31.8.07

O dolce fare niente

Há uns infelizes que são sempre o objecto do gozo alheio pela sua calma, pela lentidão, pela tranquilidade, pela preguiça, numa escala crescente que começa nas características e termina sendo um catálogo de defeitos.
Os povos do sul, neste aspecto, são sempre o bombo da festa dos nortenhos. Estes, porque se julgam mais perto dos céus, tendem sempre a endeusar-se, qual raça superior, sacerdotes da Montanha Mágica, senhores das alturas.
A última veio na forma de uma gracinha: nesta terra até os cães ladram sentados! É verdade, mas não mordem.

30.8.07

Durão Barroso, especialista em fugas

Leio na imprensa, que o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, alertou para a fuga de cérebros europeus para outras regiões do mundo. Ele, que se escapou do país para Bruxelas sabe bem do que fala.
Quando escrevia no «Diário de Notícias» uma coluna que tinha o nome deste blog, e precisamente no momento em que ele hesitava entre ficar a governar-nos em Portugal ou governar-se no estrangeiro, publiquei um artigo a que chamei, em boa terminologista maoista: Durão, o grande salto em frente.
Parecerá imodéstia que o lembre hoje?
«Durão Barroso vive um dos mais cruéis dramas que um homem pode enfrentar: está dividido entre uma lealdade e uma ambição.
A lealdade, essa é ao cargo que desempenha, e foi isso que ele jurou diante do Chefe do Estado, no acto da sua posse: o desempenhar com lealdade as funções que lhe foram confiadas.
A ambição, é face à sua fulgurante carreira política, e foi isso que ele terá jurado a si próprio, no dia em que trocou o desalinho verbal do «radicalismo pequeno burguês de fachada socialista» pela pose composta de estadista de recorte conformista.
O drama tem objecto, o que não se sabe se tem é profundidade.
Em nome da ambição, Barroso aceita a presidência da Comissão; em nome da lealdade, Barroso recusa-a.
Por causa disso, Barroso vive já um grave problema pessoal.
Seguramente que Bruxelas apetece e Lisboa aborrece.
Entre ambas as capitais, a europeia e a portuguesa, não há comparação que resista.
Conviver com os grandes sempre foi melhor que aturar os pequenos. E nesse aspecto Barroso é um «dandy» intelectual.
Além do mais, Barroso sabe o que o futuro lhe traz: de Lisboa por certo sairá sempre mal, de Bruxelas é possível que possa sair-se bem. Portugal está farto dos seus líderes, a Europa anseia liderança.
O que está em dúvida, no momento, é saber se Barroso, líder que é de um partido, pode escolher. Uma fonte desse partido disse à imprensa que o PSD não lhe perdoaria: percebe-se, porquê. Sem ele, o partido, pior do que não ter alternativa de liderança, parece que tem apenas Pedro Santana Lopes para oferecer.
Nesse aspecto, no PS foi mais fácil, porque ali há uma lei dinástica há muito estabelecida: rei que perde, morre, rei que ganha, é morto.
O exemplo recente é, aliás, edificante: na noite da vitória socialista, na mesma em que na nave central se cantavam exéquias ao candidato europeu falecido, na sacristia, já uma tríade de candidatos à liderança afiava facas para o assalto ao poder.
Ora é nestas amarras da política que Durão Barroso se encontra cercado.
Para já, Barroso optou por uma atitude prudente e inteligente: mandou dizer que não é candidato.
A diferença é subtil: não está escrito em sítio algum que para o cargo de Presidente da Comissão não se possa ser eleito sem se ser candidato.
Daí decorre um efeito: Barroso não disse que não aceitaria o cargo, apenas disse que não se candidatava a ele.
O que, em si, implica uma consequência: o máximo da vitória é ser-se eleito para aquilo para que nem sequer nos candidatámos. Se o vierem buscar a casa e o coroarem imperador da Europa, Barroso mais do que eleito, terá sido aclamado.
Claro que vista de Lisboa, da solidão angustiante do seu gabinete na Rua da Imprensa, em certos momentos, a Europa deve parecer-lhe um apetecível refúgio: Durão Barroso se não quer concorrer à Europa, quer é que o tirem de Lisboa. E quanto mais depressa melhor.
Com uma variante: é que se for para Barroso não ir, ao menos ganhe António Vitorino, porque os dois juntos em Lisboa, isso, é demais: pior do que o desapontamento de um, ao não ter ido, é a frustração do outro, ao ter vindo
».
Ao reler isto só posso tirar uma conclusão: há quem não goste mesmo de mim, e eu até sei porquê!

