21.1.12

Allgarvem-se!

Sabem o que é esta democracia ser uma ilusão  macabra? É o ter havido um ministro e um Governo que tiveram uma ideia a de transformar o Algarve em Allgarve. E gastar três milhões de euros, como se lê aqui. Agora o Governo em funções acabou com a festa. Responsáveis ligados ao turismo algarvio, ouvidos por uma rádio que escutei enquanto viajava perguntavam: «e agora?». E reinar uma total obscuridade em torno de tudo isto, porque o que ninguém explica a nível do Governo, o que ninguém do Governo se sente minimamente obrigado a explicar é: quanto se gastou com o Allgarve? Quanto se ganhou com o Allgarve? Porque se acabou com o Allgarve? Quanto custa ter acabado com o Allgarve? O que vai suceder ao Allgarve e se nada porquê nada?
Nada é a palavra certa.
Nesta chamada "democracia" as coisas são assim: o eleitor vota, jogando fora para dentro de uma urna um papel pelo qual abdica de se interessar, de querer saber, e aceita sujeita-se a sofrer as consequências. Daí em diante os eleitos fazem como querem. E assim sucessivamente até cada dia de eleição. 
Uma vez no poder todos os Allgarves são possíveis a todos os Governos porque são para Allarves dos contribuintes do costume.

O que é feito de Rui Mateus?

Já que "mãozinha amiga" no site oficial da Assembleia da República se encarregou de reduzir o espaço dedicado ao ex-deputado Rui Mateus ao que resta aqui, a de um homem  sem profissão, dou uma pequena ajuda e contributo.
Para foto, pode ser a deste post, aquela em retrata a fundação em 19 de Abril de 1973, na Alemanha, do Partido Socialista na clandestinidade. Eis Mário Soares - o mesmo que, ocultando tudo o mais, o resume dizendo que o conheceu a servir à mesa num restaurante e ele, ambicioso quis ser MNE -sua mulher, Maria Barroso e entre os restantes ao centro, de bigode, Rui Mateus. Isto para começarmos pela foto-galeria do princípio da história...
O apagamento de Rui Mateus não é de hoje. É só ver aqui [enquanto não for apagado] e aqui.
E já agora uma perguntinha: na nossa imprensa não há quem queira saber o que é feito de Rui Mateus? Onde está? Porque não está? Ou as chefias de redacção consideram que o tema é «jornalisticamente sem interesse»?

A revolta e a piedade

Cavaco Silva provocou os reformados ao queixar-se da sua reforma. Além disso Cavaco Silva ofendeu o cargo ao pronunciar-se nos termos em que o fez. A dignidade de um Presidente é incompatível com isto.
De todo o lado chovem críticas, gozo, achincalho mesmo.
Um dos últimos cargos políticos a ser respeitado é agora vaiado e apupado. O que restava da respeitabilidade democrática é agora objecto de chiste, chacota, ridicularização, troça. Pelos jornais, pelos blogs, é um fartote.
Há, porém, uma tragédia humana que os factos mostram, os da política ocultam e o País nem se preocupa, embriagado que está a fazer dele o Rei Momo da República: é que o Presidente mais do que estar velho, já não está em condições pessoais para o exercício do cargo.
Deveria ter havido a sensatez que o terem aconselhado a não se candidatar à Presidência, mas ante o que surgiu então como alternativa, se não fosse ele era Mário Soares, cujos amigos empurraram, canalhamente, para uma nova e serôdia tentativa de voltar, vingativo, a Belém.
O que está a suceder era adivinhável. Cavaco deveria ter voltado para a Travessa do Possolo.
Só que Aníbal Cavaco Silva tinha gente que gostava de o ter da Presidência, gente que precisava dele na Presidência, gente que, funesto engano, pensava que este Cavaco era o mesmo da primeira eleição.
Hoje o Presidente é um homem só, muitos dos seus amigos caíram nas teias da lei, outros foram saindo à formiga. No vazio do poder é dramático restar-lhe apenas a mulher. Ninguém mais. 
A obsessão do «e depois o que é que eu como?», avareza típica da velhice a diminuir-se estampou-se agora neste seu gesto. Antes eram só inanidades ocasionais, sintomáticas.
Os regimes à beira do fim dão estes sinais. Américo Deus Rodrigues Thomaz, reiterando, esclerótico, discursos infantis e António de Oliveira Salazar, já sem saber, alucinado, que não estava em funções, mostraram que o Estado Novo ia cair de velho, estatelando-se na rua.
Eis o que me custa horrores a dizer.  Porque falo de um ser humano de quem passei a não gostar.
Tudo isto é lamentável e gravemente sério. Mas tentem esquecer porque é apenas um episódio de algo que não podemos evitar. E haja piedade, se não pelo Presidente, ao menos por aquilo que vai suceder a este pobre Portugal.

