A rua é larga e cruza a Avenida da República. Quase na esquina, serpenteando entre os automóveis que param ante os semáforos, ei-lo. Tem dia certo. É sempre aos domingos de tarde. No Inverno veste uma samarra com gola de pele. Tem um aspecto cuidado, um toque de camponês em Lisboa, mas dos camponeses que são a senhoria das aldeias. Não fala. Estende as mãos, em cada uma pendente um saquinho em plástico contendo o que oferece: bolacha americana. Muito de vez em quando há quem compre. Indiferente ao seu magro comércio, este homem, perdido no tempo, numa Lisboa já estranha e mais estranha ainda porque domingueira, prossegue o seu bailado, volteando, ágil, refugiando-se no passeio à iminência do sinal verde. Hoje, pois chovia, tinha uma mão ocupada com um elegante guarda-chuva. Na outra, esperançados em que alguém os levasse, dois sacos, quais aves presas pelas patas aguardando freguês, reluziam à morrinha que o fim de tarde tornava prata, a ornar aquele coração de ouro.