27.8.07

Parece mal, mesmo!

Nós sabemos que a imprensa nem sempre é rigorosa. O Jornal de Negócios, pois tem muitas notícias, algumas publicitárias, sobre advogados, deveria sê-lo. Fica mal escrever-se: «o bastonário da Ordem dos Advogados, que representa a Teixeira Duarte», em vez de «Rogério Alves que representa a Teixeira Duarte! É a confusão total. Parece que há Advogados Bastonários e Bastonários Advogados.

26.8.07

Um mundo a sério

Segundo li esta manhã na imprensa «houve pessoas que esperaram duas horas para ter lugar» na Feira Erótica do Algarve. Mais: «o anúncio de que ia haver uma sessão de sexo ao vivo deixou o público da feira «Sexy 2007» em alvoroço». Mais ainda: «durante a feira erótica, que dura até domingo, existem «stands» de venda de artigos e acessórios sexuais e realizam-se «castings» para a produção nacional «O melhor filme pornográfico do mundo».
Quanto aos «castings», sublinhei esta parte: «os homens candidatam-se mais na brincadeira, mas as mulheres levam isto mais a sério», observou.
Numa feira em que «na zona de «swing», reservada apenas a casais, um casal de actores convida outros casais a compartilhar a cama e realizar novas experiências, num pavilhão recatado e longe do olhar do público em geral», percebo o que é o «isto», fico é sem perceber o que é o levar isso «mais a sério». Eu a pensar que era tudo a brincar!

25.8.07

O SLB e o Sigmund Freud

O freudismo acabaria por chegar ao futebol, ainda que pela pena dos cronistas.
Na edição on line do blog do Expresso vejo a pergunta «Será o Benfica um clube «gay» em processo de saída do armário?».
Pensava eu, leitor superficial, que a coisa teria a vêr com a mudança da cor das camisolas, mas não só, pois há na prosa mais adjuvantes argumentativos.
O primeiro, vem no texto: «OPA de Joe Berardo e as suas declarações que tumultuaram o balneário do clube, são evidências de que o pândego madeirense assume que o clube é mulher. Outra explicação não arranjo para o facto de o querer fecundar (é o verbo mais educado que arranjo para descrever as intenções do empresário face ao Glorioso)».
O segundo, vem no lead: «A assunção da sua feminilidade terá o condão de por o SLB em perfeita sintonia e harmonia com o sexo da zona onde tem implantada a sua catedral (a Luz), o seu ícone (a águia) e a sua cidade (Lisboa)». [fim de citação].
Lê-se e hesita-se.
O que vale é que, neste mundo, tudo serve para justificar tudo, e quanto a tudo se pode dizer que é entre o sério e o a brincar!
É uma análise «gay» esta, no sentido de brincalhona, claro. Mas a partir dela, as ilustres senhoras que a tiverem lido, ao verem que os seus queridos esposos, amantes, namorados ou passeantes ocasionais, trocam o leito amoroso pelo sofá da TV, as delícias de uma carícia por um remate do Paulo Bento, o erotismo da sua macia fêmea pelos onze musculados do Camacho, terão um motivo plausível de queixa e uma razão de grave desconfiança.
O pobre do médico de Viena, sobre cuja sexualidade já há quem desconfie, bem se pode revolver na tumba, onde bem estaria inumado num sofá, mais a sua ciência sempre com o falo na cabeça.
Depois da investigação sobre registos de um hotel na Suiça, um sociólogo julgou ter descoberto a prova escandalosa de que ele teria mantido uma relação incestuosa com a própria cunhada. A tese terá convencido o seu biógrafo oficial. O biógrafo chama-se, ironia do Destino, Peter Gay! Sobre isso vem tudo aqui. Quem quiser que acredite e, entretanto, viva o Benfica!
Ah! O dito cronista continua: «um clube de futebol ser mulher não é, em si, nada de mau, convençam-se disso, meus preclaros amigos benfiquistas». E eu a pensar que os gay eram, como dizia a Simone Beauvoir, o «terceiro sexo»!
Definitivamente desisto! Antes ver o «Sexo na Cidade», que não vejo, e tenho raiva a quem vê!