20.1.12

Memórias proibidas...

Por causa da ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues tem-se falado muito na FLAD, a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Resultou da re-negociação feita pelo Governo da cedência aos EUA da base militar nos Açores.
Há só uma coisa que ninguém se lembra a propósito da FLAD ou os que se lembram não falam. É que nesse altura de governo do bloco central, o primeiro-ministro era Mário Soares. E o primeiro presidente da Fundação foi...guess who?... Rui Fernando Pereira Mateus, esse mesmo, o Rui Mateus [o que a história oficial da dita que está aqui não menciona, pois pudera!], o tal que o primeiro conheceu a servir num restaurante [como lembrei aqui]...
Bolseiro nos States em 1960, pelo American Field Services, com outras ligações ao aparelho americano no exterior, ora vejam-no aqui como speaker do American Club em Lisboa...
[Isto de uma pessoa se lembrar das coisas é tramado, eu sei. Sobretudo para os falsificadores da História].

P. S. Hoje a sua página no Parlamento está nisto aqui.

19.1.12

Os fusíveis

Haverá uma remodelação governamental antes do Verão. O ministro que se chama Álvaro saltará. O PS será comprometido na governação. É preciso que alguma coisa mude para que fique tudo na mesma. Com uma diferença. Vão ser necessárias medidas ainda mais duras. Os do bloco central de interesses terão de cerrar fileiras para que a democracia de que vivem não caia. Vão precisar de outros Álvaro's. São fusíveis estas criaturas. Nem percebem que o são. No seu vaidoso imaginário nem sonham que os curto-circuitos que os fazem saltar um dia chegam fogo à casa. Os bombeiros da "troika" aí estarão. É disso que vivem. É disso que ganham. Num País de pirómanos têm negócio garantido, lá mais para o Verão.

15.1.12

Gare do Oriente

Vá à Gare do Oriente, uma das obras do Regime que jogou o País para a bancarrota e da qual se atiraram todas as culpas para o Governo anterior, como se não existissem as do antecedente.
Saia das garagens por estreitas passagens a tresandar a urina e, ao entrar no hall,  passe por entre a lástima de mendigos, vagabundos e sem-abrigo que por ali pernoitam. E passam o dia. Sujos na maioria, bêbados quantos deles, esfarrapados, a imagem real da miséria nacional no subsolo. Em cima o luxo, as torres magníficas, os condomínios de eleição. Ao lado deles, também debaixo do chão como cães em canil, a polícia, indiferente, impotente, incapaz, feita de guardas sobrecarregados de serviço e cansaço, para a tarefa bruta da repressão sobre situações em que melhor sentimento seria a piedade e por isso toleram e entendem e deixam ficar porque não há segurança social que lhes dê ajuda. 
Continue o seu passeio, suba ao andar onde estão as bilheteiras, corredores imensos, como se para multidões que não existem, extensões inóspitas, lugares ventosos, desumanos na sua vasta melancolia, onde o lounge da  classe conforto parece um insulto àquela desgraça de existência.
Suba, como no dia de hoje, enfim, à plataforma onde surgem os comboios. Num dia como hoje em que chovia. Em que as bátegas laterais o atingem, por não haver protecção do espectacular tecto envidraçado, e onde a chuva vertical o molha igualmente, a escorrer, porque tudo aquilo está em erosão, desenhado por um arquitecto que julgava que estávamos num Marrocos seco ou desenhava excentricidades espampanantes para um País de camelos.
Espere pelo comboio, tente encontrar a sua carruagem, fiado na informação que lhe deram que era a primeira e cruze-se, em tropel, com as horas desenfreadas de passageiros que, quais baratas tontas esvoaçam entre malas e sacos, por nunca se saber onde é que vai estacionar o quê e como tudo aquilo parece em burlesco a cena ferroviária de As Férias do Senhor Hulot.
E pergunte-se, enfim quanto se gastou, quem gastou? Quem sabia que o efeito ia ser aquele local horrendo? Quem não o impediu, quem fez de conta, quem ganhou à conta?
Talvez para emigrar seja aquela a gare adequada, para que fique de Portugal a imagem triste e feia daquilo em que tornaram Portugal, aqueles que, manhosos, emigraram eles mesmos para os seus dourados exílios, ou, ainda por aqui trepando enquanto der, aconselham sem pudor este pobre povo à emigração.
Vá à Gare do Oriente. Logo a seguir, se seguir viagem, olhe em redor. Verá as ruínas da indústria que encerrou, as fábricas em escombros, do comércio que faliu, os armazéns ao abandono, os casebres, os campos vazios, a solidão, verá, verá, verá, até que, embalado pelo balançar, enfim, o sono o liberte do pesadelo e lhe traga pelo adormecer o sonho e com ele a ilusão.

