26.3.06

Papás ao ataque, cesarianas à defesa

A propósito de uma notícia que intitula «Mais de 10 mil cesarianas desnecessárias em 2004», o Diário de Notícias cita Luís Mendes da Graça, presidente do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos a dizer o seguinte: «em primeiro lugar, explica o especialista, o aumento do número de cesarianas em Portugal ficar-se-á a dever ao facto de "haver cada vez mais processos em tribunal de mães descontentes com o parto". O acto cirúrgico inscreve-se assim numa "estratégia defensiva dos obstetras, que é legítima", considera o responsável da Ordem dos Médicos». Ora aí está. Imagina-se no subconciente dos médicos parteiros a cena quotidiana: cada mamã que lhes entra pela frente, as contracções a aumentarem de ritmo, a bolsa das águas em vias de rasgar, a respiração ofegante e um ranger de dentes entre a dor e o medo, é para eles, a visão de um processo judicial à vista. Não é uma parturiente que aparece, encapsulada numa higiénica bata branca, é um causídico que lhes surge, envolto numa sinistra toga negra, não é a beleza de uma vida a nascer é a fealdade de um processo a instaurar-se. Na sala de espera, fumando nervoso, o paizinho sonha com o valor da causa e arrola testemunhas. Lá dentro, ao gabinete de enfermagem sucede o gabinete jurídico, às compressas e aos fórceps, o Código Civil mais a Colectânea de Jurisprudência. Defensivamente, por isso, não vá saltar de lá mais uma acção em tribunal, vai de cesariana. Quando o nângero solta o primeiro vagido, o clínico sente-se notificado pelo meirinho. Ao tomar-lhe o peso e as medidas, ainda o nascido babado da placenta, já o médico calcula quanto aquilo vale em termos de indemnização. Ao lavar as mãos, esgotado de um dia de trabalho, a equipe médica em vias de ser rendida, já pediu uma chamada para a companhia de seguros, pois coitaditos deles, cada dia de trabalhos de parto custa-lhes um dinheirão. Entretanto na casa em frente, em cada palheiro e em cada barraca, em cada condomínio de luxo, todas as noites e a todas as horas, casais legítimos, unidos de facto e parzinhos de ocasião fornicam à doida, fabricando mais processos, mais acções, mais indemnizações. Nove meses depois lá entram mais uns tantos em tribunal! Pobre Ministério da Saúde, desgraçado Ministério da Justiça. Leio o DN, é domingo de manhã, lá fora cantam os passarinhos, e imagino, angustiado como cidadão, preocupado como contribuinte, uma solução de emergência para isto tudo. Segunda feira, por decreto, o Governo ordena e a Imprensa Nacional publica a seguinte norma: artigo primeiro, é proibido f... para procriar, artigo segundo é reforçada a dotação do orçamento do ministério da Saúde na conta provisão para encargos suplementares com o montante necessário para fazer face a indemnizações com f... pendentes cujo efeito seja a gestação».