25.4.13

Não foi para isto que se fez o 25 de Abril!


Não sou um "herói de Abril". Estava, é verdade, no Quartel em Mafra quando ocorreu aquela "gloriosa madrugada". Mas o pelotão de armas pesadas de infantaria, especialidade que me tinha sido atribuída graças a uma informação da solícita PIDE/DGS, a de que eu "não dava garantias de cooperar na realização dos fins superiores do Estado" - informação rigorosamente verdadeira, aliás - era comandado por um tenente que não era afecto ao MFA, donde, por causa dele, ficámos esse dia retidos no quartel, cujas unidades rumaram a Lisboa.
Vi, isso sim, muitos que estiveram, desde o ovo familiar, contra tudo o que significou a democracia, a liberdade de expressão, em suma os direitos cívicos, alinharem desde logo, pressurosos, com a revolução dos cravos e com o socialismo como horizonte. Foi o vira-casaquismo que João Abel Manta tão bem retratou num dos seus cartoons que o já extinto O Jornal publicou. E surgirem, das rectaguardas da indecisão  e do equívoco, muitos "heróis" a clamarem por tudo quanto depois, com prodigalidade, se distribuiu: reintegrações, medalhas, subvenções, lugares, cargos, "tachos".
Não foi, porém, por causa disso que aqui vim escrever.
Deu o 25 de Abril de 1974 em muita coisa. Tornou-se em outra coisa logo no dia 1º de Maio seguinte. Em outra no 11 de Março de 1975. Em outra no 25 de Novembro do mesmo ano. Cada um tem o seu, houve quem os tivesse tido a todos.
Quando, por trabalhar com o Almirante Pinheiro de Azevedo, fiquei cercado na Residência Oficial a São Bento, no tempo em que na Assembleia se discutia e aprovava a Constituição de 1976 que substituiria a "plebiscitada" de 1933, senti que, o poder na rua, a História acelerava rumo a um socialismo que eu não queria. Quando, meses antes, assistira, como secretário do primeiro ministro da Justiça da democracia, Francisco Salgado Zenha, às primeiras transigências ante alguns que tinham servido também nos tribunais plenários, pressenti que a formação de um novo regime passava por cedências ao pior do que fora o anterior. E tanta coisa mais.
Estou aqui apenas com uma frase e por uma frase. Ela sintetiza o que, olhando para o País real que nos é dado sofrer e naquilo em que tudo isto se tornou, o sentir, estou certo, da esmagadora maioria dos que estiveram com Abril no dia em que Abril aconteceu: «não foi para isto que se fez o 25 de Abril».
O resto é, no pardacento das comemorações oficiais, na nostalgia dos que já só comemoram o dia com uns jantares de arrastado e tristonho saudosismo e a dieta gastronómica, pois a idade já não perdoa o reumático e as úlceras, na indiferença de todos os imensos outros, angustiados quantos com o que irão dar de jantar aos filhos, nuns desfiles organizados pelo partido que não desarma, o pútrido fim de um regime. 
Esgotado, vendido, endividado até às orelhas, pejado de oportunistas e de medíocres, que rapa no fundo da gamela das escolhas, gerido pelos administradores da insolvência culposa em que isto se tornou, o Estado vergonhoso, o País triste, a Nação castrada.

26.2.13

Joaquim Vieira: est rebus in modus



Joaquim Vieira escreveu uma biografia de Mário Soares, que acaba de sair.
No livro, de mais de oitocentas páginas, fala-se de Macau, sim, mas apenas no caso do "fax", que fora trazido a lume pelo jornal "O Independente", através da jornalista, entretanto falecida, Helena Sanches Osório, dando a Soares oportunidade de se demarcar do que para ele seriam apenas as actuações de «quatro gajos do PS»...
Quanto ao caso TDM e àquilo que o próprio Joaquim Vieira investigara, enquanto jornalista do "Expresso", e denunciara nas páginas daquele semanário, no que se refere às ligações do próprio Soares e de gente consigo relacionada na rede Emaudio/Emaudio International/Robert Maxwell, nem uma palavra. Nem quanto a isso nem quanto ao "dossier" Alberto Costa. Fala-se de uma detenção de dois administradores por "irregularidades" de gestão e fica-se por aí. 
O biógrafo Joaquim Vieira terá as suas razões para silenciar aquilo que o jornalista Joaquim Vieira investigou. 
No prefácio do livro, chamado "Mário Soares e Eu", percebe-se, porém. 
Quis o destino que Vieira, mandatado pela editora para escrever a obra, se encontrasse, casualmente, com Soares, este para um tardio passeio matinal. Felicitando-o pelos artigos que Vieira, entretanto, escrevera sobre as "escutas a Belém", (o "caso Fernando Lima"), Soares acrescentou que o fazia, independentemente do que fora o relacionamento deles no passado, porque isso estava «sanado». Ante isso, consigna Vieira no livro:  «Que outro político teria tal atitude?».
Precisamente. Eis! Est rebus in modus.
Conheci o Joaquim Vieira que foi jornalista do Expresso. Não sei quem é o autor deste livro. Pura e simplesmente não sei.

P.S. Percebi que era preciso explicar que a expressão latina, assim construída, é uma ironia e não uma errada citação do brocardo est modus in rebus. Ele há coisas que realmente!