21.8.07

Santíssimo Sacramento, como isto vai!

Houve um ministro, que ainda é ministro, que se notabilizou pela frase «esta não é a minha polícia», a mesma polícia que o tivera como ministro.
Ora, ou eu me engano muito ou, qualquer dia, há no MP quem ainda se notabilize por vir a público dizer a mesma frase, na variante «esta não é a minha Judiciária».
Entretanto todos falam na cooperação institucional entre a Procuradoria e os OPC's com um ar composto e de muito notáveis silêncios forçados.
Como disse o Maquiavel no livro que escreveu para o Lorenzo de Médicis, «a guerra não se evita, apenas se adia»!
Cytoiens, aux armes, portanto!

20.8.07

Sinais exteriores

Segundo a imprensa, «os funcionários públicos que apresentem sinais exteriores de riqueza «não condizentes com a declaração de rendimentos» poderão ser alvo de processos disciplinares, segundo a nova Lei Geral Tributária».
Percebe a lógica quem entender o país em que vivemos.
O que subjaz a uma tal política é o triunfo da «riqueza encapotada», a «falsa modéstia», os muros altos e entrada discreta a esconder, por detrás, a sumptuosa vivenda e a piscina coberta, as lautas ceias e a garagem nutrida, o círculo privado para onde se levam os «visons», onde se exibem as jóias e outros adereços.
É que o que se persegue uma vez mais, são os «sinais exteriores», o mostrar e o exibir, não o ter.
É a máxima do «desde que eu não saiba», mãe de todas as hipocrisias, a benção às públicas virtudes.
Há nisto tudo, por outro lado, algo de chocante: é tornarem-se como destinatários de uma tal perseguição os «funcionários», muitos dos quais almoçam no come-em-pé para pagarem a letra do carro, vivem o resto do mês com o cartão de crédito do mês seguinte.
Porque os outros, os que mostram mesmo e se pavoneiam de facto, esses, de pessoal, pessoal, pessoal, mesmo, coitados, nada possuem. São na grande maioria «consultores» das suas, perdão, das empresas do sei lá de quem.
O tempo dos «bens ao luar» esse já foi, ante o eclipse fiscal que agora deu, o Estado esganado por dinheiro, os contribuintes a quererem esganar o Estado.

