25.6.11

Governar com os jornais

O primeiro-ministro tem de ter muito cuidado com os efeitos mediáticos que cria ou que deixa que se criem. Esta do viajar em turística é um delas.
Num instante um efeito tornou-se noutro; o primeiro, vantajoso e encorajador, o segundo prejudicial e desmoralizador.
Soube-se que Passos Coelho viajaria para Bruxelas em turística. Muitos saudaram como um notável exemplo de parcimónia nos gastos e de contenção de despesa, de moralização, afinal, das Finanças do Estado.
Como os contribuintes estão desconfiados, surgiu logo no instante a insidiosa dúvida: mas viajará sempre doravante em turística?
Ante isto, Passos Coelho, que navegava nas águas reconfortantes das boas maneiras, teve de entrar logo à defesa, fazendo explicar que era só na Europa. Naturalmente, porque ninguém supõe que um primeiro-ministro se canse fazendo viagens de longo curso na incómoda cadeira e no confinado espaço do moderno transporte de massas em que o avião se converteu.
Claro que, melhor informado de qual era, na verdade, a real economia com este gesto simbólico de poupança, Passos Coelho teve de fazer clarificar que, afinal, do que se tratava era de deixar livre um lugar na executiva, para que a TAP o vendesse e não fosse ocupado pela sua pessoa. Ou N lugares consoante a comitiva... Ou seja, já não era poupar o pagar, porque não pagava, era apenas dar à companhia transportadora a oportunidade de gerir a diferença de preço entre uma classe e outra. Isto é, o gesto tinha mais som do que tom.
Mas o difícil estaria para vir. Fonte ligada ao anterior executivo - que não revelou o nome (claro..) - explicaria que, afinal, os do governo não pagavam quando viajavam na TAP. Escândalo!
Ante isso, Passos Coelho teve de encostar às tábuas do mutismo. O seu gabinete já não prestou declarações. A TAP já não prestou declarações. Pior, um seu assessor veio dizer que não foi o gabinete do PM quem fizera aquela fuga de informação, a inculcar a ideia "a contrario" de que o gabinete faz fugas de informação, o que é confessar um incómodo que ainda vai custar caro!
Enfim!
Desejei a Passos Coelho e ao seu Governo a melhor sorte.
Louvo aqueles que aceitaram ser Governo nesta tremenda situação. Vão enfrentar a ira popular, sabem que se falharem cai tudo. É um Governo de última oportunidade.
É bom que não estraguem o importante com improvisos.
Se Pedro Passsos Coelho quer agir sobre este tópico há um modo muito simples. Neste caso havia, porque já se estragou metade do que poderia ter sido.
Primeiro, informa-se quanto a quem paga à TAP; no caso de haver quem viaje à borla, legisla e politicamente acaba com o abuso. Em nome da transparência das contas públicas. Para que a arruinada TAP receba por todo o serviço que presta, para que o Estado pague toda a despesa que cria.
No mesmo instante, estabelece critérios gerais quanto a quem tem direito a viajar em que classe. Porque é ridículo o primeiro-ministro viajar em turística e na executiva irem directores-gerais e gente das empresas públicas. No mesmo avião em que vão familiares de pessoal da TAP à borla.
E, enfim, quando falar ao País, o País percebe que não é um gesto é toda uma atitude que mudou e de que o primeiro-ministro é o primeiro exemplo: mais verdade nas finanças, mais restrição na despesa, mais moralidade no Estado.
Na política não basta ter boas intenções é preciso saber pô-las em prática. Quando usamos os jornais para Governar, é bom que se saiba que é um mundo de papel em que se arde muito depressa.

19.6.11

Ontem num colóquio ouvi da boca de um jornalista: se funcionasse apenas a lógica do mercado muitos jornais fechavam.
Claro que houve tempos em que, imperando ideias socializantes, havia imprensa estatizada como o "Diário de Notícias". A situação era a mesma. Nesses conturbados tempos um membro do Governo com funções para [ou contra a - , como diziam os seus detractores] Comunicação Social entrou no gabinete do do seu ministro, um dia, esbaforido, perlado de subor e de tartamudices verbais fruto da aflição porque «os tipógrafos, em greve, recusam-se a imprimir o jornal». «Óptimo», disse o tigrino ministro, cuja frieza de ideias cumulava um coração piedoso para com as vítimas dos seus interesses, «quanto menos sair menos prejuízo dá».
Aplicado a muito do País, funcionasse o mercado, amanhã fecharia a Carris e tudo quanto é transportes, incluindo a CP. Talvez se fechasse mesmo o Estado para poupar a Nação.
Voltando aos jornais a pergunta que se justifica é: se em termos de mercado dão prejuízo mas não fecham, quem sustenta o vício? E sobretudo porquê ou para quê? Ninguém perguntou. Acho que as pessoas sabem mais do que parece. Os silêncios são eloquentes.
Há, por isso, um jornal, que vai aceitando de embarda anúncios das meninas que prestam serviços íntimos. Não é porque o dinheiro delas, vindo da tristeza de vender alegria, estimule, é porque, naquele que já foi um jornal de referência, a sua companhia já não choca.