16.2.13

A rota farpela do Estado


Sob a ameaça de os meter na cadeia, o Estado torna cada cidadão um recebedor de impostos, no caso do IVA e do IRS: retêm-nos com a obrigação de os entregar ao Fisco. Quem presta um trabalho cobra IVA a quem o prestou e paga IRS por tê-lo prestado. Idem quem vende o que seja.
Agora, sob a ameaça de multa, o Estado torna cada cidadão fiscal das obrigações tributárias dos comerciantes, punindo-os se não lhes exigirem facturas.
Em vez de pagar aos funcionários, o Estado corta-lhes o vencimento e despede-os. Em contrapartida, usando o Direito Penal como forma de pressão, o Estado privatiza o serviço fiscal pela pior forma, a mais desproporcionada, a mais atentatória dos princípios constitucionais.
Até aqui os tribunais, que terão de ser o braço armado do sistema, têm estado calados e sobretudo quietos. Até ao dia em que o primeiro tribunal levantar a mão para a acabar com este expediente que degrada o cidadão no cobrador de fraque, a rota farpela do Estado.

25.12.12

O joker

Num país de ignorância mal disfarçada pela erudição, num país em que mesmo a suma instrução conduz ao desemprego e a total falta dela ao Governo, num país em que a pompa retórica é a circunstância até em simples crónica de jornal, num país em que ser Dr. é a pedra de armas do plebeu vaidoso e o Dom aristocrático foi regiamente vendido a saldos como comenda e prebenda, num país que googla um saber fingido para se dar ares, de entrevistadores que ao perguntar preferem fazerem-se ouvir, num país de analistas políticos arvorados em fazedores de opinião, num país em que a História, como verdade, não se ensina e, como propaganda, se trafica, falsificada, num país de fancaria feita porcelana e de cacos a passar por cristal, surgiu um homem que com tudo gozou, o burlesco que somos, o patético que parecemos.
Invocar o nome das Nações Unidas mais do que símbolo de uma mentira histórica - pois foram a união das nações vencedoras em 1945 e o forum actual das nações desunidas - é a demonstração final de que antes isso - na ânsia de acreditação e de verosimilhança - do que citar-se como se vindo da União Europeia, o aerópago caduco em que ninguém acredita e em que todos fingem crer.
Este homem não é um mentiroso, ele é o ícone da mentira, ele não é ele próprio, sim aquilo em que nos tornámos.
O mundo do parecer tem nele expoente, o culto da imagem, expressão.
No teatro de falsetes em que se tornou a política, ele poderia ser mais um dos robertos. Tem a pose, a aparência, o estilo. A seus pés, o mundo da comunicação bebeu-lhe os ditos, o chic do Chiado abriu-lhe os salões.
Risos, pois, gargalhadas até ao engasgamento, ao rebolar, aos urros, aos espasmos, à epilepsia total deste país demencial.

5.10.12

A desonra à Bandeira

 
É a lei, aprovada ao abrigo de uma Constituição que o Presidente da República jurou respeitar. É o Decreto-Lei n.º 150/87, de 30 de Março, assinado pelo então Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva:

«O Governo decreta, nos termos da alínea
a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º A Bandeira Nacional, como símbolo da Pátria, representa a soberania da Nação e a independência, a unidade e a integridade de Portugal, devendo ser respeitada por todos os cidadãos, sob pena de sujeição à cominação prevista na lei penal.» (...).

Hoje, ao ter participado na paródia do hastear da bandeira, ao não ter sido o primeiro a ter, de imediato, rectificado a situação humilhante, o Chefe do Estado, desrespeitou um dos símbolos da Pátria.
Nada ter acontecido é a demonstração do fim do Estado de Direito. Aníbal Cavaco Silva não está em condições de continuar a exercer o mandato que a Nação lhe confiou.
Ante a ignomínia, o seu semblante de sorriso afivelado, mecânico, alheado, a incapacidade de reacção, mostra, naquele rictus inexpressivo, que há limites em que o cargo já está além do homem.

A tenda do circo

Este sistema dos partidos tem uma característica notável: um partido está no Governo e é de lá apeado; muda de líder e então passa primeiro, a fingir que não tem nada a ver com o que se passou nesse passado em que teve funções governativas segundo, a criticar tudo o que novo partido faz, pois que está no Governo. 
O partido que está no Governo, esse por seu turno, gaba-se de tudo quanto faz por estar lá, também com um novo líder, fingindo que nada tem a ver com o que foi feito no tempo em que esteve no Governo com o líder anterior.
É a lógica da mudança das moscas.Tudo isto é a insídia da representação e da mistificação. Tal como nos alibis dos bandidos de carregar pela boca, a culpa é do morto.
O único período caricato é quando um partido chega ao Governo com um novo líder e dele saiu o outro partido ainda sem líder que se veja. É a época do embaraço. Os políticos chamam-lhe «o estado de graça». Em rigor é porque a tenda do circo ainda não está montada.

23.9.12

Que fazer?

