poder, na decisão. Os poucos que escaparam à maré-negra que nós gerámos, vivem subjugados como pássaros a tiritar a morte por sufocação ante o crude da insolência, do oportunismo e  do aproveitamento.
Arrogantes que fomos com os nossos pais, é isto que deixamos como fruto. Escapar a isto é ser herói ou louco. O País afunda-se e nós fingimos que não fomos nós.

17.1.11

O País do Rei Momo

Não sei se algum Presidente de República foi respeitado. De Costa Gomes dizia-se que era «o rolha» por ter sido crachat de ouro da PIDE e depois ícone sagrado da esquerda no PREC. De Spínola que era o «caco» por causa do monóculo prussiano a que o pingalim de Cavalaria dava ares, os tiques e os toques que o infiltrado Gunter Walraff gozou até mais não, quando ele caiu nas malhas do inconsequente ELP/MDLP. De Eanes gozou-se o ser de Alcains e de cenho fechado, mais a desajeitada tentativa de monopolizar a ética no PRD, que faliu sem glória, com Soares a tentar demonstrar que ele, para além de um hirto robotizado, nem um livro ler saberia. De Soares gozou-se tudo, desde os pecados da "descolonização exemplar" até àquilo que Rui Mateus verteu em livro com resultado zero e que meteriam qualquer um na cadeia, o acusador ou o acusado, só que o País virou a cara para o lado.
Uma coisa é certa. Talvez nunca o gozo público tenha sido letal. O sistema não caiu, o Estado aguentou-se, e se não houve um regime que tenha sucedido ao antigo regime a culpa não foi dos apoucantes nem dos apoucados.
Dói nos intervalos de meter nojo o que se está a passar em matéria de presidenciais. Tenta ganhar o que mais baldes de trampa lança para cima do candidato do lado.
A Chefia do Estado era das poucas coisas que sobreviviam. Todos os poderes estavam já na lama do desprestígio. A receita é fácil: ataca-se um, a matula generaliza a todos: padres, professores, juízes, procuradores, militares e guarda-nocturnos, nada resiste, tudo esbraceja no vilipêndio. A receita é fácil. Joga-se um à canalha, a sangrar um pecado, e a matilha estraçalha, em arruaça, a classe toda, na base do «isto anda tudo ao mesmo», «o que eles querem e precisam sei eu!».
Lentamente, as duas sementes do fascismo florescem no Carnaval da democracia: o pessimismo e a ânsia de ruptura. Ninguém quer isto, todos querem qualquer coisa que seja.
O primeiro pirómano que surgir, incendeia a cidade. No dia seguinte, dissipado o fumo, começam os enforcamentos contra os suspeitos de sobrevivência. Ao Rei Momo em Belém sucedem os gatos pingados de Quarta-Feira de Cinzas.

20.12.10

Macau: foi há onze anos!

