27.1.11

Heróis aos pontapés

O problema de Portugal é não se poder fazer a Revolução pelo voto. E, no entanto, a Revolução está na ordem do dia, esconsa nas mansardas de muitos que aparentam estar conformes. O conservadorismo parece instalado no coração e nos intestinos dos portugueses. É o reaccionarismo astucioso dos que enchem a barriga, defendendo o prédio e a banca, o conformismo apático dos que estão de barriga vazia com medo de passarem mais fome. Todos esses pertencem à Legião do «deixa lá».
As eleições podiam ser momentos de mudança radical, mas os interesses que se transformam em boletins eleitorais são sempre os mesmos, mesmo com outras caras, cada vez mais com caras mais anónimas. Vota-se ordeiramente em todo o País, mesmo quando se vota pouco.
Vocifera-se, isso sim, raivosamente nos intervalos da ida à urna, mas é na urna funerária do voto que a revolta se enterra com flores murchas no primeiro dia das novas legislaturas.
Tornamo-nos acomodatícios, plebicistando o que detestamos porque aprendemos a viver à conta disso. Na Ditadura vendia-se a liberdade na democracia aluga-se a consciência.
O problema de Portugal é que a Revolução é possível. Com Machado dos Santos sozinho na Rotunda, Gomes da Costa a caminho de Lisboa, Salgueiro da Maia cercando o Quartel do Carmo. Uma faísca e o povo explode.
O problema de Portugal é que um dia perdemos a vergonha de sermos tratados como europeus de segunda e exigimos ser tratados como portugueses de primeira.
A vida nacional é gerida por funcionários em Bruxelas e por empregados do Poder em Lisboa: os de lá decidem o quê os daqui o como. A estes juntam-se os credores, seus patrões finais.
Depois é a tristeza, o deânimo e o desespero que nos torna os cantores do fado vadio e os ouvintes da sua melopeia deprimente. Os portugueses sofrem pelos amores funestos e pela alegria breve.
Claro que ainda há o futebol que é a nossa forma de sermos heróis aos pontapés. A todas as horas em todos os dias, boquiabertos de imbecilidade, até ao dia em que alguém invadirá o relvado.

25.1.11

Fomos nós!

Que idade têm aqueles de quem a minha geração fez cobaias das experiências pedagógicas dos propedêuticos e dos cívicos, das passagens administrativas e do entrar-se nas faculdades sem positivas e com facilitismos, os dos 12º anos dados de borla e todo o cortejo de "borlas" e de "copianços"? Aqueles que são veterinários porque o lobby médico impôs o numerus clausus e com ele os cubanos e eslavos que fazem hoje a medicina que é negada aos nossos nacionais? Os que trabalham nos "call centres" e nas caixas de supermercados com mestrados inúteis, a "geração canguru" que vive na dependência e no cravanço, infantilizada mas por lei maior e capaz de votar e validar políticos e políticas? Os que cursaram universidades a estudarem por fotocópias e apontamentos sem nunca terem lido um livro?
Por onde anda a «geração rasca», insolente e mal comportada, que abaixava as calças e mostrava o rabo nas manifestações públicas, como se a coragem hoje fosse não dar a cara mas as nádegas? Por onde os frutos do consumismo, que atulhámos com tudo o que nos extorquiram, chantageando os nossos complexos de culpa? Onde os do «que se lixe a politik que eu quero o joystick?». Onde? Onde?
São esses que estão no mando, no poder, na decisão. Os poucos que escaparam à maré-negra que nós gerámos, vivem subjugados como pássaros a tiritar a morte por sufocação ante o crude da insolência, do oportunismo e  do aproveitamento.
Arrogantes que fomos com os nossos pais, é isto que deixamos como fruto. Escapar a isto é ser herói ou louco. O País afunda-se e nós fingimos que não fomos nós.

17.1.11

O País do Rei Momo

Não sei se algum Presidente de República foi respeitado. De Costa Gomes dizia-se que era «o rolha» por ter sido crachat de ouro da PIDE e depois ícone sagrado da esquerda no PREC. De Spínola que era o «caco» por causa do monóculo prussiano a que o pingalim de Cavalaria dava ares, os tiques e os toques que o infiltrado Gunter Walraff gozou até mais não, quando ele caiu nas malhas do inconsequente ELP/MDLP. De Eanes gozou-se o ser de Alcains e de cenho fechado, mais a desajeitada tentativa de monopolizar a ética no PRD, que faliu sem glória, com Soares a tentar demonstrar que ele, para além de um hirto robotizado, nem um livro ler saberia. De Soares gozou-se tudo, desde os pecados da "descolonização exemplar" até àquilo que Rui Mateus verteu em livro com resultado zero e que meteriam qualquer um na cadeia, o acusador ou o acusado, só que o País virou a cara para o lado.
Uma coisa é certa. Talvez nunca o gozo público tenha sido letal. O sistema não caiu, o Estado aguentou-se, e se não houve um regime que tenha sucedido ao antigo regime a culpa não foi dos apoucantes nem dos apoucados.
Dói nos intervalos de meter nojo o que se está a passar em matéria de presidenciais. Tenta ganhar o que mais baldes de trampa lança para cima do candidato do lado.
A Chefia do Estado era das poucas coisas que sobreviviam. Todos os poderes estavam já na lama do desprestígio. A receita é fácil: ataca-se um, a matula generaliza a todos: padres, professores, juízes, procuradores, militares e guarda-nocturnos, nada resiste, tudo esbraceja no vilipêndio. A receita é fácil. Joga-se um à canalha, a sangrar um pecado, e a matilha estraçalha, em arruaça, a classe toda, na base do «isto anda tudo ao mesmo», «o que eles querem e precisam sei eu!».
Lentamente, as duas sementes do fascismo florescem no Carnaval da democracia: o pessimismo e a ânsia de ruptura. Ninguém quer isto, todos querem qualquer coisa que seja.
O primeiro pirómano que surgir, incendeia a cidade. No dia seguinte, dissipado o fumo, começam os enforcamentos contra os suspeitos de sobrevivência. Ao Rei Momo em Belém sucedem os gatos pingados de Quarta-Feira de Cinzas.