18.8.07

Ser ou não ser engenheiro: uma questão de colocação social

Estudioso amador da filosofia portuguesa e deixando num blog algumas notas esparsas sobre as ainda dispersas leituras, encontrei ontem, ao sair do barbeiro, imagine-se!, numa livraria que devia frequentar mais, uma colectânea de artigos, conferências discursos e cartas da autoria do filósofo portuense Leonardo Coimbra. Compilou tudo, com devoção e humildade, Pinharanda Gomes que nesse paciente trabalho mostra como é um grande homem, ao encarregar-se destes trabalhos que outros considerariam menores. Editou-o a Fundação Lusíada.
Hoje, sábado de tarde, deixei-me ficar por casa, depois de algumas surtidas utilitárias à chamada «rua», com o desejo de escrever e a vontade de ler.
Fui então dar uma espreitadela ao livro, folheando-o, como é por vezes meu hábito, de trás para a frente.
As últimas páginas são dedidacas à conversão ao catolicismo daquele que viveu uma vida inteira como se sem Deus e de quem Deus parecia ter-se esquecido ao condenar-lhe um filho a uma grave doença quase fatal; conversão a que se seguiria a morte a curto trecho.
Mas não foi por aí que me fiquei.
Revirando folhas, dei com este momento histórico. Vejam só as malhas que o acaso tece.
Como se pode ver melhor aqui «em 1924, a lei n.º 1638, de 23 de Julho, veio conferir o título de engenheiro auxiliar aos diplomados pelos institutos industriais e incluindo os condutores nessa designação. A reacção dos engenheiros não tardou. Os alunos do IST mobilizaram-se numa greve académica, cujos efeitos, prolongando-se para lá do golpe militar de 28 de Maio de 1926, conduziram à efectiva protecção legal do título de engenheiro em exclusivo para os diplomados pelas escolas de ensino superior e conferindo o título de agente técnico de engenharia aos antigos condutores e aos diplomados pelos institutos industriais».
Ora foi neste ambiente de insurreição entre engenheiros e agentes técnicos que num opúsculo sem data intitulado «Aos legisladores da República Portuguesa», consignou o seguinte parecer: «concordo plenamente com tudo o que seja marcar pelo seu verdadeiro nome cada indivíduo e cada profissão. A ordem nas sociedades depende da boa colocação social de cada competência e o lugar social da competência é marcado por um título ou diploma. Eis pois porque vos dou razão».
Não pensem que fiz de propósito! Estou inocente! A vida e os seus ensinamentos é que vieram ao meu encontro. Juro!

15.8.07

A nudez forte da verdade fiscal

Que um Governo queira desvendar segredos bancários por andar a perseguir crimes, compreende-se. Que um Governo não queira que a evasão fiscal se acoberte atrás do sigilo bancário, entende-se. Que sem sigilo bancário começa a não haver dinheiro nos bancos portugueses, aprende-se.
Agora que um Governo ameace quem reclama fiscalmente de lhe quebrar o segredo bancário, é mais do que uma imoralidade: é o Estado a impor o que pode nem ser devido, ameaçando usurpar o que poderia nem ser permitido.
Ou pagas ao Fisco o que o Fisco quer, ou ficas despido com a tua vida bancária toda ao léu.
Em vez do cobrador de fraque, é o devedor em pilau...

14.8.07

À procura de um livro

Andei à procura de um livro. Sabia que era edição de autor e que o autor vivia no norte do país. Nada como procurar uma livraria, claro.
O local onde o autor mora é uma cidade.
Nessa cidade a Câmara Municipal desenvolve uma activa promoção cultural, como o mostra um «site».
A essa cidade estão ligados importantes vultos da cultura.
Tentei saber por livrarias.
A resposta foi: bom, livraria, livraria, não há. Há livrarias/papelarias. Havia. Umas duas ou três.
É este o retrato do país.
Em cada cidade, há milhentos cafés e cervejarias, dezenas de lojas de bugigangas, ourivesarias algumas, seguramente até umas quantas casas de serviços íntimos, mais ou menos disfarçadas. Agora livros! Isso é uma chatice, até por fazerem dores de cabeça...
Eu dizia acima que andei à procura de um livro. Não! Eu andei foi à procura de um país.

13.8.07

Um click

Estar-se a trabalhar escrevendo num computador portátil; através dele, receber emails e pelo msn resolver na hora problemas e prevenir algumas complicações. Mais: entrar no site da CP e ver nele os horários dos comboios, comprar o bilhete, pagá-lo ali mesmo, poder escolher o lugar, receber no telemóvel um sms com a confirmação de tudo, o qual pode ser mostrado ao revisor como se bilhete fosse, deixem-me pensar que é um mundo maravilhoso, ao alcance de um click,há uns anos absolutamente impensável.
Claro que, com tanta tecnologia ao meu serviço eu, em vez de ter ido para a a estação mais cedo comprar o bilhete, ou um dia antes com receio de o bilhete se esgotar, e nisto tudo e mais na espera e no não tenho troco, e já não lugares à janela, com tanto de bom e de moderno e de tecnologicamente útil, vou como quero e onde quero desde o momento em que o quero.
Por isso mesmo, hoje deveria ter ganho um ror de tempo, uma oportunidade imensa para fruir a vida e dela retirar o melhor: em vez do tempo perdido, passeava, dormia, almoçava, lia, curtia em suma, como agora se diz.
Não! Mal tive tempo para almoçar, fiz mil coisas a correr, entrei no comboio no último momento, porque aproveitei todos os minutos e cada um dos minutos como se a vida fugisse, a maioria do tempo a cumprir deveres, satisfazer obrigações, fazer o inapetecível.
Foi aí que me surgiu o click: e se isto tudo estivesse errado, por atentar contra o direito natural à preguiça, ao doce remanso, ao eterno descanso?

