28.8.06

E agora?

Segundo li aqui «os fumadores de cachimbo que inalam vivem tanto como os não fumadores e os que não inalam vivem mais que os não fumadores». E eu, que sendo fumador ocasional de cachimbo, que agora estou na dúvida, pois não me lembro se inalo ou se não inalo! É o que se chama uma questão de vida ou de morte.

Veiga de Oliveira

Soube agora que morreu Álvaro Veiga de Oliveira. Há sempre algo de trágico na naturalidade que é a morte. No caso foi ter lido que se soube hoje ter ele morrido quinta-feira, com tudo o que isso significa de nos apercebermos do que, afinal, inexoravelmente já passsou. Conheci-o, superficialmente embora, era ele ministro do VI Governo Provisório, dirigido pelo destemido Almirante Pinheiro de Azevedo, era eu um jovem rapaz, secretário por isso daqueles tumultuosos Conselhos de Ministros, que se repetiam às vezes várias vezes por semana e sempre até altas horas da madrugada. Tempos complicados, cheios de histórias fantásticas, de um Governo em que ele era o único comunista e o Magalhães Mota o único PPD. Tudo o mais militares e socialistas. Lembro-me dele, ajoujado com volumosos dossiers, a ter de intervir em todos os assuntos, para dar voz ao seu partido, enciclopédia ambulante, aflito às vezes a pedir um minuto para poder consultar um documento ou outro que algum adjunto lhe preparara, para poder votar sim ou não. E lembro-me da sua simpática figura, de pé já, dedo no ar, tentando captar a atenção do gesticulante Primeiro-Ministro, figura ímpar para aqueles tempos loucos que se viviam. Claro que a sua baixa estatura e o estilo vociferante do Almirante faziam com que nem sequer fosse notado. Uma vez, desesperado, assobiou! Parou o Conselho de Ministros. Eu não parei de tirar as minhas notas. O diálogo é extraordinário: «O que é, ó Veiga?», lançou-lhe, num intervalo, Pinheiro de Azevedo. «É um xixi, senhor Primeiro-Ministro!». «E é preciso, licença, homem?». «Licença não é o caso, mas é que nas minhas costas, no tempo de um xixi, os senhores zumba, aprovam mais um decreto!». E aprovavam mesmo!

27.8.06

Crise de crescimento

Houve um tempo, o do estoicismo, de se guardarem, como sendo da vida íntima, as doenças graves e os problemas familiares. Hoje, pelo contrário, sabe-se pela imprensa quem tem cancro na próstata ou doença séria na coluna. Sabe-se, pela boca dos próprios, assim como se sabe porque é que aquela abortou, com quem é que aquele anda a dormir, ou as fantasias eróticas de muitos casais do jet set. Tudo isto, num mundo que anda com as partes ao léu, é para ser levado com muita ironia. Comprei hoje o Expresso de ontem e acho que ainda cheguei a tempo. Lá vinha uma frase, que terá saído há uns dias na revista Visão, atribuída a Mário Assis Ferreira, administrador do Casino do Estoril, no qual o chinês Stanley Ho tem interesses de vulto. Contava o dito Mário como é que, saído do Hospital, com uma cicatriz de oito centímetros, fez uma viagem de avião a Hong Kong, para se encontrar com o referido Ho e como é que, ao voltar, a cicatriz tinha mais dois centímetros. Desculpe-me o próprio mas ri-me a bom rir. Talvez por ter sempre a cabeça cheia de segundas intenções, lembrei-me da biografia da outra que contava como é que a do outro, na hora da cama, se lhe encolheu, por duas vezes, deixando-a à míngua e ele a falar sem parar do assunto.

26.8.06

A insatisfação itinerante

Chega-se, de malas na mãos, ainda turista na própria terra. O ar parece leve, as ruas limpas, tudo sossegado, em pequenino. Amanhã talvez comece o sentimento de exilado, a alteridade, o sentir-se um homem hóspede em casa alheia. Depois, com o passar das semanas, surgirá o desejo de emigrar. É assim esta insatisfação itinerante do português. Sinto-me um deles. Não nasci aqui, mas é aqui que me sinto em casa. Numa rua qualquer de uma longínqua cidade russa, cruzei-me com um desses portugueses errantes, para quem eu, anónimo na multidão, mereci um «ora viva, então por aqui!» esfusiante, como se nos cruzássemos, num sábado de manhã, ao acaso, numa rua de Campo de Ourique. Tinha vindo de mota. Faz-se bem, explicou-me. Muito bem mesmo, calculei, sobretudo para quem tem como limite o canto da Europa e como alternativa o atirar-se ao mar.

