11.3.07

O meu 11 de Março

No dia 11 de Março de 1975 eu era secretário do Ministro da Justiça Dr. Salgado Zenha. Foi por isso que recebi, ali no Terreiro do Paço, um telefonema de um advogado amigo que entrava em Lisboa, vindo de um julgamento e deu conta de que havia um avião a sobrevoar o Ralis, junto ao Aeroporto, quartel onde haveria, seguramente, «grossa bernarda».
Num ambiente de crescente preocupação, lembro-me que, num armário fechado à chave num corredor interior do Ministério, havia duas pistolas, que nem tenho a certeza que disparassem.
Admitindo o pior, o jovem chefe do gabinete do Ministro, deu-me uma delas e guardou outra para si. De nós os dois eu tinha a vantagem de ter feito tropa e a capacidade bélica resultante de ter concluído, quase sem êxito, no Quartel em Mafra, a especialidade de armas pesadas de infantaria, mau grado pesar então quarenta e oito quilos.
Umas horas depois, o rapaz chefe do gabinete, com o nervoso, tinha encravado uma bala na câmara da pistola, ao achar que estaria mais prevenindo, armando-a, para a eventualiade de ter de disparar no que se chama em tiro instintivo e tendo-o feito desastradamente por não saber fazer melhor.
Ao final do dia devolvemos as armas ao armário. Tudo terminara sem glória, dois guerreiros inúteis de um combate ridículo. O 11 de Março não passara por ali.
Não sei se pelo Ministério da Justiça ainda há pistolas ou por onde andavam os actuais ocupantes no dia 11 de Março de 1975. Não sei mesmo, nem quero saber. Em matéria de filosofia bélica e no que ao Ministério respeita, tenho hoje uma só coisa a dizer: fogo...!

10.3.07

Lembranças de trás

Por causa da actividade venatória anti tabágica ainda me curo de qualquer maleita hepática que possa ter. Desta feita foi ao ler num jornal on line uma notícia intitulada «deputados proibidos de fumar». Lembrei-me então da minha bisavó, que nunca conheci, mas cuja nora se chamava Felicidade, e que entrou na enciclopédia dos nossos aforismos familiares com um dito, lançado em jeito de reprimenda ao neto quando o apanhou a fumar: «ai fumas!, pois até aqui atrás, cheiravas!».

O mundo em pelota

Há seguramente escondido nos corredores labirínticos da Polícia Judiciária ou talvez nos cubículos em tabique do DIAP um poeta anónimo, de imaginação criadora rica e sentido de humor inigualável. Literato por certo incompreendido, esgota-se no acto de criar nome para as operações que normalmente passam por rusgas e outros actos de mediático paraquedismo criminalístico.
Esta manhã dei conta de que três camiões de tralha apreendida a um maestro o foram no quadro da «operação partitura», assim como o país não se esquecerá mais do «apito dourado», nem do «furacão».
Ora eu, que para que as coisas da justiça me não chateiem mais do que devem, e já chateiam que baste, me dedico, nas horas vagas, a ler e atrevo-me nas que sobram a escrever.
Por isso, em nome da literatura forense, de que nem sou académico de mérito nem de número, sugiro a este até agora anónimo colega das letras que saia do «ghetto» do segredo de justiça e se junte a nós, para umas boas gargalhadas, porque de risota estamos nós precisados e muito.
E, já agora, quando se chegar à conclusão, que deve estar para breve, que as pensões baratas de curta estada, certas duvidosas casas de massajar e outras em que se bebe menos do que se alterna são instrumentos de evasão fiscal, branqueamento de capitais e quiçá associações criminosas tributárias mesmo, que minam os fundamentos do Estado de Direito Democrático mais do que o tráfico de droga, e lhes cair, a televisão atrás, um esquadrão de polícias e magistrados com mandados de busca, de revista, de apreensão e de captura, talvez não fosse mal, para antecipar o cenário de pânico desenfreado e de envergonhadas corridas pelas ruas, em pelota elas e sem fundilhos eles, baptizar o acto com o nome de «operação rabo ao léu»!

3.3.07

A gente

O português encontrou uma forma de esconder o plural «nós» através do individual «ele». No fundo é, como dizem os gramáticos, o ter encontrado um pronome pessoal que sintacticamente corresponde à terceira pessoa do singular e semanticamente à primeira do plural: é o «a gente» corriqueiro, no «a gente vai», para exprimir o «nós vamos». Há seguramente uma razão profunda, incrustrada no inconsciente da Nação para que um povo fale de si como se de outrem falasse.