Portugal tem solução possível dentro do sistema que nos governa? Não tem.
Estamos, a nível político sob uma democracia de base partidária assente na seguinte arquitectura: dois partidos, que não se distinguem já nas ideias e traduzem o mesmo núcleo essencial de interesses, o PS e o PSD, rodam na área do poder, expressando o rotativismo que tem governado a nossa vida pública desde que a revolução burguesa assumiu o poder com o vintismo e de que a ditadura do partido único do Estado Novo foi excepção; dois partidos que não têm acesso ao poder central, o PCP e o BE, e assumem franjas particulares do poder periférico, a nível de organizações territoriais autárquicas ou de classe e, enfim, um pequeno partido que convive com o poder central, o CDS-PP, não conseguindo nele impôr o seu ideário, trocando princípios por arranjos a nível das composições de Governo; enfim a grande massa dos indiferentes, a abstenção, a abulia política, o que legitima, afinal, o estado da Nação e tudo quanto nela é permitido ao Estado porque consentido ao Governo.
A nível económico-financeiro, estamos, como comanditários tecnocráticos, sob a batuta de um rearranjo estratégico do capitalismo, ditado pela Europa Central, que, por via do sistema bancário, pelo regime fiscal e através de manipulações nas Finanças Públicas, logra a simultaneidade do rebaixamento salarial, a concentração monetária nas grandes empresas e bancos e o reembolso pela Alemanha de quanto lhe custou a Europa que é o espaço vital do seu novo Reich.
A nível dos corpos separados, temos umas Forças Armadas acantonadas desde que o fim do serviço militar obrigatório as privou de ser a Nação em Armas, transformando-as num destacamento de profissionais da pura técnica militar para uma Defesa que não há.
Ninguém que tenha algo a perder quer assumir qualquer responsabilidades no Governo, todos sentem ter perdido tudo pela responsabilidade do Governo. O divórcio entre uma raquítica sociedade civil e um agigantado Estado é total. O panorama geral é de inquietação, revolta e anarquia. Todos odeiam tudo, ninguém tem esperança em nada.
Um País assim perdeu a capacidade de se regenerar pelas estruturas que criou para se governar. A democracia já não oferece nem respostas nem governantes, actualmente apenas feitores de uma política alheia, a dos credores, que os nacionais em carne viva desprezam, com a ira dos falidos.
Portugal não está só sob o domínio estrangeiro, Portugal está sujeito a ter perdido a sua soberania.
Portugal tem solução possível dentro do sistema que nos governa? Não tem. Uma revolução não é desejável, é infelizmente inevitável. O resto é agonia e vergonha. Uma doença viral toma conta de tudo, gangrena moral que mina primeiro o ímpeto, enfim o próprio respeito que um Povo a si mesmo se deve. Os conservadores, como eu me sinto tanta vez, temem a primeira faísca, que os despertará do sono e da alienação.

14.9.12

Os impostos e a banca

Um cidadão que não pode pagar a totalidade do IRS mas pretende pagar uma parte tem contra si uma lei que o impede, como se o Estado estivesse rico e pudesse prescindir desse dinheiro! 
Mais: esse cidadão, a requerer o pagamento do IRS em prestações, o que a lei permite, tem de prestar garantia bancária pela totalidade da dívida, ainda que querendo e podendo pagar parte de imediato! 
Mais ainda: a garantia bancária que terá de prestar e pagar, não só terá de ser pela totalidade da dívida, que ele gostaria que não fosse tão alta e pode, alias, amortizar, pelos juros - e nesta parte compreende-se - mas igualmente sobre mais 25% da quantia total, tudo a pesar naquilo que o banco cobrará e com o que lucrará!
Enfim: temos um Estado na penúria, que prescinde de receber e que dá mais esta oportunidade de negócios aos bancos! O capital mostra a sua face não mostra?
Acudam, que uma pessoa passa-se!

13.9.12

Vacórias...

A net proporcionou o anonimato, este abriu a porta ao pior que a alma humana tem. Até aí seria apenas a demonstração de que, embuçado, o Homem revela a sua pior faceta, o lado negro da alma: o ataque cobarde, lançando suspeitas, insídias, rumores, acusações mesmo, o que de identidade revelada se não faria; o atrevimento sórdido, exibindo um despudor, um desbragamento, uma falta de maneiras, que, sabendo-se quem é, nunca teria oportunidade de existir. 
O pior é quando isso gera a irresponsabilidade pelo dano que se causa, pelo mal que se pratica.
Os jornais on line, na sua ânsia de audiência e público, abrem porta ao descontrolado anonimato. É exactamente o mesmo que o demais espaço cibernético, mais a potenciação do efeito pelo fornecimento do meio público.
A questão é esta: ninguém controla, ninguém responde, ninguém repara o mal destes milhares de mascarilhas, valentes porque escondidos, ousados porque travestidos, desbragados porque irreconhecíveis?
Vem isto a propósito de um comentário que está numa notícia publicada num jornal dos de maior audiência nacional. Ei-lo tal e qual:

VACÓRIAS

13.09.2012/16:59

UMA PÉROLA: Tenho uma pequena empresa de confeções em braga e sei o que é aturar esta camabda de saloios que só querem dinheiro. Lá só trabalham 75 mulheres 9 horas por dia e vão começar a trabalhar ao sabado o dia todo. É preciso acorrenta-las ao trabalho porque se lhes dou 550 euros é para produzirem e trabalharem. E não para andarem sempre metidas na casa de banho a mandar mensagens aos pombinhos ou aos amantes. Fora aquelas que andam sempre com o periodo. Já as grávidas expulsei da fabrica e em breve vou-lhes anunciar que mulheres que venham com os periodos por mais de 5 dias , são expulsas da fábrica sem idemnização sem nada. O passos Coelho pede trabalho, Arduo trabalho esse que o obrigo a estas vacórias fazerem...