Foi há onze anos que Macau, território chinês sob administração portuguesa, foi devolvido à República Popular da China. Formalmente era uma zona híbrida na lógica do nosso Direito Ultramarino.
Há muitos modos de comemorar o facto ou apenas de o referir. No primeiro caso com alegria, no segundo com nostalgia. Há quem chore ainda perda da bandeira, como há quem chore a perda da carteira. Há quem ria por inconsciência alarve ou sorria por já nem querer saber.
Para o sub-consciente colectivo, amálgama irracional onde se forma a ideia de Pátria e se deforma, através do Estado, a de Nação, com o fim de Macau Portugal reduziu-se ao ponto de partida. Fechou-se o ciclo do Império. Passámos a ser os portugueses enjoados em terra que nunca iriam à Índia, mais os portugueses náufragos desanimados que de lá voltaram.
Claro que a minha Pátria é, como disse Pessoa, a língua portuguesa e o que ela simboliza. Gastaram-se milhões em Macau para que ficasse essa língua de Camões mas ela só resiste por imposição do Estado e por ainda haver ali portugueses na Administração e na vida empresarial. Em todas as outras colónias o português ficou naturalmente, fruto do amor e da mestiçagem, ali, na zona do Sol Nascente, só porque politica e legislativamente convém. Não é uma língua franca mas uma língua fraca. Ai de quem não souber ao menos inglês.
Sonhou-se que Macau seria, enfim, um caso de "descolonização exemplar", livre do opróbio do abandono, mas a sombra suja das negociatas a alto nível e da pilhagem à "árvore das patacas" criou uma macha que levará tempo a diluir-se como a água do Lilau, a que impede o esquecimento. Tempos houve em que ir para a Cidade do Santo Nome de Deus era sacrifício militar ou exílio de amores. Macau foi laboratório onde se gerou a moral rapinante que hoje sobrevooa Portugal.
Há, porém, um Macau de que pouco se fala, dos abnegados que lutaram na guarita do seu posto ou na enxerga do seu recolhimento, os que ali deixaram o espólio do seu amor àquela cultura e àquela gente. O Macau dos desterrados da sorte e dos opiados da má fortuna. Aqueles para quem a Fazenda foi madrasta e para os quais o Palácio foi indiferente. Esse Macau que gerou o macaense, língua de "papaeação", esse Macau que foi o nosso modo de ser colonial. O Macau missionário mesmo sem missas.
Foi há onze anos. Houve quem trouxesse contentores carregados de valores, houve quem se contentasse com o que a memória guarda.
Comemoro hoje Macau. Tenho comigo a "Estátua de Sal" de Maria Ondina Braga que ali viveu, como professora, em reclusão de alma, o coração em dor. «Assomaram-me as lágrimas a primeira vez que vi a "cidade dos barcos"», escreve. A cidade dos barcos é a cidade flutuante, a dos miseráveis, para quem cada pequena embarcação é casa e loja e caixão. A cidade dos que se amarram mais aos filhos ao madeirame flutuante quando toca a tufão e com ele o grito pavoroso de morte. Um pouco adiante dessa tragédia humana que bóia e assim sobrevive, o Casino, as jóias e as antiguidades, o ar condicionado e tudo quanto é luxo tecnológico e suas luzes meretrizes. Há onze anos estavam e ainda estão. É o Macau indiferente, para quem nenhum Império foi Lei nenhuma Senhoria abrigo. Devolvemos à China a galinha dos ovos de ouro. Depois de os ingleses terem devolvido Hong-Kong. Os diplomatas rejubilam com essa mísera vitória. Para a China eterna nada conta. A unificação da Mãe Pátria tem um nome e não está longe. Chama-se Taiwan. Um destes ouvir-se-à falar. Acreditem. É só Dragão acordar, vivificado.

19.12.10

Quando a Alemanha se fartar...

A Alemanha começa a fartar-se dos caloteiros que financia e daqueles que o Deutsche Bank julgava serem bons devedores. Berlim Recriou a velha Europa e está a ver-se afundar com ela. Por causa das dívidas que o Tratado de Versalhes a obrigou a pagar inventou o Adolph Hitler. Um destes dias os Jünkers da Prússia arrancam para Ocidente. De novo. Um novo homem levantar-se-à, messiânico e enlouquecido, saído da multidão..

13.12.10

Neo-realismo

Era domingo e chovia. Mas fomos visitar o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira. Para mim uma vez mais, mas sempre uma primeira vez. Rever o que foi a luta cívica e a sua expressão na arte. Capas de livros que são marcos desse combate. Filmes, músicas, pintura, tapeçaria. A batalha pelo conteúdo, pelo significado, a batalha pela forma, pelo significante. E lembro-me que ainda apanhei os estilhaços dessa polémica:os que achavam que a Arte não podia ser panfleto, evitando ser ideologia para poder ser política por outros meios. Ali estavam tantos, mesmo um que veio, cordeiro arregimentado, da Mocidade Portuguesa, outro que se perdeu, cavalo em espanto, pelo labirinto do dadaísmo ou coisa como tal sentida.
Procurei-a, porque tinha de estar, a Seara Nova, ainda de capa singela, sem imagem nem cor, a Vértice, obrigatória, de Joaquim Namorado.
E ei-lo, ali estava, "António Vale", uma das mais lúcidas inteligências que o País produziu, carácter temperado a aço, a pôr ordem naquelas desordenadas hostes, em que também vogavam boémios improdutivos e reprógrafos burocratizados, a mostrar caminho, como se houvesse uma moral superior dos artistas que desse disciplina e clarim àquele pequeno pelotão. Foram poucos, mas tinham uma consciência social e uma cidadania a cumprir. O culto da personalidade era uma perversão. Hoje entrou na moda, o individualismo burguês a torná-lo exibição e espectáculo indecoroso.

1.12.10

Viva Portugal!

