10.6.11

A tristonha cerimónia

Aos portugueses endividados, falidos, diminuídos por deverem, a um passo da ousadia de não pagarem, pedem hoje, 10 de Junho, as senhoras autoridades que gostem cerimoniosamente de Portugal.
Claro que Portugal, não é um país fácil de se gostar e por isso muitos portugueses não gostam: para uns, porque é pequeno e já foi grande, para outros, porque tem a mania de que é o maior. Nos portugueses, aquilo com que se embira é com o complexo de inferioridade, e com a mania das grandezas. Há em nós essa estranha dualidade psicológica. Surge em auras repentinas e dura o tempo de uma discussão de café. Nos intervalos agónicos da crise, vivemos em latente depressão.
A nossa maneira portuguesa de ser, não é só a de sermos instáveis, é, sobretudo, de sermos inconstantes. 
E depois, os portugueses desapontam-se e surpreendem-se de Portugal. De Portugal gosta-se do clima, mas os portugueses especializam-se em carpir por causa dele. De Portugal gosta-se do desenrascanço dos seus naturais, mas os portugueses acham que nada vale a pena. De Portugal gosta-se dos portugueses, mas os portugueses não gostam de portugueses.
Além disso, há a nossa estranha maneira de ver. Um português típico é o que vê reflexamente, olha-se como que a um espelho, toma a sombra pelo corpo, ri-se do outro, como se não fosse ele. Os portugueses nunca estão contentes com o que está, estão sempre descontentes com o que são, porque se acham melhores do que o que parecem. O português olha para si como se visse na rua. Nele, a maledicência é sempre uma forma de auto-crítica. Envergonhado de ser ele próprio, o português do povo médio foi ainda intimidado pelo português que se julga único a ter vergonha do seu patriotismo. Nesse aspecto, as ideologias são iguais, o internacionalismo proletário tão parecido com a internacional do capital: à esquerda, o português tem medo de dizer Pátria, para não parecer fascista, à direita tem medo de dizer Nação, para não parecer retrógrado. É nesta colonização mental que temos vivido e é neste baixio que nos atolámos.
O português comum, ou emigrou ou é como se tivesse emigrado. Para ele, Portugal é uma chatice, inevitável só por estar no lugar onde nascemos.
Ainda por cima há no português de hoje a fobia da morte da raça lusitana. Amputado das colónias, encurralado no rectângulo continental, o português residual teme estar em vias de extinção. Por isso o português se torna ibérico, não vá tornar-se espanhol. Por isso, se quiz europeu com medo de ficar africano.
Não fosse a selecção nacional portuguesa e ninguém gritaria por Portugal.
Sucede que a Europa se reduziu à Alemanha e Portugal à sua dívida pública. Envergonhados devedores os portugueses começam agora a ter medo de perder Portugal.
Nos 10 de Junho a Pátria resumia-se à liturgia medíocre da parada compulsiva de militares obrigatórios e a deprimentes condecorações, tantas a esmo. Uns dias depois os Santos Populares alimentavam o povinho a sardinha e a vinhaça.
Hoje não há bebedeira que nos salve da tristeza nem condecoração que dê respeito. O Estado esgotou a Nação.
A 10 de Junho celebramos o Camões que não voltou na nau da Índia, o ouro do Brasil enterrado nos Conventos de Mafra ostentatórios da nossa grandiloquência falida. No podium da celebração está uma regime em dúvida, em suas casas um País em dívida.