26.2.10

O estado do Estado

É a natureza do Estado burguês, a questão. Diria melhor, é a natureza do Estado, a questão. Lugar autoritário dos arranjos de interesses, não é palco de imoralidade ocasional, ele traduz a própria imoralidade da luta intestina pela posse dos bens, pela titularidade das relações de domínio, pelo poder.
Espaço privado da mercantilização da vida, tudo nele é jogo de predação, de transacção, de compensação.
Quando no Governo se nomeiam amigos e se compram inimigos, a lógica argentária é a mesma.
Na bolsa de mercadorias em que se transformou a vida política há uma só regra que é a de manter de pé a livre e sã concorrência, distribuindo o saque por todos na proporção da força de cada um, para que todos se calem quanto ao essencial. A fome é má conselheira e o primeiro insatisfeito é  o primeiro delator.
O Estado nunca foi, salvo nos compêndios de alguns abstraccionistas, uma realidade em si. Ele é o instrumento de uma cristalização de interesses, de classe ou de bando. Os partidos são a forma civilizada de organizar a animalidade das comedorias. As imaterialidades não venais essas que cuide delas a sociedade civil.
É por isso que a educação pública é péssima e a saúde pública um vómito: é que elas são para os que estão fora do jogo do poder, os desapossados.
É por isso que há quem, estando no Estado, saque vantagens e file comissões. Não é por falta de ética. É porque o Estado é deles, para viverem à conta dele e através dele que tudo é asim, negócio particular num Estado privatizado. 
Claro que de vez em quando as autoridades perseguem a corrupção descarada e a prevaricação excessiva. Nessa altura o negócio torna-se mais caro, o «spread» do acesso ao Estado mais alto.
Por altura das eleições, investe-se no futuro comprando propaganda. Os que não estão no Estado não conseguem pôr o Estado a pagá-la. Os outros acham isso natural. Tão natural como a sua sede de mando e de oportunidade.
O mais, é literatura e espanto.