29.4.08

A luz e a sombra

Um site francês chamado «Vie de Merde», dá a todos a oportunidade de defecarem os seus lamentos. «Ma vie c'est de la merde, et je vous emmerde» é o lema do lugar, que pode ser encontrado aqui. Muitos dos escritos são sobre desencantos sentimentais. Talvez haja neste irado lugar mais voyeurs do que escritores. Sucede, aliás, isso mesmo, todas as vezes que nos queixamos: há sempre alguém que aproveita para nos mostrar que está pior e fazer-nos envergonhar do atrevimento de ter estado mal. Acho que é por isso precisamente que há velhos contentes com o seu mundo de sombras, por verem tantos jovens infelizes com todo o universo de luz.

25.4.08

25 de Abril, sempre!

No dia 25 de Abril não foi o «levantamento nacional anti-fascista» quem fez cair o regime, sim os militares que o serviam. Uns dias depois, a 1 de Maio, aquilo que era um golpe do que começou por ser o «movimento dos capitães» transformou-se na «aliança Povo-MFA» e entrou-se rumo ao socialismo de Estado, com a desordem a instalar-se e a tropa a ser incapaz de dominar uma situação a ganhar foros de insurreição Depois, foi o 11 de Março e 25 de Novembro, os milicianos, os do Quadro Permanente no meio da turba desordenada, apparatchiks armados a tentarem ser a muralha de aço de uma cada vez mais próxima república de sovietes.
Hoje cá estamos. Morreu Salgueiro da Maia, morreu Melo Antunes, morreu Galvão de Melo, morreu António de Spínola, morreu Adelino da Palma Carlos, morreu Vasco Gonçalves, morreu Francisco da Costa Gomes, morreu Álvaro Cunhal, morreu Emídio Guerreiro, morreu Sá Carneiro, morreram Marcelo Caetano, Américo Tomás, Franco Nogueira.
Feito o balanço do sucedido, cada um que tire as conclusões que entender: os que dizem que Abril nos trouxe a liberdade de expressão, queixam-se que reina o medo de se falar; os que dizem que acabou a alienação do povo, encharcam-se de tele-lixo e futebol pela noite fora; os que que querem mostrar que hoje se vive melhor, sabem que as famílias portuguesas estão falidas de dívidas à banca.
Claro que há muita coisa boa, como o engenheiro Sócrates ter presidido à Europa, porque todos os países da Eurolândia presidem num jogo circular de fingimento, como comanditários de quem realmente manda. E, claro, não há a PIDE enquanto polícia torcionária, mas multiplicaram-se as polícias de informações, as escutas telefónicas a serem as novas moscas de uma falsa liberdade.
Hoje comemora-se aquela gloriosa madrugada. Nesse dia estava eu no Quartel em Mafra em Armas Pesadas de Infantaria, mau grado pesar 48 quilos. Quando me fui queixar, percebi que graças à António Maria Cardoso, tinha carimbo e ficha que me puniam por aquela forma, o canhão sem recuo como companhia, o morteiro como esperança. Quando requeri um manhoso lugar de delegado interino do procurador da República não importa onde, a mesma ficha funcionou. Nunca pedi na Torre do Tombo para ver o meu processo. Não quero confrontar-me com o saber quem terão sido os «bufos». Já me bastou ver muitos daqueles que, alegremente, entraram para cargos sob o beneplático do regime que há 34 anos caíu, a estarem hoje muito à esquerda, alguns anafadamente à esquerda de mim, censores da nova Ordem, polícias das ortodoxias.
Estou só, sempre o fui, um individualista marginal. Neste meu canto, vendo as comemorações cada mais oficiais, cada vez menos populares, cada vez no ghetto, pergunto-me sombriamente: Abril valeu a pena? Respondo: valeu, apesar de tudo, sim, valeu! E por ter valido a pena e para ser totalmente honesto, justifica-se hoje, ante a miséria política, a bandalheira de valores, o espírito de argentarismo burguês, o vira-casaquismo partidário, face à nova Legião que corrompe Portugal, que haja, furiosamente redentor, um novo 25 de Abril que nos tire desta miséria vergonhosa em que nos atolámos.