8.9.12

Comprar mais barato o trabalho alheio

O que passa a nível do Governo? A obediência do que foi determinado pela Europa do capital: transferência de meios financeiros dos trabalhadores para o Estado, através dos impostos e demais prestações, dos trabalhadores para a banca, directamente através do crédito e da dação em pagamento dos imóveis sob hipoteca, indirectamente, através dos apoios do Governo com o dinheiro que terá de ser pago a quem o adianta na mira do juro, os prestadores internacionais e a estes através dos contribuintes; concentração dos capitais das zonas periféricas na Alemanha, ali namorados pela banca russa e turca; redução da massa salarial para tornar a compra do trabalho mais barato ao capital.
A médio prazo, a Alemanha terá sido reembolsado de quanto lhe custou esta Europa, de que os ex-radicais Barroso's são capatazes, e o capitalismo estará reorganizado. A crise é nele uma doença e uma lei comportamental, reorganiza-se assim.
Quando Pedro Passos Coelho, com falsa compunção, carrega nos que trabalham, sob a alegação de que assim permite mais emprego, está pura e simplesmente a tornar mais barata a vida ao capital. Dos que o elegeram muitos nem sonhavam que ia ser assim, os que o criaram como criatura política, esses estão realizados porque assim foi. Para eles, de facto, «o futuro é agora». O mais é raiva popular e propaganda do regime.

23.8.12

O pequeno ditador

O jovem pirralho, infernal, atroava os ares com a guincharia por causa de um «eu quéu!» ridículo, insatisfeito. Cumulava com atirar-se para o chão enquanto, podenga, a progenitora, tentava, mansamente convencer o "Tolinho Manuel" que "o menino sabe que isso não são maneiras". Alheado da questão e afinal da família de que o rebento era a contemporânea expressão, o excelso pai acabou por entrar na liça, porque aquilo que já exasperava os circunstantes, agora já o afectava a ele. Usou a força física para tentar içar, qual grua, o contrapeso da insuportável criaturinha, para que ao menos não rastejasse, esperneante, pelo chão, por onde se espojava, rabicundo, qual lagartixa, restituindo-a à horizontal dos bípedes.
Foi aí que a marginalidade do nanjero entrou em acção, dando pontapés na canela do paizinho e alçando a mão como quem vai numa henriquina de bater na própria mãe.
Em redor um silêncio embaraçado, aqui e além um contido mau instinto a fazer-se de esgar. «O que é que se há-de fazer?» perguntava para o vazio circundante das que conjugam o verbo haver em termos de dar em "hades», que é deus grego para os mundos subterrâneos. «Um chapãdão"» ia eu para alvitrar quando me lembrei que somos nós, os que, arrogantes para com a educação que nos deram, gerámos isto mesmo, os pequenos ditadores.

19.8.12

Pax Germanica

Às vezes as ideias surgem onde menos se espera encontrá-las. Acabei a leitura do livro de Pierre Loti intitulado Os Últimos Dias de Pequim. Nele o seu autor narra o que lhe foi dado observar enquanto este incorporado na força militar internacional que teve de intervir na China para pacificar a sangrenta e devastadora guerra dos boxers. Nessa força integraram-se, lado a lado, tropas francesas e alemãs, além de outras oriundas de diversas Nações, como russas, japonesas, inglesas, etc.
Tudo sucedeu em 1900. Acontece, porém, que trinta anos antes, a "Alemanha" do Chanceler Bismarck e a França se tinham batido na guerra franco-prussiana de que resultaram cento e trinta e oito mil mortos do lado francês, quarenta e cinco mil do lado alemão.
Imagina-se o sentimento de um oficial francês ao conviver agora com aqueles que faziam parte do lado há bem pouco tempo não lhe poupariam a vida. No livro descreve-o como se a um nó na garganta.
Mas não se fica por aí. Em 1914, apenas catorze anos depois, a Alemanha e a França exterminavam-se de novo na que ficou conhecida como a Primeira Grande Guerra, que causou no total dezanove milhões de mortos a todos os contendores. 
Veio a paz com o Tratado de Versailles e, vinte e cinco anos depois, em 1939, de novo a Alemanha em Guerra e a França seria atacada pela Alemanha de Adolph Hitler. Foi a Segunda Guerra Mundial que causou setenta e três milhões de mortos.
Para os que pensam que a paz é eterna e a concórdia com a Alemanha é definitiva basta pensarem. Sobretudo a partir dos mortos.