17.6.11

Oxalá

Ser-se Governo num momento em que se falham parece que afunda tudo deve ser um sentimento de ansiedade para os próprios e de angústia para o País.
De um Governo pode não se gostar deste ou daquele ministro, pode não se gostar de ninguém, pode até não se gostar da ideia de haver um Governo.
Acontece, porém, que neste momento gravíssimo da vida nacional, tudo parece de repente ter assumido um valor relativo. Há um ambiente geral de contenção. Ajudou o Governo não abranger na sua generalidade estrelas do tablado mediático. Até porque, num momento destes, as ditas estrelas, prudentes, saem de cena, pois não querem queimar-se.
O Governo que se anuncia é um Governo claramente para ser queimado vivo. Vão ter de conviver com a execução de medidas que vão gerar a revolta popular. Os verdadeiros desprotegidos vão ficar pior. Os falsos carecidos vão perder o apoio à inércia e a decidirem-se, enfim, a sair da vadiagem subsidiada não encontrarão trabalho. A classe média vai ser esmagada.
Pior: o Governo que se anuncia é um Governo para ser teleguiado pela "troika" e pelo que resta de uma Europa que nos cercou de regulamentos e por causa da qual rebentámos com a agricultura, que nos garantia auto-suficiência, porque a indústria, essa, estoirou por si.
Confesso um sentimento íntimo de inquietação. Na política não, porém, estados de alma. É caso para dizer, vindo do fundo do coração: oxalá!

16.6.11

CEJ: zero de conduite!

Haver futuros magistrados apanhados a copiar num exame na escola onde estão a ser formados é parte do agarotamento em que caíu a sociedade portuguesa, fruto da infantilização da juventude, a quem política concede direito de voto a as leis o acesso a cargos de autoridade. A escola que os forma não relevar esse desvalor grave de conduta como causa de inidoneidade absoluta para a função para que os prepara, aí está a gravidade maior. Dar dez de nota em vez de zero isso é apenas o sintoma e o sinal. A vilania moral compensa.
Talvez o que tudo isto indicie é a necessidade da vassourada de uma sindicância ao modo como funcionam as instituições. Assim haja força para o fazer com isenção e coragem para cortar a direito. Aos olhos do revoltado povo não são apenas os que copiaram que estão em causa, sim todo o corpo a que pertencem. Para a opinião pública infelizmente "andamos todos ao mesmo".
O problema é quando os problemas dão azo a discursos inconsequentes, por mais exaltados que sejam, a concitar simpatia de quem ouve. E isso tem abundado.
Saturados da miséria moral, saturados também dos demagogos que são pescadores de águas turvas no meio do pântano. Mais dia menos dia vemo-los pelas alcatifas do poder e percebemos quanto a crítica era, afinal, apenas uma forma de trepar pela escadaria domando.
Um candidato a magistrado que copia viola de modo manhoso a igualdade dos candidatos nesse exame para safar a sua pele. Parece um tudo nada. Um dia quando tiver pela frente um cidadão cujo destino lhe pertença decidir, sem que o perceba julgará julgando-se. A fatiota judiciária será apenas o traje de um baile de máscaras.

