28.11.06

O Rossio já está a arder?

Vim num instante ver o que se passava no que se chama o mundo real, como o preso que tenta, através das grades, imaginar o que será o mundo de onde lhe chegam as visitas. E dei conta que há por aí sarilho infernal por causa de uns militares que foram passear ao Rossio.
A coisa não é para menos. Era ali o Palácio de Estaus, sede da Inquisição, que ardeu. No seu lugar, foi para lá o Teatro Dona Maria, que também ardeu. Agora anda tudo em brasa porque uns quantos militares vieram passear ao Passeio Público, manifestando o seu desejo de mudança de ares.
A levar a sério o tom inflamado do que se escreve e diz a propósito de tão quente assunto, parece que estamos em estado de insurreição.
Não haverá por aí ninguém que se lembre de gritar «alto ao fogo»?

24.11.06

A eterna virgindade

O Manuel Villaverde Cabral disse há momentos num programa que quase nunca vejo, que «o Presidente da República se tornou o número dois do Governo», com a compreensão da «esquerda complacente».
Antes esta constatação certeira de um homem com uma inteligência à solta, lembrei-me dos meus estudos de Medicina Legal e no necrotério da nossa intelectualidade sem ideias, vou reler essas velhas sebentas para perceber a política que por aí se autospia nestes debates.
É que na Medicina Legal há um capítulo sobre hímenes complacentes, os que resistem a todos os coitos. Na esquerda há do mesmo, os coitados: com o PS no Governo, a tudo se adaptam, elásticos e ginasticados. Venha quem vier, estão sempre virgens.

16.11.06

Os deveres portugueses

O Diário Digital titula: «Portugal cumpre o seu dever e goleia Cazaquistão».
Acho genial a ideia que subjaz a este modo de narrar os 3-0 de ontem. Até eu, que não sei nada de futebol, vibro em clamor verde-rubro. A Nação dos Portugueses, nautas afoitos que deram novos mundos ao mundo, cumpriu ontem «o seu dever», em Coimbra.
Eis um novo conceito constitucional, mandato imperativo de Direito Natural, que o Estado exige, a Nação reclama, e os 11 da selecção, reduto final da Pátria, cumpre aos pontapés.
Se a nomenclatura pega, e passa dos estádios repletos [30 mil na cidade dos doutores] para as alcovas conjugais, o «cumpre o teu dever» ciciado num amplexo de amor, transformar-se-à, no acto de o cumprir, num berro machão que acorda em casa, assustadas, as crianças e traz, inquietos, os vizinhos ao patamar:«é golo! é golo! é gooooooooooooooolo!!!!!!!!!».

10.11.06

Caça fluvial

A leitura da folha oficial ainda vai proporcionando momentos de bom humor. Para quem se aborrece pelos tribunais, é um intervalo de alegria infinita. A terminologia portuguesa para descrever a nossa santa terrinha, ajuda à bonomia. Veja-se só a Portaria que vem hoje no Diário da República, aquela folha tristonha de literatura árida, prosa sonolenta escrita por gente mandona: «cria a zona de caça municipal da Golegã, pelo período de seis anos, e transfere a sua gestão para o Clube de Caçadores de Riachos». E eu a imaginar que nos riachos havia pescadores, afinal há caçadores. Só se for de gambuzinos!

8.11.06

A memória do que foi

Na batalha de Somme, na Primeira Guerra Mundial, numa só batalha, morreu um milhão de pessoas. Escrevo isto e pergunto-me se a concordância verbal não me levaria a ter de escrever morreram um milhão de pessoas. É a selvajaria do perfeccionismo no dizer, os mortos já enterrados no fundo da nossa memória.

3.11.06

O mundo dos outros

A pessoa responsável que tem uma profissão exigente, o senhor respeitável que tem uma reputação antecedente, não deveria ter momentos de intimismo que nesta minha variada escrita se traduz. Um ser assim deveria viver em prosa e proibir-se a poesia, anular em si os sentimentos, trocar enfim, definitivamente, o coração pela cabeça. Não é que eu gostasse de ser assim, os outros é que sentiriam mais seguros, a normalidade unidimensional como uma garantia. Claro que, nos momentos de desespero, descobrem-se tristes nas suas lágrimas e anseiam um íntimo que os entenda. Felizmente para ele é só num breve momento de ténue fraqueza. No mais são todos uns heróis, muito práticos e altamente eficazes. Quanto a mim, daqui a pouco visto-me, de fato e gravata, a pasta das obrigações, os horários a cumprir, pelo mundo dos outros, até que a noite os recolha.

1.11.06

Pontos nos ii

Usar um blog alheio para anonimamente chamar «paneleiro» a uma pessoa, «múmia» a outra, não quadra nos parâmetros aceitáveis deste meu espaço. Por isso apaguei um comentário que aqui foi aposto, em que tal sucedia. Fá-lo-ei sempre sem hesitar. Fi-lo, apesar de a pessoa que o escreveu ter tido palavras amáveis a meu respeito.
Assino tudo o que escrevo, ainda que sujeitando-me a represálias. Tento compreender o anonimato, não aceito, porém, o insulto anónimo, mesmo que sejam outros os visados, ainda que se trate de pessoas que não aprecio.
Quem quiser ter liberdade de expressão crie o seu espaço, não invada subrepticiamente o dos outros.
Os blogs não são uma sanita pública. Por uma questão de higiene, aprendi a puxar o autoclismo!
Já agora e a propósito de uma outra polémica que está a surgir por eu ter respondido com cortesia a um outro blog: para mim não há pessoas com estrelas amarelas ao peito com as quais esteja proibido de falar, seja para as criticar asperamente ou para lhes agradecer a amabilidade da referência. Sou pela inclusão tolerante, não pela exclusão rebarbativa. Eu sei que é defeito, mas sendo-o, é defeito de origem.