20.7.12

Hermano Saraiva

Unamuno dizia que somos um povo de suicidas. Acrescento que somos um País com a idolatria pelos mortos. Cultivamos a desmesurada lembrança por aquilo que em vida esquecemos. Isto não se aplica a Hermano Saraiva, irmão do falecido historiador e crítico da Literatura, António José Saraiva, tio do director de um semanário, José António Saraiva. Porque dele pode dizer-se que o País na sua generalidade guarda uma memória e pode dizer-se uma lembrança amável e grata.
Claro que existem os que - sobreviventes da geração de sessenta e da crise académica de Coimbra - não esquecerão o seu dito «a ordem em Coimbra será mantida!», proclamado, em estilo iracundo, quando se deram os graves incidentes naquela Universidade que levaram à intervenção da força policial e a cenas de violência nas ruas.
E claro que existem os que estiveram no campo da política "oficial" em desacordo com ele, os próceres do regime anterior, que o julgavam um heterodoxo, e os opositores, que o julgavam um homem da Situação. Ainda hoje, o corpo por descer à Terra, ecoavam os epítetos de "fascista" a resumirem uma vida política que do fascismo se não reclamou, porque essa palavra é um anátema que fuzila de imediato aquela contra quem seja atirado, qual pedra certeira a desfigurar o rosto.
Um dia a História trará ao de cima o nome daqueles que fascistas, sim, no sentido técnico do termo, após o 25 de Abril entraram directamente para partidos de esquerda, onde foram recebidos sem caução mas com unção e onde, convertidos, abjuraram tudo aquilo a que antes tinham declarado servil obediência.
Não vim aqui escrever sobre José Hermano Saraiva por causa disso. Sim para lembrar uma história que ele contou nos fascículos auto-biográficos que publicou e que li na totalidade. Lembro o episódio porque revelador de muitas coisas numa só história. Ei-la.
Comemorava-se então um dos aniversários da Revolução Nacional do 28 de Maio com cerimónia luzida na Assembleia Nacional. Previa-se que usasse na palavra o Dr. Melo e Castro, líder da União Nacional, o "partido" único que o salazarismo consentia. Mas, eis quando, primeiro num murmúrio, depois com certeza, veio ao de cima a notícia de que um jovem, algo dissidente do regime, poderia ser chamado a, em jeito de contraponto, perorar também no hemiciclo de São Bento: o Dr. Hermano Saraiva.
O júbilo encheu então o peito daquele jovem político em ânsia de ascensão, confessa-o ele naquela crónica deste momento da sua vida. Ademais, porque no acto poderia estar e esteve o próprio Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar.
Enfim, decorreu o cerimonial e o orador teria atingido, segundo a encomiástica descrição que faz da sua intervenção, o clímax da retórica. A ponto de, confidencia, ter surpreendido em certo momento, uma furtiva lágrima, no frio rosto do Chefe, usualmente distante e inexpressivo.
Tudo estaria bem não fora o facto de o seu discurso ter de tal modo caído no goto de Salazar que este, pela noite, ligou ao então director da Televisão, o Dr. Ramiro Valadão, perguntando-lhe qual o motivo pelo qual não se passara no pequeno écran a fala do Dr. Saraiva.
Eis o ponto, a crise, a agonia. Incapaz de confessar que, a ter de escolher o que filmar - num tempo em que nada era em vídeo mas tudo em película de cinema, donde oneroso, - se decidira no Lumiar que se filmaria sim o líder da União Nacional, até pelo seu posto graúdo no regime, e não aquela figura esperançosa mas ainda a fazer o seu cursus honorum na escadaria do poder, Valadão, engasgado, garantiu que, sim, que tudo tinha sido filmado, incluindo o Dr. Saraiva, naturalmente, estivesse pois Sua Excelência tranquilo, que até se preparava um programa especial para tal notável peça oratória.
E - acreditem porque é o próprio que o relata - sob apertado juramento, aproveitando a noite, uma equipa de TV, tomou imagens, no vazio parlamento, o Dr. Hermano Saraiva a discursar, tentando, puxando pela sua extraordinária memória, repetir os trejeitos, os gestos, os tiques, as expressões, com que animara a sua eloquência, não fosse o Chefe, manhoso e bom observador, dar por ela quando o programa "especial" viesse para o ar.
Qual conjura, ritual de sociedade secreta, cumpriu-se para que os factos pudessem tornar-se verdade: a RTP filmara tudo quanto o seu director garantia.
Eis, no dia de hoje, em que nos deixou, essa interessante porque complexa personagem, o que me apeteceu contar. É uma história sintomática, risonha, que talvez traga o justo equilíbrio entre o que foi, o que viveu e o que nos deixou.
Nele estiveram as contradições de um povo, mais a dedicação ao seu País e sua História.
Claro que, País de carrancudos, os académicos da Historiografia detestam-no, porque cometeu o sumo pecado, segundo eles, de a "vulgarizar"! Nisso estão, conservadores, irmanados com os seus opostos revolucionários. Aqueles porque querem uma História só de factos sem muitas ideias complicativas, estes porque a querem só de ideologias simplificadoras.
Com Hermano Saraiva o Povo, mesmo quando iletrado, aprendeu uma História de sentimentos, o amor a Portugal.

