13.10.15

A "chapelada"


De 1966 a 1974 lutei pela democracia, como mo permitia o ser jovem. Era-me impossível conviver sem revolta com um regime político que amputava as liberdades públicas, impunha censura à imprensa, apreendia livros, congelava a participação política num partido único, semeava a sombra de informadores e outros esbirros, prendia por delitos de opinião, apodava de "comunistas" todos quantos não eram pela Situação. Paguei por isso o preço de me ter sido negado o acesso à magistratura e ter sido castigado militarmente com uma arma que não era obviamente para pessoas como eu, magríssimo de peso e soldado cadete de "armas pesadas de infantaria".
Com a democracia dei o contributo que me foi possível nas funções para que fui convocado. Nunca se me colou um lugar às mãos.
Hoje penso que chegou a altura de recolher.
Progressivamente fui diminuindo a participação na vida política. Limitava-me a votar e cada vez com menos convicção.
Nestas eleições aflui à mesa de voto que julgava ser aqui na Universidade Nova, à Avenida de Berna. Recambiaram-me para a secção de voto junto à Mesquita em Lisboa. Lá, estando certo o número da mesa, não constava dos cadernos eleitorais. Teria de me esclarecer na junta de freguesia, devido à unificação desta com outra. Para ali fui, para apurar que, afinal, teria de votar no lugar onde inicialmente tinha estado desde a manhã.
Nove dias depois, os partidos estão a fazer dos resultados dessas eleições o que lhes convém. Apoderaram-se do voto e as direcções partidárias interpretam o sentir popular num sentido e no seu contrário. Em resumo todos ganharam. Eu sinto ter perdido.
Não estamos longe dos gregos em que se tornou um "não" num "sim".
É deprimente o espectáculo de incerteza e o circo que se armou em torno do que é afinal a sorte do País.
Se isto é a democracia, prefiro abster-me. Não foi para isto que se fez o 25 de Abril!
Em 1969, tinha 20 anos, fui, orgulhosamente, delegado a uma mesa de voto. Morava na Amadora. Devido a ordens dos que então mandavam, capitaneados por um façanhudo regedor, nós os delegados, estávamos encurralados, numa espécie de ringue de boxe, delimitado por uns cordões, no meio da sala da junta de freguesia. Em frente a nós, tapando-nos a visão, a massa compacta dos votantes. Protestei porque, assim, não se saberia o que resultaria das urnas. Levava comigo um dossier que tinha sido preparado para o efeito. Quando consegui entregar ao presidente da mesa o meu protesto este, erguendo-o ao ar, proclamou «olha-me este, já começa a arranjar sarilhos!».
De facto. 
Hoje, ao ver os novos regedores e o que fazem das urnas, nem sei como poderia arranjar sarilhos, protestando contra a "chapelada", muito menos com quem.