21.12.13

O original e o desde sempre


Foi há uns bons e idos anos, numa área de serviço, daquelas onde se pára para vazar ou abastecer. Eu ia, acompanhado, para uma casa de veraneio em São Martinho do Porto passar uns dias. Interceptado fui, ali, em plena cafetaria, por uma daquelas personagens «metediças» como dizia a minha Mãe, «fraldiqueiro» dos que tudo querem saber que, ante o destino que levávamos, perguntou, entre o incrédulo e o deslumbrado: «Mas têm lá casa?». Sem saber porque se estranhava respondi, com aquele assomo de verdade que às vezes nos leva ao pormenor dispensável: «ela tem».
Pensei que o assunto estava resolvido, incluindo a ressalva que não me apossava, nem pelo Verbo, de bens alheios.
Só que faltava o demais: «mas desde sempre?» perguntou, em jeito de remate, o meu insatisfeito interlocutor, porque isto de ter-se casa, em São Martinho - vulgo "o bidet das Marquesas", em alusão à calma baía que torna a praia numa espécie de lagoa tépida - já dá à coisa uma certa "patine", mas casa «desde sempre» é pedigree garantido, de que nem todo o futrica se pode gabar.
Lembrei-me disso hoje quando, por ter-me dado em Évora, num destes dias gélidos, cumprindo uma ânsia antiga, a guinada de comprar um capote alentejano, ao entrar esta manhã na pastelaria "Versailles", uma das sobrevivências lisboeta da belle époque en mauvaise temps, ter sido interpelado, após medição de cabo a rabo, pela pergunta abissal, vinda de boca amiga: «ah! um capote alentejano!», no caso verdade indesmentível e comigo dentro dele, ainda que mal ajeitado. Mas faltava o tom e o toque que diferenciaria: «Mas é dos originais?».
Fiquei sem saber como responder. Não foi preciso, porém. Sem dar-me tempo para explicar-me quanto à genuinidade da origem, fui eu esclarecido que «em Salvaterra há um tipo que os fabrica e são óptimos!».
«Óptimos!», percebe? que é uma palavra que integra o léxico privado do bon chic bon genre e ademais denota a raça.
E logo em Salvaterra que é, como se sabe, Alentejo profundo...e era a terra dos "barretes" dos idos Parodiantes de Lisboa essa hoje tão necessária e corrosiva "Graça com Todos!"

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Fonte da foto: aqui.