22.4.08

Bilhete de ida

A ideia que eu tinha sobre a pobreza irredutível era sobretudo a dos países asiáticos e africanos, cujos melhores filhos tinham uma hipótese de estudarem na Europa e nos Estados Unidos da América de onde já não voltavam, para ajudar as suas pátrias a sairem do ghetto da miséria. Depois fizeram-me chegar este momento de um depoimento do meu amigo Luiz Moniz Pereira, com quem trabalhei no final dos anos sessenta num Centro de Estudos de Cibernética, albergado no Instituto Superior Técnico e a quem devo leituras sobre a teoria geral dos sistemas do Ludwig von Bertalanffy, a teoria dos jogos do von Neumann, a teoria da comunicação do Colin Cherry e sei lá quantas outras coisas que sairam a partir da intuição genial do Nobert Wiener.
Disse o Luiz, que entretanto se doutorou em inteligência artificial, enquanto se vai degradando com a passagem dos anos a minha inteligência natural: «O país tem promovido a formação de investigadores a um ritmo importante, de quase 1.000 novas bolsas de doutoramento por ano, muitas delas no estrangeiro. Por outro lado, quase metade dos investigadores portugueses (45 por cento) que trabalham no estrangeiro afirmam que não tencionam voltar a Portugal a médio prazo devido à "falta de oportunidades de emprego" e de "progressão na carreira", revela um estudo recente do Instituto de Ciências Sociais (ICS) pela socióloga Ana Delicado».
A ideia que eu tinha sobre a pobreza irredutível partia do facto de eu ter esquecido Portugal.

7.4.08

A GNR apaga os seus buracos

Se calhar já veio nos jornais, mas eu leio poucos jornais; se calhar já muita gente falou nisso, mas eu, salvo por razões profissionais, falo com relativamente pouca gente, ao viver bastante isolado.
A verdade é que fui jantar pelo Largo do Carmo e reparei que o edifício da GNR estava rebocado e pintado e que sumiram os buracos das balas disparadas pela coluna do capitão Salgueiro Maia quando ali estava sitiado no dia 25 de Abril de 1974 o Professor Marcelo Caetano, Presidente do Conselho de Ministros, que, para que o poder não caísse na rua, entregou o mandato que não detinha - pois o Chefe do Estado ausentara-se - ao general António Spínola, que só a Revolução em curso legitimou que o recebesse assim de pessoa a pessoa.
Tudo isso é História e não há reboco nem tinta que a apague.
Se a GNR se sente envergonhada ou honrada por ter sido metralhada pelos militares é uma questão de honra que tem de dirimir. Manteve-se fiel a um regime legal, que a Revolução fizera perder a legitimidade. Mas a GNR faz como tantos outros de diversos quadrantes: branqueiam a verdade do que se passou. Agora que se clama por aí que tudo deveria ser criminalizado, que tal criar no Código Penal um crime de «branqueamento da História», a ser investigado com absoluta prioridade, segundo a próxima Lei de Política Criminal?
Quanto à sede da PIDE, que colaborava com os militares na guerra em África, e de quem o Marechal Costa Gomes, sucessor de Spínola na Presidência da República, havia recebido o «crachat» de ouro, essa já está totalmente transformada em local de «charme». Um dia, em vez da pouca História que se ensina nas escolas aos nossos meninos, lecciona-se Arqueologia Portuguesa, a começar pelo 25 de Abril.

2.4.08

O Rilhafoles

Eu, frequentemente, por obrigações da profissão de que faço ganha-pão tenho de submergir. Afundo-me em trabalho e o tempo que me resta, em vez de dormir decentemente, aplico-o a ler e a escrevinhar. Mas claro que de quando em vez as notícias atingem-me.E desta feita perdi-me: são consultores e avenças e bancos e mais partidos e governos tudo junto com denúncias, mais o subprime e o sector energético fora o chumbo na Comissão Europeia e um senhor que, em bicos de pés, de vez em quando parece querer ser líder e outro que, qual sempre em pé, parece nunca deixar de o ser. Definitivamente desisto. A noite passada estive a ler mais uma folhas do César Machado, desta feita sobre o Rilhafoles. Sempre é mais instrutivo. Gostei muito da parte dos «furiosos», mas a que recomendo é aquela que trata dos «idiotas». Até amanhã. Desta vez, vou mesmo dormir, que este País parece que está entregue a sonâmbulos.