20.8.06

Cidadania

Longe, muito longe, em terra estranha, posso pela Net saber o que se passa no Governo e no que deles dependem. Prefiro saber como andam os meus filhos. Digam-se ser a rebeldia da cidadania. Tanto me faz. Continuo a perguntar ao Hugo se deixou o caixote do lixo e a roupa para lavar. O mais, a esta escala perde por completo interesse.

15.8.06

Atrás do sol posto

Eu ontem acho que coloquei sem querer um clássico problema da sociedade portuguesa que é o saber se o público funciona melhor do que o privado. Há sobre o assunto uma discussão ideológica. Mas há depois o critério prático. Os que têem dinheiro, em regra, preferem os colégios particulares, os hospitais privados, os seguros de saúde, os advogados em profissão liberal. Se o sistema público de educação, de saúde e de defesa oficiosa são excelentes, a verdade é que a maioria dos que podem finaceiramente não os querem. Depois, um leitor amável, colocou um outro problema, o de se ter sorte ou azar no atendimento, a diferença entre o ser um zé-ninguém ou uma cara conhecida. Há ainda um outro que é o ser-se de qualquer coisa, a pertença a um mesmo clube, ou da mesma terrinha. Ante o burocrata façanhudo e resmungão, o descobrir-se que afinal o mal tratado utente é da mesma aldeia é logo uma radical viragem no modo de tratar. Isto para não falar de ser-se da mesma agremiação. O complexo de inferioridade do português leva-o a ser deferente com os poderosos que, no fundo, inveja. A sua ruralidade ancestral leva-o a defender a sua courela e os que de lá vieram, por raiva aos que de lá não são.

Os hospitais públicos.

Com oitenta e três anos de idade, caíu em plena rua. Foi levada ao Hospital Amadora Sintra. Mandaram-na embora, porque não era nada. Por insistência do posto médico de Sintra, onde foi, por não aguentar as dores, voltou ao mesmo Hospital. Descobriram, enfim, que afinal tinha o braço visivelmente fracturado. Em Novembro do ano passado tinha-lhe acontecido o mesmo: caíra em plena rua, porque está a perder a visão. Foi também ao Hospital Amadora Sintra, por ser o da área da sua residência, o hospital obrigatório. Por causa do que então lhe sucedeu, escrevi isto. Não o disse então, para não parecer que uso os blogs em benefício próprio, como vejo tantos fazerem sem pudor. Digo-o agora, por não poder conter mais a raiva: é a minha mãe. Felizmente o filho levou-a da outra vez e desta vez a um Hospital Privado. O filho tem dinheiro, o filho é conhecido, a mãe foi por isso enfim bem-tratada e isto é um país de merda! Ai dos desgraçados!

12.8.06

Compre um saco, oferecemos o jornal

Eu sinto que o «Expresso» anda angustiado por causa do «Sol». Eu também, mas por causa do sol dardejante deste Verão. Mas este sábado o «Expresso» foi notícia aqui na praia. Devido a um erro da distribuidora, tinham vindo sacos de plástico a menos para os jornais que foram entregues. Foi o desapontamento geral. Entre o macambúzio velhote magriçela de desencanto, a perguntar-se silencioso com que é que ia forrar logo o caixote do lixo lá de casa, à anafada senhora, de cesta lancheira num braço, mala frigorífica noutro, a bolsa dos cremes ao pescoço apoiada no farto seio, o guarda-sol de praia filado nos dentes, a deixar cair suplementos, encartes, desdobráveis e tarjetas, havia de tudo. «Se é assim, compro noutro lado!», ameaçou uma loira postiça, com refegos nas pernas e cãozinho à ilharga. Acho que o povo tem razão. Isto quanto ao «Expresso» já não há saco que aguente.

