Morreu o Luiz Pacheco.
Quanto pequeno-burguês e grande burguesa não faziam da sua escrita onanismo secreto, sob os lençóis mornos da conveniência social, em gritinhos de abafada volúpia de salão, por também terem lido, ó gozo libidinoso, minha querida, «o Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor», como se não fosse essa prosa o seu pesadelo do «como morrerei», o seu epitáfio no desespero, o «descubro que o êxito e o fracasso são uma e a mesma cadeia e em tudo. O êxito para cim,a o fracasso para baixo, e quando digo baixo digo baixo: sujidões, dívidas, vergonhas, podridões, loucura».
Morreu o Luiz Pacheco.
Quanto predador de antiqualhas vendáveis, farejador de raridades impressas, corretor de agiotagens bibliográficas, não açambarcou, avaro, filisteu, os seus livros, fazendo da magra tiragem negócio futuro, e ele «acantanonado em locais de asilo forçado» a rir-se com o «escrevi muito. Por necessidade da pedincha, aguentar a sobrevivência, conversar com Amigos distantes», fartai pois, vilanagem livreira!
Morreu Luiz Pacheco de quem Rui Zink disse que estava doente há muito, de um grave bacilo que se chama «a literatura portuguesa», que conhecia como poucos, rasgando livros à força da raiva de os ler.
Morreu, morreu sim, e a Ângela Caires a ter dito em 1991 que «há 40 anos que o Pacheco se "moribunda" e está a enterrar-nos a todos» e ele a gozar em 1962 «tentando uma nova experiência, entre a morte e a vida, o mesmo é dizer, no duplo, ambíguo papel de moribundo-convalescente».
Foi-se o «repórter sensacionista» na «cidade mexicana de Mitrena», o dos «textos de guerrilha», da «literatura comestível», do «sonâmbulo chupista», o do grupo de amigos «empenhados em desempenhar» a sua companheira máquina de escrever.
Morreu, enfim, neste mundo em que «há gente feliz a mais» o dos amigos do crava «vintes» e «cenzes», o do «recebida carta e nota anexa; esta foi um maná para Tribu dos Pachecos», náufragos na jangada promíscua de uma mesma cama, pelo Massamá da vida.
Está morto. Surgirão agora, no ritual abjecto da rememoração, os necrófilos untuosos, os doutorais arquivistas, dissecando-lhe da criação as tripas, do delírio a mioleira, do triste amar o seco sexo e jogando-o, enfim morto, para a gaveta das anedotas bonacheironas, que amanhã é segunda-feira e continua por aí a variante reiterativa de «o caso das criancinhas desaparecidas».