Originariamente a ideia de haver um «Dia do Trabalhador» assentava na ideia de que havia os que trabalhavam e os que viviam à conta do trabalho dos outros.
No 1º de Maio as ruas enchiam-se com o enorme exército daqueles, para vergonha destes, que se trancavam em casa ou nos clubes, deixando a cidade entregue às insolentes gangas que comemoravam a revolta com assomos de fraternal confraternização.
Hoje, com o Estado social à mistura e a sofisticação da economia a baralhar, há quem já não se consiga entender no meio da Babel sociológica em que vivemos.
Claro que ainda há o velho operariado, o paradigma duro do metalúrgico, do mineiro, o ferroviário, restos da Revolução Industrial, a pedreiragem e os moços de servente, ao lado dos distribuidores de pizzas, operadores de tele-marketing e agentes da Bolsa de Valores e dos mercados on line. Uns e outros recebem ordens, reconhecem em algum outro um chefe, um capataz, poucos sabem quem é verdadeiramente o patrão. A sociedade contemporânea criou um exército de dependentes que não sabem bem de quem dependem. Quando alguém responsabilizar alguém, são todos consultadores ou procuradores.
Depois, há a colmeia dos desempregados, cujo pagador é a Segurança Social, os que conjugam o biscate não declarado com o estarem cronicamente sem emprego e desse rotativismo espertalhão fazem modo de vida. Trabalhadores de nada, engrossam as estatísticas que envergonham governos e mostram como o capitalismo explora a mais valia e gera a sub-ocupação da mão de obra.
Além disso, temos os que estudam para serem chefes e acabam por se tornarem índios, licenciados em caixas registadoras, mestrados para andarem a vender ao balcão, sonhos de patrão, pesadelos de amanuenses.
Há finalmente, todos os que para aqui migraram, os que fazem o trabalho em que os nossos não pegam, os brasileiros que alimentam a restauração, os eslavos que seguram na construção civil, e mais as que as fazem madrugadas nas limpezas, sujando-se na nossa escória, ou noitadas trabalhando no comércio do sexo, o corpo em aluguer com opção de compra.
Hoje é primeiro de Maio. Estão muitos na rua, pelo trabalho contra o capital, outros em casa, a passar roupa a ferro porque amanhã é dia de trabalho, a dormir porque ao menos hoje não há que amanhecer, ou porque não, a terem, enfim, um momento de amor, agarrados ao seu parceiro ou a um aparelho de televisão.