Bifes mal passados

Os ingleses, os da nossa mais velha aliada, não perdem oportunidade, sobretudo no Verão de emporcalharem o turismo algarvio, para onde viajam aos magotes, muitos para sairem daqui que nem lagostins, empanturrados de cerveja. Em tempos eram os esquentadores que explodiam. Agora é um estudo segundo o qual os condutores britânicos correm em Portugl três vezes mais riscos de um acidente fatal do que no seu próprio país. Quem quiser ler mais, veja aqui. Eu li e dei comigo a pensar os nossos emigrantes tugas em Inglaterra terão três vezes mais oportunidades de atropelar bifes do que aqui. Por isso, ó aceleras, toca para o Reino Unido. Mas atenção, convém guiar pela direita. Apanham-se mais e mais facilmente. Desde a trôpega lady, á ginasticada miss, passando pelo ataviado lorde e o tatuado hooligan, é caçada grossa. Pior que o pára-brisas numa viagem Lisboa/Algarve: uma mortandade de insectos!

Cuidado com os chatos!

Li para aí que a polícia vai passar a ter equipamentos para vigiar as conversas no «chat». Primeiro, foi o abrir cartas, depois escutar telefones, logo a seguir telemóveis, os faxes, depois enfim os emails. Agora são os «chats». Um cidadão já não sabe onde haverá de falar sem ser ouvido. Qualquer dia, em plena alcova amorosa, enlaçados no auge do escaldante momento, um dos parceiros diz ao outro, ciciando-lhe, desconfiado, quebrado o ímpeto pelo ciúme: «parece-me, filha, que está alguém debaixo da cama». Ouvirá, tranquilizante, como se numa carícia a animá-lo: «deixa lá meu anjo deve ser algum chui».

A nódoa

Afinal o escritor Günter Grass foi membro das SS nazis. Achou que agora é que era a altura de o confessar, depois de ter sacado, convenientemente calado, o prémio Nobel da Literatura. Claro que é uma questão de falta de vergonha e de imoralidade. Numa entrevista em que confessa o que diz ser uma «nódoa» na sua vida, diz que esse seu silêncio «sempre o atormentou». Leio isto e acho que o homem, que tem casa por Almancil, está equivocado: a nódoa não é ter pertencido às SS, a nódoa é todos os que o sabiam terem fingido que isso nunca tinha acontecido.

7.8.06

A extrema unção

Nada como o Verão para a libido noticiosa se soltar. Pelo que se lê na imprensa, os portugueses não passaram a copular menos depressa, o país é que passou a ser penetrado mais facilmente. Eis o que se retira desta notícia: «a população portuguesa ascendia a 10.569.592 indivíduos no final do ano passado, um acréscimo de 40.337 pessoas face ao ano anterior, indicam os dados divulgados esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Este valor significa que, a cada 13 minutos no ano passado, o País ganhou um novo residente. Ainda assim, o crescimento populacional diminuiu face a 2004. Em 2004, a população portuguesa registou um incremento de 60.895 indivíduos, o equivalente a um novo português a cada oito minutos e 42 segundos». É que do que se trata não é de mais gente feita cá, mas sim de mais gente que cá entrou. Entram e pelos vistos suavemente, que nem se dá conta, com vontade e seguramente com unção.

6.8.06

Fumos comunitários

Ao que leio, do Direito Europeu resulta que uma empresa que recuse a contratar um trabalhador fumador não viola as normas comunitárias. Se o sistema é assim, as fábricas de tabaco, a entrarem no sistema, deviam ficar como as fábricas de armamento: manufacturam produtos que servem para matar os outros, e não seria de bom tom que a matança começasse logo portas adentro! Mas acho que não vai ser assim. Qualquer dia os burocrats europeus inventam outra e afixa-se necrologicamente nas tabaqueiras: «fumar mata e aqui vende-se a morte»

5.8.06

Cães à solta

O Fisco decidiu afixar a lista dos devedores, o Tribunal de Contas afixará a dos credores. Penso que o objectivo é envergonhar quem deve. A coisa terá resultado. Pelos vistos o calote passou a ser mal visto. A ideia das listas começou na Avenida Defensores de Chaves. Cansados de esperar que as autoridades evitassem que as pequenas da vida aviassem os clientes dentro dos carros, ali mesmo em plena rua, ameaçaram, com uma faixa a avisar, que iam publicar na internet a matrícula dos carros. Foi dito e feito. Não mudou o negócio, mudou foi o local. Se a situação é igual, há que perguntar os que pagaram à Fazenda a quem terão ficado a dever.