31.7.08

É preciso avisar toda a gente!

De repente a Presidência da República fez surgir o psico-drama de que o Presidente ia dirigir uma mensagem ao País. O País esperou-o diante da TV, às 20. Nada transpirara da comunicação «secreta» dizia uma locutora da RTP.
Minutos depois estava tudo acabado: o Presidente tinha sentido necessidade de informar o País que nos Açores estavam a tentar fazer passar legislação que lhe retirava poderes, diminuindo-lhe a função.
O País percebeu que o Presidente afinal não tem força, estava à janela a gritar por socorro. Qualquer Assembleia Regional o pode sitiar.
Há coisas que é bom pensar melhor antes de as fazer.
Cavaco Silva não quer que os Açores criem um precedente. Já criaram, este, de o Chefe de Estado gritar ao povo para que o acudam para não morrer às mãos dos políticos. Ao que isto chegou.

26.7.08

Seara de vento

Lia-a. Esgotava-a na totalidade, cada uma e todas as páginas. Tinha dezanove anos. Era um tempo em que, tendo pouco, apreciava o pouco que tinha. Lembro-me, nela, de tanta coisa: do número dos anos trinta, que li na Biblioteca Nacional, em que a capa é a efígie do Mussolini com aquele ar de amuo esgazeado e a legenda «Mussolini, a sua cara é a melhor demonstração das suas ideias»; daquelas edições em que se publicou uma polémica entre o pintor Lima de Freitas, que escrevia do Carvoeiro, que durante muito tempo seria o único Algarve que eu conhecia, e um tal J. J. Colaço, que atacava a partir de Boston, quesília que quando há uns dez anos reproduzi ao magnífico artista ele, atónito, já nem se lembrava de ter ocorrido, gabando-me, enganado, a prodigiosa memória; daquele número magrinho, retalhado pela Censura, ornando na capa, em raivosa mensagem aos leitores, um desenho à pena sob o título «A Cegueira da Crítica e a Cegueira da Crítica» sobre o António Feliciano de Castilho, visconde. Lembro-me do Sottomayor Cardia, do Ulpiano Nascimento. A pedido do Francisco Salgado Zenha escrevi um artigo, assinando-o sob pseudónimo, que me custou ter perdido um emprego, do que nunca falei e hoje aqui fica.
Eu era então um ninguém extasiado ante o que lia, o típico leitor. Guardei-as todas e um dia um desenlace da vida fez com que ficassem nem sei em que casa, inúteis, como a vida nela vivida.
Lembro-me do prazer de a comprar e sentir quanto nisso se marcava a diferença face a um O Tempo e o Modo, a revista dos «católicos progressistas», por mim olhados na altura de soslaio, por serem católicos e, como tal, impossíveis progressistas. Lembro-me do orgulho de a trazer debaixo do braço, gesto de cidadania, tal como ler a República, do Raúl Rego, por militância necessária e o Diário de Lisboa para a informação possível.

23.7.08

«Eia, gado brasileiro!»

Chegou-me por falar na Clarice Lispector, a cuja escrita dedico um blog, de frequência ocasional, errática. Mas é digno de registo, pelo humor, pela ironia, a menção a Clarice quase no fim: «Todo candidato a qualquer cargo público deveria fazer um “estágio” obrigatório, ou seja, viver como um cidadão comum», escreve e diz porquê. Chama-se Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda. Li-a aqui, nesta tarde de calor. Poder-se-ia dizer: eia, gado português!