12.8.07

Arranjar-se

«Era chic falar em virtude, mas era tolice ser-se virtuoso», escreveu Manuel Laranjeira, a propósito da sociedade em que viveu o escultor Augusto Santo, de que apenas consegui encontrar no Museu Soares dos Reis um bronze representando Ismael. As palavras são duras: «Nesta nossa decadência de povo parasita, condenado a viver de expedientes, era consolador, tragicamente consolador, ver que a arte filha desta nacionalidade a não renegava e a acompanhava na biltre existência de cogumelo social (...). Como ilação fatal deste modo de viver, fervilhava o elogio mútuo, a simbiose da malandragem, a hipocrisia, o mimetismo que garantisse a pilhagem deste magro desfazer de feira. Esse estado psíquico da nossa sociedade tinha a sua expressão nítida numa palavra - arranjar-se». Isto foi assim visto em 1902, num Portugal eterno nas virtudes, perene nos defeitos.

11.8.07

Ruínas urbanas

«Um robot que sobe e desce escadas e se desloca autonomamente em edifícios em ruínas vai ser apresentado pela equipa portuguesa que o concebeu numa demonstração que se realiza para a semana na Suíça». À atenção da Câmara Municipal de Lisboa, ao cuidado do departamento de urbanismo.

10.8.07

A morte do viril

Desde que a sociologia estatística fez a sua aparição com ares doutorais ela tem permitido provar tudo. A crendice supersticiosa do vulgo no positivismo que se apresente como ciência tem ajudado. Em nome disso orientam-se políticas e lançam-se detergentes, todos baseados na reconstituição do que as pessoas pensam. Em nome disso há ideologias persecutórias e de exclusão, racismos primitivos e imbecilidades domésticas. Nas noites eleitorais então é o auge do método: os resultados das urnas são sempre a mera confirmação das «sondagens» sociológicas.
Ninguém acredita na individualidade da pessoa, na liberdade do ser, no improvável da conduta humana. O «vocês são todos iguais», passa das zaragatas conjugais, ainda em pijama matinal, para os laboratórios universitários, de bata branca nocturna. Segundo este ramo do saber, nós não somos almas, somos números!
Por isso uma universidade, a de St. Andrews, conseguiu apurar e eis que o leio na imprensa da manhã, que «as mulheres consideram que os homens com traços efeminados são mais fiéis e susceptíveis de se empenharem numa relação longa do que os homens mais viris».
Mas mais: é que a mesma universidade conseguiu saber que «os homens com queixo quadrado, com nariz mais largo e olhos mais pequenos foram designados como mais dominantes, menos fiéis e com uma maior tendência para se revelarem maus pais, com personalidades menos calorosas».
Claro que o Lavater, fisiogonomista, que no século dezoito concluía sobre o carácter humano a partir das particularidades morfológicas do indivíduo, está hoje no mundo das velharias pseudo-científicas. E mesmo o Cesare Lombroso, quando encontra atavismos físicos em certos seres que os assemelhava à ferocidade animalesca, donde propensos à delinquência, já foi. Este último valorava a assimetria craneana e a pilosidade, como factores altamente relevantes. Os de St. Andrews, tal como os nazis, esses medem o queixo, e se os lábios são arredondados, os olhos maiores e as sobrancelhas mais curvadas. Talvez meçam outras coisas que não dizem.
Enfim, neste ler matutino há só uma coisa que me preocupa nesta manhã de sexta-feira, ao olhar-me ao espelho, e ao não me ver diáfano e imberbe, nem bem lançado de formas ou suave de maneiras. É que o raio do estudo conclui, pela boca do professor David Perret ,que «os nossos resultados contradizem as afirmações segundo as quais o machismo é sinónimo de boa forma física e de saúde».
É que com esta é que eles me arrumaram de vez: ser masculino de sexo e de aparência já eu tinha percebido que estava fora de moda, hoje entendi cientificamente o que sabia empiricamente o que nos põe debaixo do vigilante olho conjugal, mas, ó Céus, fiquei convencido universitariamente que nos larga no cemitério, antes dos outros.
Vou para a praia mais logo e quando me cruzar com um daqueles mandris musculados, de tanga, orangotangos peludos, de coleantes shorts, gorilas bronzeados, de bícepes ostensivos, ante o olhar guloso das mulheres dos outros e enxofrado das próprias, ainda os aviso, em nome da ciência, a bem da sobrevivência da espécie: «vais morrer pá! Não tarda nada, de tão macho tão macho que és, ficas teso que nem um pau, em rigor mortis perfeito, hirto e defunto, na quinta das tabuletas!».