Não importa que seja hoje. Não interessa que se misture ou tenha misturado em tempos no mesmo dia o Camões, a Raça, as Comunidades. Quero lá saber que os nacionalistas e os internacionalistas se não entendam. Desinteresso-me de me preocupar se a perda da independência foi uma mera confusão de sangues reais ou de conveniências matrimoniais entre casas reinantes. Não é minha a polémica que consiste em saber se a nobreza portuguesa nos vendeu à Espanha ou foi o nobre povo quem nos livrou dos Filipes. São enigmas o saber porque é que não gostamos de ingleses e foram eles quem nos ajudou a desembaraçar dos invasores franceses que, apesar disso, marcaram a nossa cultura, durante séculos.
Há só duas coisas que importam quando uma pessoa se pergunta porque é que hoje é feriado: como é possivel que sejamos a mais velha Nação independente da Europa e estejamos em vias de perder o respeito por nós próprios, sujeitos a uma classe dirigente de tão baixo nível, a uma Pátria que a Fazenda amesquinhou, a um Povo que corre o risco de se tornar, pedintes, nos romenos do Ocidente, à porta das igrejas, agarrado ao sebastianismo da Fé?
Hoje, dia primeiro de Dezembro, não é só dia de Portugal, é dia de pensar como se salvará Portugal! A bem ou a mal...

28.11.10

O baixo preço

O capitalismo ocidental enriqueceu à conta da exploração cruel da produção asiática e africana, acumulando com os seus salários de fome. Hoje vêm dali os novos senhores, quantos cleptocratas, que tudo compram. Mas por maior que seja a fome em Portugal a deles é sempre maior: é a fome das populações por alimento, a fome de uns quantos dirigentes por lucro fácil. O nosso baixo custo é o seu alto preço.

19.11.10

Ajoelhar, que é o Rei!

Quando há uns anos fiz parte do grupo de ligação luso-chinês, até ser corrido pelo ministro Jaime Gama que achou que outro devia aquecer o lugar, aliás gratuito, tivemos uma reunião em Pequim e um passeio à Manchúria. Do programa fazia parte acordar cedo, sermos metidos numas carrinhas e fazermos uma viagem a um lago, onde desfrutaríamos a vista não fosse estar uum tal nevoeiro que seria lógico aparecer o Loch Ness em vez do tigre da Manchúria.
Á saída do Hotel dei como uma cena extraordinária: uma fila gigantesca de automóveis cujos pachorrentos condutores aguardavam há horas na faixa esquerrda que Suas Excelência - nós - passássemos na faixa direita. Nem um sinal de impaciência, antes a asiática resignação marcava aqueles rostos inexpressivos.
Quando regressámos à noite, a cidade dormitava, as ruas desertas, os batedores que marcavam a dianteira ligaram as sirenes atroando os ares com um insuportável chinfrim.
Porquê? Porque o poder marca a sua presença assim. Imagino que nos tempos antigos a soldadesca da guarda entraria na casa dos habitantes e os varreria a varapau só para se lembrarem entre nódoas negras e ossos partidos que vinha lá o Mandarim.
Aqui no chamado Ocidente como hoje estamos mais brandos pára o trânsito e fecham-se as ruas a ponto tal que quando Suas Excelências passam por cima do chão as toupeiras humanas que frequentam o metro ficam inibidos de usar esse rastejante meio de transporte subterrâneo.
Tudo isto cheira menos a medidas de segurança mais a opressão e arrogância. Como somos o submundo, falidos e pedintes, submetemo-nos, à chinesa, para nos irmos preparando porque vem aí a China. Haja pois no rosto de cada um sorriso sínico.

6.11.10

O famélico garnizé

O Senhor Deng-Xiao-Ping explicou um dia à Senhora Tatcher que Macau e Hong-Kong eram duas galinhas que punham ovos de ouro e os chineses gostavam de ovos. Ora sucedia que as galinhas punham ovos de ouro sendo apascentadas de modo capitalista e colonialista. E os chineses continentais não sabiam tal modo de apascentar tais galinhas. Por isso, elas haveriam de ficar durante cinquenta anos entregues ao cuidado dos capitalistas e colonialistas portugueses e ingleses que vinham delas tratando.
Vigoraria assim na China o princípio «um país dois sistemas».
E porquê cinquenta anos? Porque era o tempo de que a China precisava para alcançar as metas de crescimento ocidentais.
Ei-los, pois, agora, os chineses, a comprarem tudo quanto há, incluindo o que em Portugal mais há: a dívida.
Gorda que está, a galinha compra o próprio dono do galinheiro, o famélico garnizé.

