O problema já não é haver ou não entorses aos sacro-santos princípios que tínhamos por pilares do nosso sistema penal: a presunção de inocência, o direito ao silêncio, o segredo profissional, a inviolabilidade da vida privada. Face à falência da justiça criminal em combater certo crime grave com boas maneiras, todos se rendem à excepção. O mal, esse, está no modo como essas coisas se dizem. O Presidente da República é o Supremo Magistrado da Nação, não é Supremo Procurador da República: cabe-lhe, por isso, contenção na língua. Jorge Sampaio é advogado: cabe-lhe, por isso, ter tento no que diz. Que o advogado Sampaio fale em ónus da prova em processo penal, ainda vá, deriva de um modo antigo de colocar o problema, que vem dos tempos em que foi aluno de Cavaleiro de Ferreira. Agora que o Presidente da República venha, como se em linguagem de comício, e com uma latitude verbal em que parece que cabem lá tudo e todos, a falar na inversão do ónus da prova, quando a lei já o prevê, isso é que um Estado de Direito não suporta. Claro que alguns polícias ficam satisfeitos, nisso incluindo os poucos que acham que assim é mais fácil investigar sem trabalhar. Mas claro que há quem goze: o ministro da Justiça, por exemplo, ao comentar que a proposta não é original, mas é estimulante! E de estimulantes anda ele bem precisado, como sabemos todos muito bem.
P.S. Há quem diga que o Presidente, afinal, não queria falar em inversão penal, mas sim na inversão fiscal. Vêem como é, quando se é ambíguo no que se diz, à força de querer dizer?