13.1.12

Os queques e as natas

Porque é que eu pressenti que este ministro Álvaro ia ser politicamente um flop? E que que cada intervenção sua, mesmo quando fala de coisas acertadas, é sempre um desacerto? 
Já nem é o que diz, é o como diz. Há sempre um ar picaresco, que se não for ao puxar ao engraçadinho só pode ser uma insensatez. E o grave é que o estado do País exige aos governantes contenção verbal, rigor na expressão, severidade no tom.
Ontem foi a dos «pastéis de nata» e o não haver franchising desses suculentos prodígios da doçaria lusitana.
O ridículo não é ele ter falado «nas natas», assim se exprimiu referindo o dito pastel no feminino, como se diz pelo Norte, coisa que nunca entendi já que, nascido a Sul, também não digo «as quecas» mas sim «os queques», mas adiante.
O ridículo é a casuística da frase, como se de uma boutade se tratasse. 
O ministro poderia ter falado em geral, aludindo aos produtos portugueses que bem poderiam ser comercializados no estrangeiro por serem únicos e passíveis de serem franchisados e todos entenderiam. Não seria o primeiro a ter essa ideia. Já no tempo de Oliveira Salazar o Secretariado para a Propaganda Nacional fazia o mesmo. Não teria de exemplificar, como se, adiantado mental, falasse para alunos atrasadinhos e eles não atingissem o ponto. 
O que se passa é que ele não percebeu nem perceberá nunca que há exemplos que enfraquecem o argumento e lhe retiram categoria. E categoria é o que falta. E essa é a questão.
Por este andar, e a irmos na cola dos exemplos, em busca do que de portguês existe que o estrangeiro pode comprar em franchising - como os "Donuts" e a "Coca Cola" se exportam - que também citou mais uma vez a exemplificar, mau grado serem nomes de marcas e ser de péssimo tom um membro de Governo citar marcas por sentir que já nem se lhe aplica a decência do «passe a publicidade», que é o mínimo ético a exigir-se nesse caso, por este andar, dizia, vamos longe!
Mas, sou português. E armado de espírito patriótico, acordei esta manhã a pensar, contagiado pelo fervor do ministro que quer ser Álvaro. E lembrei-me do galo de Barcelos, essa magnificência simbólica do melhor que em galináceo a País produziu e seria um mimo em qualquer étagère de mansão requintada ou apartamento chic, o «hoje há pipis!», que levaria longe a alma lusa às terras do fim do mundo e, para não falar nos torresmos, nos couratos, nos pézinhos de coentrada, no pastelinho de bacalhau ou na chouriça de Vinhais, venha o barro das Caldas que esse mostrará, enfim, à Europa e ao Planeta que os Portugueses, apesar do Governo, mau grado o ministro da Economia, são um povo duro de roer.

10.1.12

Uma Revolução!

Nesta noite de esgotamento de energias, em que um homem hesita sobre um mundo social que vê desabar, e um quadro de valores em que o humano foi exilado, a cidadania degradada, encontrei-o o lema e a palavra de ordem: «Estamos decididos a suprimir a Política, para a substituir pela Moral. É o que chamamos uma Revolução». Disse-o um resistente, um combatente: Albert Camus. Sem ele eu não teria sido o que sou.