A tenda dos tintins

Espantam-se? Mas que geração é esta que está hoje no poder e no mando no sector público, mesmo onde eram dispensáveis, e no sector privado onde conseguiram tornar-se úteis porque necessários? Aquela que gerámos, cobaias na instrução do propedêutico e do serviço cívico e do unificado, fruto na educação dos nossos complexos de progenitores liberais e permissivos. A que aprendeu a arregimentar-se nos partidos como forma de fazer carreira, os partidos a que demos existência, entregando-lhes primeiro o Estado, depois o País. Os consumistas, egoístas, aqueles que não passam os apontamentos das aulas aos colegas para que eles não lhes passem à frente na classificação. Os que se colam aos pais e deles vivem, incapazes de deitar a mão ao esforço do sustento próprio. O fruto da desagregação dos nossos lares. Aqueles para quem o último mestrado corresponde o primeiro desemprego. 
Somos, enquanto País, a mistura complexa de cinquenta anos de ditadura de Estado que caiu de podre e de vinte e cinco de socialismo de Estado que se desmoronou. À lógica do funcionalismo somámos a do clientelismo.  
Falido e desacreditado esse Estado, damos connosco a boiar no charco liberal da desregulação, no pântano do mercado e suas monstruosas criaturas: a economia sufocada pelas finanças, a produção ao serviço da dívida.
A República Popular da China compra a dívida externa de Portugal, porque a Nação dos Portugueses se tornou numa tenda de tintins. O Fundo Monetário Internacional pode tomar conta disto, porque tal como os que vão aos Casinos de Macau, na roleta do mercado de capitais, estamos nas mãos das casas de penhores. As seitas encarregam-se do resto.

5.10.10

Republicanos pela República

Assim como não tivemos uma só Monarquia não há uma só República. Temos sim um regime que atravessou a parte final da Monarquia e se consagrou republicanamente, o da partidocracia que, em rotativismo devorista, vai depredando os bens da Nação distribuindo o grosso pela cacicagem e as sobras pelas clientelas. O Salazarismo com a ideia da União Nacional que não era partido tentou a ficção de um Estado fora dos interesses, devotado abstractamente à Nação. Só que a União dos Interesses Económicos tem mais força e mais tentáculos. A liberdade cedeu ante os monopólios, a democracia ante as cliques partidárias, a fraternidade ante o egoísmo consumista.
Resta, hoje, dia 5 de Outubro, ao entardecer, a ideia de revolução, que se é o que hoje se comemora, é justo seja comemorado! Republicanos pela República contra a nova casta senhorial, às armas!

A União dos Interesses Económicos

Assim como não tivemos uma só Monarquia não há uma só República. Temos sim um regime que atravessou a parte final da Monarquia e se consagrou, o da partidocracia que em rotativismo devorista vai depredando os bensda Nação distribuindo o grosso pela cacicagem e as sobras pelas clientelas. O Salazarismo com a ideia da União Nacional que não era partido tentou a ficção de um Estado fora dos interesses, devotado abstractamente à Nação. Só que a União dos Interesses Económicos tem mais força e mais tentáculos. A liberdade cedeu ante os monopólios, a democracia ante as cliques partidárias, a fraternidade ante o egoísmo consumista. Temos um Estado que sai caro à Nação! A frase não é minha.

Saúde e fraternidade

Hoje, dia da República, e com ela da liberdade cidadã, preso a trabalhar porque tenho uma profissão liberal, fui - ó deformação profissional esta - buscar a um velho fólio que o Barbosa de Magalhães e o Pedro de Castro compilaram, os primeiros diplomas legais do novo regime.
A 5 ei-la a proclamação, pelas onze horas da manhã - hora precisamente a que acordei hoje, iracundo, não diria de barrete frígio que não uso nem na cama que, aliás, pouco tenho frequentado para dormir - gritada, como se sabe dos Paços do Concelho.
Mas logo a 7 um decreto a rezar - rezar não calha bem pois viria logo a 8 o diploma contra a apodada «reacção clerical» - a prorrogação «por 10 dias ou 3 audiências os prazos judiciais de qualquer natureza, os quais estando a correr nos dias 4 a 7 do corrente, deviam ou devam findar desde 4 a 13 do mesmo corrente mês».
Retroactivo, processual, judiciário, o Governo Provisório lá teve que cuidar dos prazos nos tribunais para que os republicanos revolucionários e os talassas reaccionários não ficassem à mercê da indiferença forense.
Comemorando a República com os prazos correntes, permita-se-me o grito que a 8 teve força de lei quando a 8 um decreto estipulava que a correspondência oficial terminaria «com as palavras "Saúde e Fraternidade". Viva!

25.9.10

A vida simplificada

Vejo numa personagem de um romance de Vergílio Ferreira aquilo que deve estar na cabeça de muita gente que faz com sejamos o País que somos: «os que chegam a constituir uma elite efectiva, devem assegurar às massas inferiores a felicidade na aproximação dos irracionais, mantendo-lhes a vida simplificada».