A crise de valores morais num País atinge-se quando ante a imoralidade já ninguém reage. A crise dos valores num País chega quando já ninguém está seguro de quem diz a verdade. Senti isto esta manhã ao ler, atrasado já, a notícia sobre o custo das refeições que se pratica no Parlamento. Veio revelada num jornal, aqui, mas a fonte terá sido o blog Má Despesa Pública, que sucessivamente publicou notícias sobre isso aqui e aqui e também aqui. O blog Porta da Loja, adita aqui, mais elementos.
Não vou transcrever o que dizem essas revelações. Peço apenas que leiam. Eu sei que temos todos pouco tempo, mas perdemos tanto tempo em coisas sem interesse. Ademais o dia de hoje está murcho. É uma visita guiada ao nojo, previno. Já agora, confira aqui, no site da Assembleia da República.
Cada um dos que lerem sabe o estado em que está o País, o estado de carência económica, a fome. Os deputados também sabem. Sabem que podem pagar, que devem pagar refeições que não sejam àquele escandaloso preço. Sabem que aquelas ementas requintadas são de restaurantes "gourmet", e que as refeições que no Parlamento se sirvam a preço bonificado devem ser dignas mas frugais, por serem refeições em local de trabalho. Sabem que a diferença entre o luxo que usufruem e o preço que pagam é suportado pelos contribuintes que somos todos nós outros. Sabem que comparando com o que estão a penar milhares e milhares de portugueses, aquele requinte sumptuário mais do que um escândalo é uma provocação.Os deputados sabem isto tudo mas não se importam. Sabem que fazem parte de um sistema político que ofende o nome da democracia chamando-se democracia. Sabem que integram uma longa família de privilegiados que, em rotativismo permanente, vêm ocupando o poder, com umas franjas irrelevantes para os que estejam fora do sistema. E mesmo quanto a esses sabem que a lei do come e cala-te ainda é a grande lei para os comprometer, comprando-lhes o compromisso.
Os deputados, os governantes, aqueles que a política eleva a cargos e coloca em altas funções sabem que estão por cima de um estábulo de mansos bois que é o que resta do Povo português, que rumina sobre a palha seca do dia a dia e se conforma a mugir lugubremente o fadinho da pouca sorte.
Comensais do luxo, ruminantes da sem-vergonha, cevantes do aproveitanço, na hora da digestão nem uma crise de consciência os afectará, quantos folheando jornais já no hemiciclo, tantos passeando na net, nos intervalos do instante fugaz do «bate rabo» do quem vota a favor, quem vota contra, quem se abstém, a ladainha sonolenta sobre o trabalho legislativo em que pouquíssimos trabalham e em que se vota como o partido manda votar, tantos por cabeça.
Não, os deputados frequentadores dos restaurantes parlamentares não têm disso que lhes atrapalhe a gorja, aflija as entranhas, amargue o fígado, gazeei as tripas. É que a deputação nacional terá seguramente sanitários adequados em que, com trânsito regular dos que querem lá saber, exprimem, vindo do eu íntimo, o que sentem quanto a todos nós.
Um dia, um dia estou certo, quando os famintos cercarem o hemiciclo para porem termo, a pontapé que seja, à grande bouffe desta imoralidade nojenta, talvez os apanhem com as calças na mão.