6.1.12

Pedradas entre a pedreiragem


Sociedade iniciática destinada ao conhecimento esotérico, através de rituais simbólicos, associação benemerente, clube filosófico, deísta na tradição inglesa ou agnóstica na tradição francesa, a Maçonaria pode ser uma agremiação de pessoas de bem, afirma-se ser de «homens livres e de bons costumes», como consta de um dos seus textos fundadores. O problema é a definição do que sejam «bons costumes»
Fernando Pessoa, que não era maçon, defendeu-a honradamente num memorável escrito, quando foi promulgada legislação que levou à sua extinção pelo Estado Novo. 
Estado Novo, diga-se, de que muitas das suas figuras gradas pertenciam a lojas maçónicas e detinham altos graus. Foi maçon o próprio Presidente da República, Óscar Fragoso Carmona, foi maçon e fundador da loja Fernandes Tomás, na Figueira da Foz, o professor de Direito José Alberto dos Reis. O primeiro, promulgou a lei que ilegalizou a Maçonaria, o segundo presidiu à Assembleia Nacional onde se votou. Figuras da Igreja Católica, com grau de Bispo, foram membros da Maçonaria. Fiéis ao seu Deus e ao Supremo Arquitecto do Universo.
O facto de a sociedade dos pedreiros-livres se prestar a conluio e a perversões  é tão antiga como a sua existência. A sua defesa e os ataques contra ela são parte da História Contemporânea. Trata-se de uma entidade que já recebeu como irmão o ditador Augusto Pinochet e de que fizeram parte a quase totalidade dos Presidentes dos Estados Unidos da América e grande número de membros da Família Real Inglesa. Além de uma multidão de pessoas que, em termos de importância social, são nada. E gente decente que nada tira e tudo dá.
Há nela de tudo. E há sobretudo quem esteja nela pelas mais díspares razões, incluindo as moralmente honestas. E quem a abandone pelos mais variados motivos, incluindo os miseráveis e até pela inconsciência de ter estado. E o seu contrário. 
Alexandre Herculano, ao ter saído, mal entrara, escreveu, em 1876: «Uma das minhas rapaziadas foi ser pedreiro livre. Não tardei a deixá-la (à Maçonaria). Achei a coisa mais inepta, mais inútil e muito mais ridícula que uma irmandade de carolas». Sucedeu a muitos.
Salazar, um católico que o CADC animara, sobrepôs a sua ânsia de poder total à sua moderação conservadora, e fez decretar, através de uma Lei n.º 1901, proposta na Assembleia Nacional pelo deputado José Cabral, a extinção da Maçonaria, Lei das Associações Secretas, a votada sob Alberto dos Reis e firmada por Carmona, em nome da qual todos os funcionários públicos teriam de jurar não pertencer nem jamais pertencer-lhes. 
Foi por causa do jamais pertencer que o filósofo Agostinho da Silva, em nome da liberdade de poder vir a pertencer, se exilou no Brasil. Quis, já agora, o paradoxo que voltasse a Portugal para um encontro secreto com o mesmo Salazar, através de um arranjo organizado por Franco Nogueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros do antigo regime, mas quiseram as fadas que o encontro não tivesse lugar, porque tinha havido uma indiscrição. E daí que esse encontro secreto tivesse passado a um momento discreto na vida do filósofo que não abjurara o secretismo, e que era, aliás, um grande homem e um notável vulto da Cultura.
Escrevo isto porque está na ordem do dia a questão de, a coberto da Maçonaria, poder haver arranjos interesseiros entre políticos, negócios e serviços secretos e outras tropelias. E estar em causa quem deve ou não pertencer. E discutir-se se o mal não é a Maçonaria em si ou aquelas ovelhas negras do rebanho laico.
Não faz dúvida ao meu espírito nada do que se discute. Por isso aqui estou.
Não há uma Maçonaria, sim lojas maçónicas. Cada uma tem autonomia e pode albergar uma corja de bandidos ou um grupo de ingénuos. Não há uma Maçonaria, sim várias Maçonarias, com várias orientações filosóficas e diversos rituais, de que os ritos Escocês Antigo e Aceito e o Francês são os mais difundidos em Portugal.
Não se trata em rigor de uma sociedade secreta, porque tudo o que ali se passa de regular e lícito consta de uma imensa biblioteca disponível em qualquer livraria e cada um é livre de declarar a sua pertença. O segredo da Maçonaria, a justa e perfeita, é outro, é o conhecimento gnóstico que a fraternal cadeia de união, através do ritual, permite alcançar, o mistério da morte e ressurreição, a transmutação da imperfeição, uma  alquimia em que se torna o chumbo corpóreo na alma aurífera. O tentar o encontro do homem com o Homem, a semente do Humanismo. Como se num êxtase, uma celebração, uma epifania. Quando sucede.
Problema é o que se possa passar nos bastidores, pior, nos esgotos dali. E que a natureza da organização torne suspeito porque menos claro. Daí que eu ache que magistrados não devem fazer parte de nada que não seja público, laico ou religioso. Porque não se podem expor à mínima dúvida.
Claro que, acossadas pela simplificação que os media servem e a política instiga, as pessoas perdem o fiel da balança mental que é o elemento comparativo. O medo ajuda a não pensar. E nada como quem não pensa muito para condenar depressa, tudo e todos.
Num país maioritariamente católico, ridiculariza-se o usar avental em cerimoniais, esquecendo que os padres católicos andam de saias, casulas, estolas e se munem de báculo e hissope e outros artefactos que, vistos de fora, podem ser tão absurdos como ridículos para os que perderam o respeito ao que é simbólico e cuja alarvice os levaria seguramente a rir à gargalhada quando, no momento agónico de uma missa, aquele sujeito assim vestido eleva os braços com uma roda de farinha e a um cálice e dele bebe o vinho! 
