3.7.08

O elogio

Saía de casa já zangado com a vida por ser tarde e estar cansado e mal dormido e sobretudo começar o dia atrasado quando a vi.
Dirigiu-se-me com um sorriso aberto, jovial, uma forma de sorrir com a boca, nos olhos um reluzir contente que lhe vinha da alma.
«Posso dar-lhe um elogio?», perguntou-me, eu encabulado e sem saber porque razão poderia ou se deveria dizer que não. «Adorei-o ontem na televisão!». E sem que eu tivesse tido tempo de explicar que não tinha estado nem ontem nem sequer há muito tempo,em qualquer televisão, rematou: «eu, e aliás toda a minha família, adorámos o que disse sobre a economia portuguesa! Muitos parabéns pela sua inteligência».
Não tive coragem de a desapontar e calei-me com o imerecido elogio. Saíu feliz, a ver-me escapulir para o estacionamento, alegre por ter dito, radiante por ter encontrado ali ao seu alcance o objecto da sua admiração.
Não sei se a esta hora já se terá apercebido de que eu não sou o Dr. Medina Carreira, com quem me confundiu.
Para não ficar na posse do que não me pertence, já telefonei a este, a dar o seu a seu dono. E espero que ele, da próxima vez que for à televisão pense em mim, na minha reputação, na minha imagem pública, porque no dia em que disser asneira ainda levo à conta dele uma tunda, numa esquina, de um espectador inconformado! E depois, será justo que lhe endosse essa indevida trepa, admirando- como admiro tanto? Não é justo! Nesse dia, como e calo, que assim é que é ser amigo.