17.7.12

Falar do que se conhece

Conto-a como ma contaram hoje, pela fonte autêntica, que me ressalvou que o António Alçada Baptista já a havia relatado mas omitido a origem.
Discutiam-se em animada tertúlia os méritos científicos do professor Egas Moniz, o nosso primeiro Prémio Nobel. Em causa a lobotomia, cirurgia de ablação de um dos lobos cerebrais, tida então como método adequado para doenças do foro neurológico.
Animada a contenda verbal, esgrimiam-se antagónicos argumentos por e contra o laureado, apodado por uns de «génio» e de «criminoso» [não menos!] por um dos intervenientes na disputa.
Como em todas as discussões, e como se o colectivo dos altercantes precisasse de tomar fôlego, fez-se silêncio, um denso silêncio. «Os brasileiros dizem que passou um anjo», explicou-me o meu interlocutor, querendo encontrar melhor expressão para essa pausa prenunciadora de novo alento na refrega, pois naquele exaltado estado das paixões argumentativas, tréguas era algo a nem pensar.
«Foi então que ele entrou em cena», continuou, e eu colado ao telefone a ouvir, expectante, a história e a tentar adivinhar-lhe o percurso. «Era um homem simples, tinha vindo para Lisboa sem meios nem esperanças e lá lhe arranjaram emprego como empregado de sapataria, o meu pai», prosseguiu. «Só que, aplicado e cumpridor, melhorou de vida, e acabou numa zona chic onde, por via dos sapatos, acabou por conhecer gente muito acima da sua cultura e pouca instrução».
Tinha estado calado, modesto, o silêncio como ponto de honra da sua modéstia intelectual, incapaz de intervir sobre aquela discussão que esventrava a Ciência, a Filosofia, a Moral, a Política. «Mas não se conteve. Chegados àquele ponto sobre quem era, afinal, o professor Egas Moniz, ousou falar, porque, afinal, de todos eles, era ele quem o conhecia». 
Ante a possibilidade adivinhada da sua fala, susteve-se ainda mais o areópago. Já não era a tensão voltaica da electrizante contenda anterior, eram agora os nervos retesados à espera do que dali sairia que poderia, ao limite, dar vitória a um dos campos adversários. «Conheci-o sim senhor ao professor Egas Moniz!». «Conheci-o, pois, calçava número 39».
Grande pai! 
Eis, nesta história, uma lição de moral: se todos falassem do que sabem, Portugal era mais fácil.

8.7.12

O velociraptor

Havia na Malanje em que eu nasci uma senhora que para não ficar diminuída ante todas as outras cujos consortes antecediam o nome de um qualquer título académico, que afirmava, soube-o pela crónica familiar em que estas histórias se contavam, as de um mundo pífio a querer alçar-se em palafitas de vaidade, que o seu marido excelentíssimo, ou como dizia uma outra «o senhor que faz o favor de ser o meu marido» era «médico auxiliar da segunda classe».
O mistério foi rapidamente desvendado quando se descobriu que o homem era enfermeiro.
Lembrei-me disto sobre a circense história dos graus académicos e do velocímetro dos mesmos. Não por ser interessante mas edificante.

P. S. A imagem é a de um velociraptor, criatura arguta e rápido predador. Supunha-se extinto.

6.7.12

O pensar e o existir

O que são as redes sociais? 
Uma forma de cada um dizer o que pensa e o que se sente. Assim se assegura a liberdade de expressão quando a liberdade de imprensa a não permite.
Uma forma de cada um mostrar o que criou como artista. Assim se assegura a difusão cultural quando o mercado editorial não o possibilitaria.
Uma forma de cada um exprimir o que opina enquanto cidadão . Assim se assegura a participação cívica onde a partidocracia o impediria.
Mas as redes sociais são também um meio de cada um assegurar, como num jornal de parede, a manifestação do seu diário íntimo. 
Iludidos pela ideia de que estamos ante "amigos", damos conta do por onde anda o nosso ser exterior e o que povoa o nosso ser interior. 
O resto é a mundividência de cada um. Há os sedentos de interlocução, os carentes de palco. Há os que pretendem aplauso, os que esperam compreensão. 
Encontra-se ali o sublime e o patético. O ridículo também, este quantas vezes corporizado na tentativa desajeitada de se encontrar eco, outras por virtude das interpretações a que se prestam os actos e os gestos, as carinhosas e as malévolas.
É o reino da fantasia. A realidade perde a sua natureza material. O humano transmuta-se em mito. O facto cede ante a sua interpretação. 
Mundos de sombras e de espelhos, potencia a solidão sob a aparência de companhia, o equívoco à conta de tanto esclarecimento.
O FB esse pergunta ao abrir «o que está a pensar?» querendo significar «o que está afinal a fazer?». Essa a questão. O cartesiano «penso logo existo» dá vida a quem imagina que só assim a tem.