E com isso se faz blague e risota fácil.
A partir daí está aberta a porta à argumentação barata, mesmo vinda da boca dos que deveriam ter da inteligência um pouco mais de sobejos. Transformada, no arengar desses, em baile de máscaras, a Maçonaria degradada a Carnaval, os seus membros tornam-se palhaços idiotas enfeitados e o Zé Povinho ri, apoucando, às escâncaras, como se o circo tivesse descido à cidade.
Claro que tudo isto é fácil de passar a espectáculo nos meios de comunicação de massa onde se perdeu pudor na argumentação e sobretudo respeito, tudo afogado pela rudeza vil e pela insolência canalha. Basta ligar a TV e ver o lixo nauseabundo que é servido ao País como entretenimento, a devassa sórdida, a violência sanguinária, a repugnância verbal do palavrão a passar por humor, a demagogia.
 Mas não é só do ridículo que cuidam os que vêm para a praça pública por causa da Maçonaria. É que, segundo alguns, ela permite ilegalidades e crimes impunes, porque secreta. Ora está aí o ponto por causa do qual vim aqui.
É que os mesmíssimos que assim o proclamam são os que esquecem, em amnésia conveniente, que, em igual critério, a própria Igreja Católica escorre sangue e vergonha porque se comprometeu, em nome da Fé, com coisas bem mais graves do que negociatas e combinas, quando legitimou a carnificina das Cruzadas contra o Infiel ou o extermínio indiscriminado pela "Santa" Inquisição. Para não falar da pedofilia, em Papas sodomitas e assassinos. Houve tragicamente de tudo. 
Com uma diferença para pior. É que, na hora do apuramento das contas, dos maçons os honrados ainda podem dizer que, dada a discrição com que tudo se passa no seu seio, não sabiam do que de gravemente errado se passava na Obediência, e dada a autonomia de cada loja e seus triângulos poderão argumentar que só algumas estarão em crime de prevaricação e que ainda há quem se salve. 
Na Igreja Católica, das catedrais carregadas de ouro às capelinhas rurais despidas de qualquer adorno, tudo se passou e passa sempre de casa cheia e à vista de todos. Todos os que se ajoelham em oração ou no silêncio dos seus lares rezam ao santo da sua devoção não ignoram o que foi e o que é o Templo Universal a que pertencem e sobretudo a sua História. Impõe-se-lhes humildade e pedido de perdão. Quem estiver livre de pecado que atire a primeira pedra.
As centenas de milhares de seres humanos que, em nome da Fé Cristã, foram exterminados, no dia do Juízo Final levantarão, acusadores, o dedo, sim, para para toda a cristandade. O mesmo Deus que permitiu a matança terá de absolver os matadores.
Inocentes há seguramente também no catolicismo, os que estão na religião por uma união mística com o Divino, os da Igreja de Paulo pedindo perdão pela Igreja de Pedro. Os que rezam a Deus e não a sacerdotes, os que renegam o Bezerro de Ouro, os que clamam por Jesus Cristo e seu azorrague contra os Vendilhões do Templo. Como em todos aqueles cuja Fé passa por Igrejas e Templos.
Um dia, na aldeia de Abravezes, era eu garoto, ouvi, à porta de minha casa, a minha mãe, no dia de hoje precisamente e a esta hora entregue na mesa cirúrgica ao acaso da vida e da morte, rematar uma altercação violenta com o cura da paróquia, que se recusara a ir encomendar o corpo de um pobre tuberculoso, que vivia de esmolas num palheiro, por não ser dos que pagava a côngrua. Rematando o responso, ela que tinha ido ao cemitério, de livro na mão rezar o «dai-lhes Senhor eterno descanso», o que qualquer Baptizado pode fazer como última oração antes que o pó se torne pó, lançou-lhe, como se em danação moral, àquele vergonhoso vigário: «E saiba Senhor Padre, que a minha Religião é directamente com Deus, dispensa Padres!». 
É a diferença entre a Fé, os ideias, os princípios e as organizações humanas que dizem servi-los.
Eis o que nesta manhã, o meu coração íntimo dorido sentiu e a minha cabeça privada cansada pensou.
Enfim a parte cívica, pública, social: se há que denunciar vigarices, arranjismos, compadrios, pulhices a coberto de organizações, vamos a isso! Mas vamos a direito. Que não seja só nos serviços de informações. 
Há uma forma simples: cada um declara a sua pertença presente e passada e o porquê: mas que isso suceda nos jornais, nos tribunais, na política, nas organizações religiosas.
Quanto a mim o que havia para saber sabe-se e soube-se pela minha boca.
Mas, já agora, porque quando o Sol nasce é para todos e o de hoje teimou em chegar, há horas com este texto que arranco às entranhas da alma, não só ser maçon: que nada escape. Que se faça um varejo de alto a baixo da influência e penetração que tiveram outras organizações, essas à pala da religião, na vida portuguesa. 
Basta de hipocrisia, chega de velhacaria! 
A certos e determinados que estão silenciosos quais fantasmas, lembro-lhes, para incutir ânimo, o que o seu Jose Maria Escrivà de Ballaguer escreveu: «Vira as costas ao infame, quando sussurra aos teus ouvidos: "Para que te hás-de meter em complicações?"».  Venham esses também, para a praça pública, que agora é que isto está bom e sobretudo apetitoso e é a oportunidade sacrificial da mortificação. 
Querem portanto discutir os organismos de influência em Portugal e no Mundo? Embora, vamos a isso! Até por uma questão de higiene moral e cívica.
É pois hora de barrela!  Hora de arregaçar mangas, pôr a água a correr, venha a sabonária e a lixívia. 
Que este Pais, que mete nojo e cheira mal, está a precisar de uma boa esfrega!

