Dei com o livro num canto da estante, junto à cama, relido há tempos e ainda por devolver ao local de onde saíu. Agradeço-lhe este momento de contentamento.
Há no Mandarim, de Eça de Queirós, aquele instante ímpar em que Theodoro, o amanuense do Reino, que punha o cursivo ao serviço dos poderes públicos e nos intervalos do dever sonhava com o vasto seio de Madame Marques, encontra o Mandarim e este lhe explica que precisamente a palavra «mandarim» a haviam trazido os navegadores portugueses, equivalente ao verbo «mandar».
Transcrevo tudo da edição que tenho do livro, em alfarrábio editado em décima terceira edição, no ano de 1941, comprada sei lá onde, com a grafia que ali leio:
«- Mandarim, meu amigo, não é uma palavra chineza, e ninguém a entende na China. É o nome que no século XVI os navegadores do seu paiz, do seu bello paiz...
«- Quando nós tínhamos navegadores... murmurei, suspirando.
«Ele suspirou também por polidez, e continuou:
«- ... Que os seus navegadores deram aos funcionários chinezes. Vem do seu verbo, do seu lindo verbo...
«- Quando tínhamos verbos... - rosnei, no habito instinctivo de deprimir a patria».
Eis, pois, o modo de ser dos Theodoros de sempre, mesmo aqueles impantes aqueles sem substantivos nem adjectivos que mereçam, falhos de verbos e que por interjeições falam, os que também poderiam dizer como o outro: «quando o meu intestino se alliviava com estampido - a humanidade sabia-o pelas gazetas».