Sabem o que é o fim da democracia? É as pessoas terem perdido a esperança de que Portugal pode mudar a partir do interior dos partidos. É as pessoas não acreditarem que os partidos possam mudar a partir de dentro de si mesmos.
Sabem o que é o fim da democracia? É as pessoas referendarem em eleições por uma cruzinha num cartão pessoas que não escolheram, como quem num restaurante come o que a lista lhe oferece e tem sido sempre o «prato do dia» em todas as refeições, votarem nos nomes, cada vez piores, que lhes são apresentados pelos que dos partidos se apoderaram.
Sabem o que é o fim da democracia? É o acto eleitoral ser um negócio pelo qual vendo o meu voto em troca de não querer saber mais da causa pública, salvo para me lamuriar e ficar inerte, com excepção, para alguns, dos dias de greve e de manif.
Sabem o que é o fim da democracia? É ver-mo-los chegar à política com uma mão atrás e outra à frente, vagas de desconhecidos, treparem esses vultos através das velhacarias em que os aparelhos dos partidos do governo se tornaram, e uns tempos depois, publicitados, travestidos pelo "marketing", aí estão cheios como odres ou em santuários de bom viver.
Sabem o que é o fim da democracia? É ninguém ter votado que se aceitassem a aniquilação da nossa agricultura e, corruptos, aceitámos, submissos, da Europa do capital o seu dinheiro para a destruir, mais a frota pesqueira, mais a capacidade de produzir até o que comemos e hoje vivermos do calote e do fiado, iludidos uns que era a modernidade que assim chegava, a da tecnocracia post-moderna a este cantinho nosso de labregos, e mais do que certos outros de que o dinheiro para a formação e para a reconversão tecnológica daria para uns anos de desbunda privada e ostentação pública.
Sabem o que é o fim da democracia? É uma pessoa escrever isto e haver quem receie que lhe chamem fascista e se ter criado um clima oculto de intimidação pelo qual se aluga o silêncio e se compra a complacência e ser mais barato fazer de conta e sobretudo mais rendoso.
Sabem o que é o fim da democracia? É estarmos em República a ser governados pela «troika» estrangeira, como na Monarquia pelos Filipes espanhóis e já não comemorarmos o 25 de Abril e ainda não ter chegado quem queira um 1640.
Sabem o que é o fim da democracia? É ter-se enterrado com os Fernando Nobre a ilusão de que nas AMI's deste mundo ainda haveria um resto de gente que se podia organizar e tirar este país do estado comatoso em que se encontrava, até se ter descoberto que, afinal, era mais um, a mesma ambição pessoal, a mesma incapacidade de agir, a mesma derrocada moral, o mesmo desânimo.
Sabem o que é o fim da democracia? É que os que podiam pegar nas armas do combate contra os que a puseram na viela escusa da má fama, em nome da democracia suicidarem-se com essas armas, por vergonha, por desespero, por já não aguentarmos mais.
Somos um povo de suicidas escreveu Unamuno e conheceu-nos como a Manuel Laranjeira, outro que acabou consigo, como se matou Antero de Quental com um tiro e Alexandre Herculano ao exilar-se. Somos de facto: lentamente rende-mo-nos à morte lenta, ao doce veneno de nos vermos à noite a morrer, em directo e na TV.
Sabem o que é o fim da democracia? É a democracia ter-se, afinal, tornado, através da farsa do voto, uma forma de reorganização mundial do capital à conta de quem trabalha. Entre o euro e o dólar, nos subterrâneos das praças financeiras, eis aí o combate nos esgotos pelo verdadeiro poder.
Ao longe, a milenária China espera o seu momento para nos vender como nas lojas de trezentos. Mais perto, os Árabes que, em nome da Cristandade chacinámos pelas Cruzadas, anseiam o momento da vingança.
Ao longe, a milenária China espera o seu momento para nos vender como nas lojas de trezentos. Mais perto, os Árabes que, em nome da Cristandade chacinámos pelas Cruzadas, anseiam o momento da vingança.
Hoje, ante a liturgia da falência e seus coveiros, no cortejo funerário da miséria, reina um silêncio profundo, o silêncio dos cemitérios. Portugal tem medo.