22.7.08

Vazio de sentido

Distraídos da distracção pela distracção. A frase pertence a T. S. Eliot e está no seu poema Quatro Quartetos. O poema é belíssimo e o excerto vem aqui: «Over the strained time-ridden faces/Distracted from distraction by distraction/Filled with fancies and empty of meaning/Tumid apathy with no concentration».
Li isto num artigo sobre o mundo digital de hoje, em que as pessoas vivem soterradas pelos mil e um sinais que lhes chegam entre sms's, emails, para não falar em tudo o que a comunicação social despeja, em catadupas, em alertas/Google, em RSS's, em newsletters.
Mal a manhã raia, liga-se o computador e ei-lo atulhado, o primeiro trabalho seleccionar e apagar os emails da noite. O telefone em breve começará a retinir entre mensagens escritas, de voz e pessoas que ligam, reiteradas, insistentes, sem deixar recado até que a falta de paciência consiga que sejam atendidas. E por aí fora durante o dia, a imprensa on line vai matraqueando a última hora e o aviso circula entre amigos do já viste, os furiosos das «breaking news».
O irrequietismo circundante é tal que, às tantas, tudo é igual a nada, unidimensional e nivelado, desaparece a importância, o urgente submerge o importante, o mundo do incompreensível tumultuoso sucede-se em voraz espiral. Vazio de sentido, «empty of meaning».

20.7.08

As causas da Júlia

A Júlia Coutinho, que tem um blog de intervenção cívica muito activo e atractivo, teve a gentileza de sugerir que eu comentasse um seu post sobre o Eduardo Lourenço. Somos de perspectivas diversas da vida e talvez por isso o meu texto tenha um sabor a contra-ponto. Mas temos referências comuns e isso faz com que a divergência fomente o diálogo. Agradeço-lhe por isso, ter-me franqueado a porta à conversa, como um dos leitores que aprecia o seu espírito militante. Ante a apatia reinante, viva!

15.7.08

O Bando

As gralhas são uma coisa terrível. Que o diga eu que sou disléxico na escrita e dou erros de embarda, trocando letras e comendo palavras. Li algures que um jornal britânico dava um prémo chorudo a quem apresentasse um livro isento de gralhas.
Mas há algumas que devem gerar lauta risota e grandes sarilhos. Imagine-se o que é o site noticioso da RTP publicar com título de notícia: «Bando de Portugal: PSD diz que desalento se acentua e medidas do Governo não resolvem os problemas».
Exactamente assim: «bando». A esta hora seguramente que o link já leva para a notícia emendada, pelo que é o chamado riso de curta duração.
Mas..um momento! Agora que leio que a notícia refere que: «António Borges sublinhou que "nunca Portugal teve um endividamento tão alto todos os anos como está a ter" e disse que "a dívida externa, que se aproxima de cem por cento do PIB (...)», não será mesmo «o bando de Portugal»?.

3.7.08

O elogio

Saía de casa já zangado com a vida por ser tarde e estar cansado e mal dormido e sobretudo começar o dia atrasado quando a vi.
Dirigiu-se-me com um sorriso aberto, jovial, uma forma de sorrir com a boca, nos olhos um reluzir contente que lhe vinha da alma.
«Posso dar-lhe um elogio?», perguntou-me, eu encabulado e sem saber porque razão poderia ou se deveria dizer que não. «Adorei-o ontem na televisão!». E sem que eu tivesse tido tempo de explicar que não tinha estado nem ontem nem sequer há muito tempo,em qualquer televisão, rematou: «eu, e aliás toda a minha família, adorámos o que disse sobre a economia portuguesa! Muitos parabéns pela sua inteligência».
Não tive coragem de a desapontar e calei-me com o imerecido elogio. Saíu feliz, a ver-me escapulir para o estacionamento, alegre por ter dito, radiante por ter encontrado ali ao seu alcance o objecto da sua admiração.
Não sei se a esta hora já se terá apercebido de que eu não sou o Dr. Medina Carreira, com quem me confundiu.
Para não ficar na posse do que não me pertence, já telefonei a este, a dar o seu a seu dono. E espero que ele, da próxima vez que for à televisão pense em mim, na minha reputação, na minha imagem pública, porque no dia em que disser asneira ainda levo à conta dele uma tunda, numa esquina, de um espectador inconformado! E depois, será justo que lhe endosse essa indevida trepa, admirando- como admiro tanto? Não é justo! Nesse dia, como e calo, que assim é que é ser amigo.