7.8.07

No comboio descedente

Há quem ouça «No comboio descendente vinha tudo à gargalhada, uns por verem rir os outros e os outros sem ser por nada» e pense que se trata de um poema do José Afonso. Não é. Foi o Fernando Pessoa quem o escreveu. Termina assim: «No comboio descendente mas que grande reinação! Uns dormindo, outros com sono, e os outros nem sim nem não – no comboio descendente de Palmela a Portimão».
Lembrei-me disto, no comboio descendente, de Entrecampos a Loulé. Lá dentro, escoltada entre mamã e avózinha uma insuportável criancinha, perfeito endemoninhado luciferino, que gritou, choramingou, pontapeou, mordeu, jogou-se ao chão, ante uma carruagem inteira capaz de se virar ao nângero à chapada mas a conter-se. Num momento único em que um sabujo passageiro foi, solícito e cortês, buscar entre os assentos um brinquedinho com que a vóvó tentava acalmar a besta fera ouviu-se, da boca da respeitável e complacente anciã, um murmúrio, como se lhe devessemos todos desculpas por irmos ali a gramar aquele infante delinquente: «são crianças, não é?». É, pensei eu, no comboio descendente, entre a grande reinação.

6.8.07

Heróis debaixo do mar, nobre povo!

Leio com júbilo patriótico que «Portugal passou formalmente a ter, desde Junho, a jurisdição sobre um pedaço do leito marinho fora da Zona Económica Exclusiva (ZEE), ou seja, para lá das 200 milhas consagradas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), noticiou o jornal Público. Com a dimensão de 2215 hectares, este é só o primeiro passo de um alargamento muito maior do fundo marinho sob jurisdição portuguesa».
O «Diário de Notícias», citando amavelmente aquele seu jornal concorrente titula a notícia: «Portugal ganhou pedaço de território submerso».
Os Zarcos, os Gamas de hoje enfrentarão os Adamastores contemporâneos de escafandro! Nação valente e imortal!
A Pátria de Camões que «deu novos mundos ao Mundo», cujas naus sulcaram «por mares nunca antes navegados», segue hoje a gesta heróica debaixo de água. Sinal dos tempos, sem dúvida.

4.8.07

Ataque sobre a defesa central

Há um semanário que explica hoje aos leitores qual vai ser a minha linha de defesa num processo em que sou advogado. Como eu ainda não decidi qual vai ser a defesa, nem falei sobre isso com jornalista nenhum, resta-me explicar como é uma pessoa se deve defender dos jornalistas que inventam qual vai ser a nossa linha de defesa. Há um meio: não ler! É que há o risco de uma pessoa defender-se como eles sugerem e ainda se tramar com isso. Apre!

