13.6.08

Navegantes do acaso

Nesta época que se costuma chamar da globalização, em que em cada momento do dia e da noite todo o mundo comunica com toda a gente, em que a hora de fecho das bolsas de valores americanas se articula com a das europeias, e no mercado de capitais, funcionam as transferências «overnight», em que pela madrugada a BBC transmite noticiários e programas de actualidades para a Ásia, porque lá é dia, e o meu amigo Eduardo, que deu em macaense, vai daqui a pouco dormir quando eu acabei de acordar mas os nossos emails num segundo de tu cá tu lá ignoram isso, nesta época, dizia eu, um feriado municipal é como nos tempos medievais em que as cidades fechavam as suas portas, encerrando-se intra muros. Um estrangeiro desprevenido que telefone hoje para cá pensa que Lisboa sumiu, o terramoto de 1755 teria regressado.
Em dias como hoje, a malta habitante vai em bandos para fora de portas, engarrafar-se em locais de distância variável na razão directa das posses, muitos para além do que já podem.
Ora é aqui que entra a diferença penalizadora. Nos tempos medievais, em que triunfava a noite escura, que é quando o espírito concebe as melhores ideias, era possível trancar tudo e não abrir. Punham-se archeiros à entrada, e seleccionavam-se a um e um, os que eram admitidos a reentrar.
Portugal repovoava-se como outrora se reflorestou: de feriado municipal em feriado municipal, restaria aquela multidão dos que ninguém quer e a quem nenhuma cidade permite franquia. Para esses, restava fazerem-se ao mar, qual raça de novos argonautas, navegantes do acaso em busca de desconhecido. Talvez por lá ficassem, a sua ausência mal notada, a sombra da sua presença vagamente comemorada.