30.6.12

A Moral e o Legal

Perguntaram-me que jornal queria e tinham vários no avião. E sem vergonha pedi o ABC, sabendo-o de direita. E logo ali o primeiro facto simbólico, porque alguma esquerda prevaleceu-se vergonhosamente de intimidar a população, tentando convencê-la de que só à esquerda está o bom coração e a inteligência. E muitos que quiseram passar por socialmente preocupados e cultos alinharam por aí, ainda que vivendo no quotidiano a placidez burguesa, e ao filistino egoísmo juntaram a vulgaridade do trivial.
Li-o, sem preconceitos, passando adiante da parte em que se destacavam as touradas, porque as considero uma barbaridade e a indústria do que se chama "desporto" porque é ramo de negócio que não me interessa. Notei que tinha umas páginas dedicada à família, porque ainda existe e, neste desagregado mundo de solidão, renasce a nostalgia de que resista. Curioso.
Mas não vim aqui para gabar o jornal nem o meu gesto em lê-lo, sim por causa do artigo de fundo, escrito por Andrés Ollero, da Real Academia de Ciências Morais e Políticas, sobre a cultura política. Sobre as várias facetas do facto, sem peias. É a «fascistóide demonização do político» que surge no espírito dos eleitores pela generalização do opróbio a todos pelas culpas de muitos deles, daí resultando a impunidade dos prevaricadores fruto da indiferença face a todos quantos. É também a denúncia do cinto protector da presunção de inocência feita equivaler a presunção de irresponsabilidade dos que são apanhados em flagrante malfeitoria.
Lê-se como Literatura por pertencer àquele tempo em que, mesmo nos jornais e para os jornais se sabia escrever com classe e estilo. E surge com ironia o sarcasmo, a descrição do desfile dos novos ricos do poder e seu séquito, a alçarem-se a conezias que não sonhavam, a alusão aos prebostes de berço de ouro a estenderem-se pelo  trem de vida anafada a que se habituaram mas sem que lhes saia agora da carteira.
Magnífico texto, do que nele se trata é afinal de uma carta de marear pela linha que demarca a lei da moralidade. Protegidos pelas suas próprias leis, aos políticos tem restado o beneplácito da hipócrita fidalguia de quantos teorizam não poder a Justiça imiscuir-se na gestão da coisa pública, porque se contaminaria, vulgarizando-se ao politizar-se. Aí está o cerne: «os actos cujo juízo não se submetem aos tribunais do Estado caem debaixo da jurisdição do tribunal da opinião pública». A frase, que no artigo se cita, pertence a Jeremy Bentham. Em 1821 ofereceu-se para legislar em favor de Portugal na área do Direito Civil, Penal e Constitucional. Se não tivesse morrido em 1832, valeria a pena que o aceitássemos hoje, para que a Moral voltasse à Lei.

21.6.12

Crónica do relapso e astuto devedor

Sabem o que é a vergonha de ver o Estado fazer pouco da sociedade civil? Sabem o que é o desânimo de ver o Estado, que deveria ser o primeiro a dar o exemplo, a fugir às suas responsabilidades? Sabem o que é o Direito não ser a regra certa, mas a regra afeiçoável ao interesse de quem legisla e seus protegidos? Sabem o que é ver surgirem leis para dar razão a quem não a tinha? 
Basta ler o que consta hoje do Diário da República, sob o nome de Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21 de Junho, nomeadamente o artigo 4º onde se dispõe que em relação ao Estado: 1 — Consideram -se pagamentos em atraso as contas a pagar que permaneçam nessa situação mais de 90 dias posteriormente à data de vencimento acordada ou especificada na fatura, contrato, ou documentos equivalentes.».
Isto em relação ao Estado porque no que se refere à canalha vale o Código Civil e já se deve após o vencimento acordado sendo para data certa ou especificada.
Para Suas Excelências que nos endividaram e endividaram o Estado ao limiar da falência há sempre uma forma de empurrar o pagamento com a barriga, fazendo uma lei. Por ela só está em mora noventa dias depois de se estar em mora, através dela quem deve ainda não deve ou é como se não devesse. Pois claro! 
O pior, o sintomático, o esclarecedor é que a turba dos credores, esganados porque não lhes pagam, e têm no relapso Estado o voraz credor fiscal e o impune devedor, essa, diminuída em direitos e esmagada pela pressão fiscal, ainda agradece porque ao menos noventa dias ainda é uma esperança.
Até quando? Até quando?

8.6.12

O argumento ad hominem

Em certa política já nem a ordinarice tem limites.
Dom Januário Torgal Ferreira seguramente poderia ter usado a linguagem melíflua típica de um seminarista para se pronunciar sobre uma afirmação do primeiro-ministro o qual, com pose de duvidosa sinceridade, veio elogiar o povo português por sofrer em silêncio os efeitos da política de agressão salarial através dos impostos. Não o fez porque lhe subiu a revolta à boca.
Claro que "mão amiga" logo fez chegar ao jornal com maior difusão nacional o que diz ser o seu salário mensal. Queriam com isso atiçar a revolta do povo contra o clérigo contestante. A lógica era clara: porque, sendo ele padre, não poderia vencer aquele ordenado, deveria viver sim da caixa de esmolas das igrejas; porque ao ganhar o que ganhava era igual aos políticos que criticava.
Na teoria da argumentação há o chamado argumento ad hominem [contra o homem]. Se não puderes destruir o argumento destrói a credibilidade de quem argumenta. A política vive disto. 
Há só uma diferença: quem abriu a mesa deste jogo foram os da política. Fingiram-se contidos e remediados. Desde o Dr. Passos Coelho na primeira viagem ao estrangeiro a fazer de conta que viajava em turística como um exemplo, até às excepções das excepções aos cortes salariais a favor de uns quantos.
Mas há mais: ao fazerem constar quanto ganha um sacerdote que, afinal, pelo cargo que ocupa, está equiparado a major-general, gerando a noção de que é dinheiro a mais, queriam, eles próprios, incluindo os que ganham escandalosamente muitíssimo mais sem razão, esconder-se à sombra daquele que assim queriam emporcalhar.
A regra é simples: quem vive no chiqueiro lança lodo sobre os demais para que, tudo parecendo uma pocilga, não se note, no fundo, a diferença.