10.6.11

A tristonha cerimónia

Aos portugueses endividados, falidos, diminuídos por deverem, a um passo da ousadia de não pagarem, pedem hoje, 10 de Junho, as senhoras autoridades que gostem cerimoniosamente de Portugal.
Claro que Portugal, não é um país fácil de se gostar e por isso muitos portugueses não gostam: para uns, porque é pequeno e já foi grande, para outros, porque tem a mania de que é o maior. Nos portugueses, aquilo com que se embira é com o complexo de inferioridade, e com a mania das grandezas. Há em nós essa estranha dualidade psicológica. Surge em auras repentinas e dura o tempo de uma discussão de café. Nos intervalos agónicos da crise, vivemos em latente depressão.
A nossa maneira portuguesa de ser, não é só a de sermos instáveis, é, sobretudo, de sermos inconstantes. 
E depois, os portugueses desapontam-se e surpreendem-se de Portugal. De Portugal gosta-se do clima, mas os portugueses especializam-se em carpir por causa dele. De Portugal gosta-se do desenrascanço dos seus naturais, mas os portugueses acham que nada vale a pena. De Portugal gosta-se dos portugueses, mas os portugueses não gostam de portugueses.
Além disso, há a nossa estranha maneira de ver. Um português típico é o que vê reflexamente, olha-se como que a um espelho, toma a sombra pelo corpo, ri-se do outro, como se não fosse ele. Os portugueses nunca estão contentes com o que está, estão sempre descontentes com o que são, porque se acham melhores do que o que parecem. O português olha para si como se visse na rua. Nele, a maledicência é sempre uma forma de auto-crítica. Envergonhado de ser ele próprio, o português do povo médio foi ainda intimidado pelo português que se julga único a ter vergonha do seu patriotismo. Nesse aspecto, as ideologias são iguais, o internacionalismo proletário tão parecido com a internacional do capital: à esquerda, o português tem medo de dizer Pátria, para não parecer fascista, à direita tem medo de dizer Nação, para não parecer retrógrado. É nesta colonização mental que temos vivido e é neste baixio que nos atolámos.
O português comum, ou emigrou ou é como se tivesse emigrado. Para ele, Portugal é uma chatice, inevitável só por estar no lugar onde nascemos.
Ainda por cima há no português de hoje a fobia da morte da raça lusitana. Amputado das colónias, encurralado no rectângulo continental, o português residual teme estar em vias de extinção. Por isso o português se torna ibérico, não vá tornar-se espanhol. Por isso, se quiz europeu com medo de ficar africano.
Não fosse a selecção nacional portuguesa e ninguém gritaria por Portugal.
Sucede que a Europa se reduziu à Alemanha e Portugal à sua dívida pública. Envergonhados devedores os portugueses começam agora a ter medo de perder Portugal.
Nos 10 de Junho a Pátria resumia-se à liturgia medíocre da parada compulsiva de militares obrigatórios e a deprimentes condecorações, tantas a esmo. Uns dias depois os Santos Populares alimentavam o povinho a sardinha e a vinhaça.
Hoje não há bebedeira que nos salve da tristeza nem condecoração que dê respeito. O Estado esgotou a Nação.
A 10 de Junho celebramos o Camões que não voltou na nau da Índia, o ouro do Brasil enterrado nos Conventos de Mafra ostentatórios da nossa grandiloquência falida. No podium da celebração está uma regime em dúvida, em suas casas um País em dívida.

9.6.11

Boa sorte portugueses

Vamos partir de um postulado: o de que, pelas razões de emergência nacional que vivemos, os nossos políticos, desde os que formam Governo aos que estão a preparar a oposição ao mesmo, interiorizaram alguns valores e princípios. E que a vida em Portugal ainda tem esperança de mudança.
Primeiro, que os cargos públicos não são benefícios pessoais nem formas de se alcançarem vantagens pessoais e que quem vai para a política não vai desta para melhor.
Segundo, que a litigação partidária deve passar para um segundo plano ante a discussão política, a discussão política não deve sobrepor-se aos interesses nacionais, porque o poder não é um jogo de azar.
Terceiro, que a lógica de coesão e de solidariedade deve prevalecer sobre a afirmação de identidades ideológicas, a existirem, e de particularidades pessoais, que essas existem.
Vamos partir de um postulado: o de que aqueles a quem se confiou pelo voto o poder e aqueles a quem o voto confiou o dever de se comportarem como oposição percebem, ante a expressiva abstenção, em que medida há um País que se deixa governar sem querer saber do Governo, tantos por desprezarem governantes.
É uma técnica mental, como o botão de "reset" nos computadores. Vamos admitir que qualquer coisa mudou nos que estão no "pau de sebo" do mando e nos que se agarram a eles para os arrearem dali.
Porquê? Nem eu sei. Talvez por medo, o de que estamos no limiar do desastre, talvez por esperança, a de nos desejar, a nós os governados, "boa sorte". Bem precisamos dela.