4.1.12

Dies Irae

Chego a casa. Tento saber o que se passa do mundo de onde vim. Uma sensação de náusea profunda ante o abastardamento dos ideais, o afundamento dos princípios, a rarefacção da inocência, o emporcalhamento dos bons costumes. De Mozart apenas o Requiem é possível e dele um único andamento: o Dies Irae! 
Que a cólera se abata sobre os vendilhões do templo, de todos os templos. 



1.1.12

O Império da Inocência

Lê-se por todo o lado, no que se diz e escreve e no semblante abatido das pessoas, é a alma corroída, o sentimento de desânimo, a falta de esperança, a resignação. Até da revolta há receio, o medo do que amanhã possa trazer. 
Portugal perdeu a memória do passado e por isso receia o seu futuro. Um País assim teme pela existência.
Entristecemos. A saudade, esse característica do nosso modo de ser, tornou-se nevoeiro. Das praias de onde saiu a nau da Índia, olha-se hoje para as areias desérticas de Alcácer-Quibir. Masjá não se espera pela alvura de Dom Sebastião, mas pela vingança daqueles que ele, em funesta loucura, quis afrontar.
Suicidámos a glória vã depois da vil cobiça. Dilatámos uma Fé quando já tínhamos perdido a Esperança.
Só que oito séculos de Nação, quando não havia sequer Europa e da América nem o sonho, resistirão! Nem que, ao clamar da Pátria, se erga o Povo contra o Estado, pelo Império da Inocência!