P. S. Escrevo isto com a legitimidade de quem já tomou pública posição quanto à ostentação da Igreja que se reclama de Cristo, quanto ao que se passa no IOR. Mas não é isso que está agora em causa. Ser pobre não dá mais razão. Ser pobre de espírito, isso, sim, faz perdê-la toda. A ver se em relação ao rebanho dos que não abrem a boca se publica a lista dos seus ordenados ou da riqueza que nem sabe de onde veio?

2.6.12

Hoje há palhaços!

Nunca ficou tão claro que o que chamamos «notícias» são alegações tornadas públicas por haver este ou aquele outro interesse em que sejam reveladas.
Lembram-se [ou já esqueceram na voragem do tempo] aquela exaltada história sobre a influência da maçonaria na vida pública portuguesa, com nomes à direita e à esquerda, alguns nomes  apenas diga-se? Lembram-se que a coisa atingiu nas mentes sensíveis dos leitores um paroxismo tal que parecia que os "filhos da viúva" dominavam o mundo e, por decorrência, este cantinho da Europa, em que as chagas de Cristo foram heráldica da primitiva bandeira afonsina? 
E lembram-se que tudo isso vinha a propósito do "super-espião"? 
E lembram-se que bastou certos nomes terem vindo ao de cima como pertencentes à "pedreiragem", para uma certa reportagem de televisão ter vindo mostrar que, como em tudo, havia os maus maçons e os bons maçons quase a roçar a frase do Padre Américo de que não há «maus rapazes» e o tema morreu ao raiar da aurora?
Notaram agora uma nova arremetida por causa de uma rede alegadamente ligada a branqueamento de capitais que moverá milhões e envolverá gregos e troianos? E notaram que bastou um certo semanário acusar a administração de um seu concorrente de também estar envolvida na teia para que este, sob protesto de inocência, recolhesse a quartéis as revelações que vinha fazendo considerando-as - ó salto mortal - prejudiciais às investigações criminais em curso?
Repararam que depois do psicodrama sobre a compra da TVI por uma certa empresa, que abriu telejornais e encheu páginas de periódicos e meteu inclusivamente comissão parlamentar, agora é a interligação dessa empresa com um ministro e o mesmo "super-espião" e com tudo o mais que seja?
E deram conta que os maçons continuam, a empresa prossegue, o ministro subsiste e o "super-espião" resiste, agora em vias de abrir a panela dos "segredos de Estado" que conhecerá?
É este o panorama. Com estes factos ou com centenas de outros. É só ir à Hemeroteca e ler. E ver quantos, cavaleiros andantes da denúncia, da delação, da intriga, aí estão. Como aí estão os factos denunciados, delatados e intrigados.
É o mundo da moral relativa e da ineficácia da razão, o mundo do espectáculo sobre a sordidez.
O problema das notícias, hoje, não é elas serem ou não verdadeiras, é elas serem interesseiras: sabe-se o que convém que seja sabido. Mesmo que não seja assim é, na frase risonha de Alexandre O'Neill, «o mundo em forma de assim».
O palerma do leitor, que antigamente comprava dois jornais para comparar entre o Diário de Notícias e o Diário de Lisboa, entre O Jornal e o Tempo, e tirar do que lia a média da verosimilhança do que poderia ter sucedido, agora pode comprá-los todos que fica na descrença total e com uma só convicção: tudo tem a ver com tudo, a podridão é total. E se "zapar" na TV...zarpa!
A degradação moral de um País não se alcança quando os cidadãos não acreditam nos jornais, sim quando acreditam neles à medida do que querem acreditar. É, por isso mesmo, que surge o negócio de "fazer notícias". Porque as pessoas já não têm convicção em coisa alguma, porque mentira e a verdade tornaram-se desinteressantes ante este mundo de conveniências prováveis.
Por isso os partidos da área do poder mudam de liderança como quem muda de casaca para poderem livrar-se das culpas passadas e tornarem acusadores das culpas presentes dos que estão no governo.
Nos seus tempos juvenis do jornal "Expresso", o hoje comentador obrigatório sobre tudo quanto é possível e através dele passa a ser real, Marcelo Rebelo de Sousa, naquele estilo azougado que sempre o diminui face ao que poderia alcançar ante a sua irrequieta inteligência, criava os chamados "factos políticos". Eis o que tem sucedido, connosco a assistirmos.
No meio disto a verdade passou a nem valer um desmentido quanto mais um processo. No dia seguinte já ninguém quer saber.
Que me lembre não tenho como hábito escrever sobre factos da vida corrente. Nem isto tem a ver com as situações que aqui cito. Sobre essas sei lá como são ou como se tornarão. Sei apenas que no meio do caos mediático em que se tornaram, tudo se transmutou como quando o circo desce à cidade, a lógica do espectáculo o «é entrar meus senhores, é entrar, que hoje há palhaços!». O nosso gozo é vê-los cair do trapézio.