Presidia ao Conselho de Ministros o Almirante Pinheiro de Azevedo. Na extensa mesa circular, no pólo oposto, estava eu, Secretário do Conselho. Tempos conturbados os desse sexto governo provisório. Cabia-me fazer a acta das sessões, circular os projectos de diplomas legais de todos os ministérios, recolher as observações e críticas, circulá-las, preparar os dossiers para a discussão, sintetizando os pontos em controvérsia. E sobretudo assistir a esses tempos históricos em que seu deu o cerco da Constituinte, em que estive, também eu, aprisonado na Residência Oficial, na Rua da Imprensa, uma betoneira a barricar o portão, milhares de manifestantes a cercarem São Bento.
Foi num desses conturbados Conselhos - de que um dia talvez conte mais - que a cena ocorreu. Os SUV, sigla para a organização clandestina Soldados Unidos Vencerão [ver aqui e aqui] tinham ocupado a Rádio Renascença. A partir dali emitiam propaganda revolucionária, incendiando o País, provocando a Igreja Católica. Protestos surgiam, incluindo os da Nunciatura Apostólica. Nesse dia o assunto estava em agenda.
Grave, ligeiramente tombado sobre a mesa, como era seu hábito, as mãos segurando as abas do casaco, qual comandante na ponte do seu navio, o primeiro-ministro ouvia a ladainha lamurienta ministerial quanto ao que se devia mas não se podia fazer. Foi aí que, iracundo, se soergueu. Com um dos seus «Vítor Alves [então ministro da Educação] ficas aqui a tomar conta destes senhores [os ministros] abandonou a sala». Voltou momentos depois. Reocupando a presidência da reunião, atirou como que atónito: «ainda a discutirem o mesmo, homens? Tá resolvido, porra!». Tava, de facto.
No dia seguinte soube-se como. Resolvido à bomba.
A sabotagem das antenas silenciou o pio à aos que proclamavam a luta «com todos os trabalhadores pela preparação de condições que permitam a destruição do Exército burguês e a criação do braço armado do poder dos trabalhadores».
Dizem-me que terá sido o então major Jaime Neves, dos Comandos da Amadora. Ou os Fuzileiros Navais. Quem souber que conte. Nesse dia a Rádio Renascença, a Emissora Católica Portuguesa sobreviveu.
Não sou católico, sim baptizado. Até por isso, deste canto que é o meu espaço de liberdade cívica, lhes endereço, para a Rua Capelo, como ondas para o éter, num aceno fraternal, votos de parabéns! Muitos anos de vida.