11.6.17

Os açambarcadores

Tinha decidido suspender este blog, talvez por me ter retirado da intervenção cívica, tantos são aqueles que a isso se entregam, entre eles os "tudólogos", que sobre tudo e mais alguma coisa têm opinião e, pior ainda, querem "criar opinião", os "fazedores de opinião". Voltei hoje, por ser de revolta o sentimento que me povoa e este o local apropriado para o expressar.
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Desde pelos menos 1989 - digo bem 1989 - com longos interregnos, mas sempre com expressão pública, nos jornais, em livros, alimentando dois blogs, tenho-me dedicado a estudar as redes estrangeiras da guerra secreta em Portugal entre 1939 e 1945. 
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Recuso dizer que escrevo sobre «espiões», por achar que isso reduz o tema ao novelesco, tornando aparência de fantasia o que é, afinal, sério. 
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Cumulo esse trabalho às exigências esgotantes da minha profissão. Nunca tive bolsa, subsídio, apoio, foi tudo pago a expensas minhas, as centenas de livros, cópias de documentos, viagens, o custo da edição de muitos deles. Os magros proventos como autor foram uma minúscula gota de água em todo o dispêndio, que tirei a mim e aos meus.
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Tenho coexistido pacientemente com a conspiração de silêncio em torno do que escrevo e divulgo. Faço de conta que não tenho importância e por isso a finjo entender como merecida a omissão alheia, reduzo-me à humilhação que são todos encartados menos eu, daí que não mereça sequer a gentileza de um pé de página. A poucos devo terem dado conhecimento a quanto tenho produzido.
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E, no entanto, nunca quis grau académico ou prémio literário, investiguei e escrevi por entender,  que se tratava, a princípio, de tema nada conhecido, depois, de assunto indevidamente estudado, frequentemente baseado numa leitura superficial de documentos, documentos, diga-se, produzidos numa área em que tudo foi feito para gerar engano e confusão, testemunhos orais incertos e amiúde em segunda mão.
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Começou, porém, a surgir a apetência pelo assunto, pelo lado mais fácil do mesmo, incluindo todo o cortejo de asneiras, como ter Ian Fleming criado o 007 no seu primeiro romance a pensar no Casino Estoril, ter Graham Greene tido escritório em Lisboa, como "espião". E tanto mais. Isso e as falsificações da História ao serviço da ideologia, que orientam livros que assim alcançam sucesso fácil, por se integrarem no politicamente correcto.
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Vergado a tudo isto, tenho-me calado, mesmo quando vi escritores de renome a nível internacional que não conseguem ler uma linha da nossa língua ousarem escrever sobre a matéria e encontrarem aqui o clap clap saloio do aplauso, expressão do nosso complexo de inferioridade face a quanto é estrangeiro.
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Esta noite, porém, achei que tudo tem limite e a minha paciência não é infinita. É tempo, pois, de dizer basta.
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Vejo-me citado e até agradecido em livros publicados no estrangeiro. Esta noite, regressado, depois de um dia de esgotamento a trabalhar na minha profissão, encontrei outro. A autora, italiana, escrevera-me em 2010, publicou o livro em 2014, dei conta da sua existência por acaso. E ali me vejo respeitado no esforço que fiz em torno do tema que é um dos capítulos dessa sua obra. 
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E comparo com o tem sido o tratamento que me tem sido dispensado no meu país por concidadãos meus, que estando agora em torno do mesmo assunto, tudo fazem para que se não saiba que eu existo, os açambarcadores.
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Há excepções, honrosas, eu sei, pessoas cuja probidade levam a não ignorar. E há, a ter-me tolhido o passo, pensar que poderá ser interpretada como vaidade uma atitude como esta. Mas, se a gratidão aos primeiros, não fica em causa, o desinteresse ante o que possam outros pensar deste grito de revolta deixou de ser freio a dizer quanto penso, quanto sinto. E aqui fica.
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Ontem foi Dia de Portugal. E será por isso dia para perguntar em que espécie mesquinha de portugueses nos tornámos, que rebaixamos tantos dos portugueses que há, silenciando-os, cortando-lhes o direito de expressão, pisando-os, para que uns quantos se ocupem do território, magros os ossos enraivecidos os cães? 
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Jovens há que emigram por isto mesmo. E eu, que tenho já só um resto de vida para viver, e remorsos ante tanto que deixei por fazer, mas tenho esperança de encontrar força, alma e meios para o completar é aqui, aqui mesmo, na terra do desprezo, que tenciono ficar.
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Eis o que, iradas palavras, fiz questão de denunciar aqui.