A charmosa Janaina

Eu sou Advogado e apesar de tentar levar a vida com bonomia, vivo num mundo de gente cinzenta, a maioria mal-disposta, quase todos sorumbáticos, de vestes talares, falas redondas e muito doutorais no verbo e barrocos no estilo. A maioria dos da Justiça não riem, quando muito fazem um esgar. Ora vejam só qual a minha surpresa ao ler na Gazeta Digital do Brasil a propósito da Ordem dos Advogados de Mato Grosso esta local: «a charmosa Janaina Gayva empresta seus conhecimentos à assessoria de imprensa da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Mato Grosso. Diga-se de passagem vem sendo muito bem conduzida pela jovem profissional, que respalda o trabalho dos profissionais por todo Estado». Com a charmosa Gayva de Mato Grosso, a maioria dos advogados do Estado reformam-se para passarem o dia por ela respaldados, na Caixa. Melhor só se disfruta em Pernambuco ou em Belo Horizonte...

A Feira do betão

O ano passado, pelo Verão, vim à Feira do Livro de Vilamoura falar sobre um livro que tinha publicado, a biografia de uma russa, agente dupla, chamada Nathalie Sergueiew. A noite estava quente, tudo decorreu em animada conversa, numa tenda bem decorada e com uma assistência empenhada. Depois, dei uma volta pelos pavilhões onde havia livros que eu não conhecia, ao lado dos clássicos «monos» que os editores tentavam escoar. Lembro-me que saldavam ao preço da chuva a obra do Jorge Luís Borges, em português, que me recusei a comprar, porque queria adquiri-la na língua original, como venho a fazer, aos poucos. A noite rematou com uma estadia, paga pela organização, num quarto de Hotel contíguo, um hotel charmoso e com um toque de luxo.
Por uma noite imaginei-me um escritor de sucesso com público certo e dormida garantida.
Lamentei então apenas que a Feira estivesse num sítio esconso, mas mesmo assim os veraneantes que se passeavam e mostravam no vai-vém nocturno pelo paredão da Marina ainda davam lá um pulo.
Dissseram-me os habitantes vilamourenses que a dita Feira já havia sido nos jardins do Casino e por isso mais acessível e portanto mais concorrida. Mas estava bem.
Ontem à noite, lembrei-me da Feira, fui lá, mas para cair fulminado pela surpresa. Tudo se resumia agora a uma tenda, com livros a maioria fracos que meia dúzia de editores ali haviam conseguido colocar, às pressas, através de dois ou três distribuidores.
Explicação: a urbanização que apoiava a Feira do Livro havia sido vendida aos espanhóis e estes «sabe, estão mais interessadas na área imobiliária». Lá voltei para casa, macambúzio, com um Agostinho da Silva debaixo do braço, em que um um dos títulos de capítulo se chama «Tudo mudou e o diabo deste país não muda».

1.8.07

Férias exóticas

Com o chegar do mês de Agosto entra parte do país em férias reais, outros em férias imaginárias. Nos últimos anos os portugueses passaram, queiram ou não confessá-lo, a viver melhor; ou então há nesta divisão mundial de riqueza qualquer fenómeno novo. Dei conta que há pessoas com empregos modestos a passar férias nas Caraíbas, enquanto no tempo da minha infância as famílias provincianas, com o sacrifício do ano todo, alugavam uma casinha na Costa Nova, em Espinho ou os mais afortunados na Figueira, para irem a banhos, pai, mãe, filharada, os avós, a prima, a tia e até o cão e o gato. Comia-se em casa o jantar e almoçavam-se sandes. À noite os velhotes passeavam na marginal, os mais novos sentavam-se à volta de um café a noite inteira na esplanada do sítio. Regressados, dormiam nos mais improvisados locais, o WC um lugar de disputas ferozes e de discussões pestilentas.
Estaremos todos mais ricos? Ou com a aviação comercial a transportar gente como mercadorias e com o que aqui se pagaria por um pequeno almoço uma família desses paraísos tropicais poder comer a semana toda, a exploração do turismo exótico está ao alcance de todas as bolsas?